24.04.2016 - Janio de Freitas
O entendimento pleno entre Michel Temer e os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, a respeito da farta percepção de golpe, não surpreende, por nenhum dos três. Mas a adesão de Celso de Mello a manifestações públicas de fundo político, sem razão alguma para sair de sua área, é mais uma contribuição para a difundida inconformidade com o Supremo na atual crise.
Causa mais citada pela inconformidade, a protelada apreciação do afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara –pedido há quatro meses pelo procurador-geral Rodrigo Janot– recebeu afinal uma explicação, embora indireta, do ministro Teori Zavascki. Em síntese, a acusação principal no pedido são os trambiques de Eduardo Cunha contra a ação do Conselho de Ética que o ameaça. No entender de Zavascki e outros, porém, o tema compete à Câmara.
O problema se repete: com o êxito dos pulos de Cunha e o alheamento do Supremo, nada resta a fazer contra o comando da Câmara por um réu em processo no próprio Supremo. E no tribunal os ministros citados e ainda outros, como Dias Toffoli e Cármen Lúcia, dizem que "as instituições e a democracia estão funcionando".
Celso de Mello considera "um gravíssimo equívoco" as referências de Dilma a golpe. Porque "o procedimento destinado a apurar a responsabilidade da senhora presidente da República respeitou todas as fórmulas estabelecidas na Constituição".
As fórmulas. Ou seja, Celso de Mello considera a forma, e se satisfaz. Mas o golpe não está na forma, está na essência, no argumento, que apenas se vale da forma. E este argumento consiste em, de repente, considerar crime, para efetivar um impeachment, uma prática financeira aceita nos governos anteriores e em atuais governos de Estados. Um casuísmo, portanto, um expediente oportunista.
Integrante mais antigo do Supremo, nomeado ainda por Sarney, Celso de Mello é o ministro que mais recorre a bases teóricas do Direito, em imensas digressões engordadas com citações a autores, jurisprudências e votos passados. O seu súbito enlace com o formalismo, e do mais simplório, pode satisfazer-lhe a visão política, mas trai sua dificuldade de sustentar com argumentos jurídicos o golpe da repentina criminalização de créditos suplementares, velhos conhecidos da Fazenda, do Tesouro e do TCU.
Dias Toffoli também tem o que dizer sobre o que os jornais disseram que Dilma diria na ONU mas não disse, e por isso os que inventaram que ela diria agora se dizem surpresos. Toffoli: "Alegar que há um golpe em andamento é uma ofensa às instituições brasileiras. E isso pode ter reflexos ruins no exterior". Os reflexos ruins já estão na imprensa internacional, que não se deixou enganar. Sem falar no manifesto de 8.000 juristas mundo afora, denunciando o golpe.
"Ofensa às instituições" é a trama em montagem para separar o processo, no TSE presidido por Toffoli, sobre as contas de campanha da chapa Dilma-Temer. Com um processo para cada um, como Gilmar Mendes articula, Temer pode ser absolvido enquanto Dilma é condenada. Gilmar Mendes chegou a dizer que "o tribunal (Superior Eleitoral) tinha posição contrária, mas agora podemos ter um quadro novo". Outro casuísmo, outro expediente oportunista. O golpinho filhote do golpe.
Em importante artigo na "Ilustríssima" de domingo (17) (pág. 6), cuja leitura recomendo muito, Daniel Vargas faz uma análise original e aguda do Judiciário e, em particular, do STF. Constitucionalista, doutor em Direito Público por Harvard, em dado exemplo diz: "Cármen Lúcia e Dias Toffoli, ao afirmarem publicamente que impeachment não é golpe, pois está previsto na Constituição, abusam da retórica para, implicitamente, oferecer suporte ao movimento político de destituição da presidente Dilma Rousseff".
É o que fazem também os outros ministros aqui citados, com exceção de Teori Zavascki, que mantém a reserva devida por magistrados. São 35 os partidos com registro. Mais os meios de comunicação. O Supremo Tribunal Federal não precisa ser mais do que Supremo Tribunal Federal. Aliás, precisa-se que seja o Supremo Tribunal Federal.
2 comentários:
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