quarta-feira, 3 de outubro de 2018

UE afinal se levanta contra as sanções-‘bullying’ de EUA contra o Irã, por Pepe Escobar

30/9/2018, Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Entreouvido na Vila Mandinga:

Mais uma notícia que demonstra, em poucos parágrafos, a importância dramática que tem hoje o Brasil, para os EUA – que naufragam feito Titanic em todo o mundo. Não há derrota maior para os EUA, que se verem descartados por União Europeia e Irã, depois de já terem perdido o Oriente Médio.

EUA praticamente já estão condenados a ter viver de Brasil, Argentina, Equador, México, Venezuela... [pano rápido]
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Bruxelas instituiu um ‘veículo para finalidades especiais’ para contornar o EUA-dólar, de modo que as transações financeiras com Teerã continuem.

A história talvez decida algum dia, que esse foi o fatídico momento geopolítico no qual a União Europeia (EU) obteve o mestrado em política exterior.

Semana passada, a ministra de Relações Exteriores da EU, Federica Mogherini, e o ministro de Relações Exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, anunciaram na ONU a criação de um “veículo para finalidades especiais” (VFE, ing. “special purpose vehicle”SPV) como ferramenta para lidar com as sanções que o governo Trump impôs ao Irã, depois que os EUA retiraram-se unilateralmente do JCPOA [“acordo nuclear iraniano”].

Mogherini enfatizou, crucialmente importante que “em termos práticos, significa que os estados-membros da EU constituirão uma entidade legal para facilitar as legítimas transações comerciais com o Irã, e isso permitirá que empresas europeias continuem a comerciar com o Irã sem transgredir a legislação da União Europeia, e possam ser abertas para outros parceiros no mundo.”

O VFE, o qual, segundo Mogherini “visa a manter o fluxo de comércio com Teerã, enquanto as sanções impostas pelos EUA permanecerem vigentes”, pode entrar em vigência antes de que comecem a ter efeito as sanções do “segundo estágio” impostas por EUA, no início de novembro.

Essa tentativa mostra que Bruxelas tenta posicionar-se como player geopolítico sério, em aberto desafio contra os EUA e, na essência, esvaziando completamente a campanha de demonização do Irã lançada pela Casa Branca, CIA e Departamento de Estado.

Nunca é demais lembrar que o chamado ‘acordo nuclear iraniano’ [ing. JCPOA] é acordo multilateral endossado pela ONU, resultado de anos de trabalhosas e dolorosas negociações. Além de Irã e EUA, outros signatários daquele acordo, Rússia, China e os UE-3 (França, Grã-Bretanha e Alemanha) – sempre mostraram total empenho em manter vivo o acordo, ao mesmo tempo em que apoiam o Irã no campo do uso da energia nuclear para finalidades civis.

Demorou um pouco, alguns meses, mas afinal os UE-3 entenderam o que Moscou e Pequim já sabiam: que qualquer negócio com o Irã – uma relação que muito interessa a todos os players preservar – tem de deixar de lado o EUA-dólar.

Assim, chegamos agora a uma situação na qual os UE-3 estabelecerão um mecanismo financeiro, multinacional, com apoio estatal, para ajudar as empresas europeias a manter seus negócios com o Irã em euros – com o que se afastam dos agentes financeiros norte-americanos.

Paralelamente, teremos Rússia e China fazendo negócios com o Irã em rublos e em yuan.

Corretores de energia espertos sabiam que Moscou e Pequim, dos (B)RICS,* continuariam a negociar petróleo e gás com Teerã. A Índia, dos (B)RICS, contudo, dobrou-se sob a pressão norte-americana [com o que se vê que os ex-BRICS, já estão hoje reduzidos a (B)R(I)CS (NTs)].

O VFE permitirá ao Irã manter pelo menos os 40% de suas exportações de petróleo que vão para o mercado da EU, e também permite investimentos na infraestrutura do Irã, a serem feitos pelas gigantes europeias de energia. Também abre uma linha de fuga pela qual poderão escapar consumidores de energia mais facilmente assustáveis, como a Índia.

E de modo perfeitamente simbiótico, o VFE abre outro caminho também para Rússia e China. Afinal de contas, o mecanismo VFE deixa de lado também a rede financeira de compensações internacionais SWIFT, com sede na Bélgica, e sobre a qual os EUA interferem o quanto queiram, como queiram.

O “Veículo para Finalidades Especiais” pode vir a ser o mecanismo preferencial post-SWIFT, que permitirá mais e mais contatos comerciais transfronteiras por toda a Eurásia, expandindo o Sul Global.

EUA-dólar: arma desarmada?

Diplomatas da UE manifestaram a Asia Times seu estado de absoluta exasperação, em Bruxelas, com o governo Trump. Um daqueles diplomata resume o sentimento: “Não nos deixaremos abusar nunca mais, por interferência extraterritorial. O acordo nuclear iraniano foi o primeiro sucesso de política exterior da União Europeia. Trabalhamos muito duro para chegar àquele acordo, e agora estamos decididos a impedir, não importa sob que circunstâncias, que o acordo seja desmontado.”

Por outro lado, o conselheiro de segurança nacional dos EUA John Bolton – figura não exatamente popular em Bruxelas – jurou que continuará a aplicar “pressão máxima” contra Teerã, e está ameaçando a EU, se o VFE for implementado.

Para Bruxelas, a preservação do acordo nuclear iraniano é missão sacrossanta. Está diretamente conectada à credibilidade das instituições de Bruxelas, que vivem permanentemente sob ataque. Se cederem agora, deve-se esperar, com alto grau de probabilidade, que as próximas eleições parlamentares europeias sejam completa catástrofe.

O jogo revela sua complexidade quando se considera que o Irã atuou como catalisador para que a UE afinal se levantasse contra os EUA – e potencialmente se aproxime de Rússia e China. Veem-se emergir, isso sim, os contornos de uma possível aliança transeurasiana, em vários fronts, entre Rússia-China-Irã – os três nodos chaves da integração da Eurásia – e os UE-3.

É jogo digno do talento de um mestre persa de xadrez: envolve guerras por energia; equilíbrio de poder no Sudoeste da Ásia; o poder absoluto do sistema financeiro global controlado pelos EUA; e o status do EUA-dólar – baseado no petrodólar – como a moeda global de reserva.

Todos esses temas já circulam há anos pelos corredores em Bruxelas – com comissários e diplomatas sempre pressionando por um euro mais decisivo no comércio global (como se vê em Pequim, em relação ao yuan).

Pode-se dizer que uma ofensiva bem articulada, puxada pelo VFE levará o euro, o yuan e o rublo a se estabelecerem como moedas de reserva de alta credibilidade. EUA-dólares manobrados como arma, abram o olho!*******



* NOTA DOS TRADUTORES: Nessa tradução escreveremos "(B)RICS" (o Brasil entre parênteses), para fazer lembrar que desde 2/12/2015 o Brasil vive sob golpe. Ninguém deve pressupor que, por estarem presentes a reuniões dos (B)RICS, as autoridades brasileiras que lá apareçam tenham qualquer legítima representação democrática.

Um comentário:

Anônimo disse...


Bom dia Dario

Não ficou muito claro o papel da Grã-Bretanha nisso ai. A Federica Mogherini fala pela França e pela Alemanha, mas não pela Grã-Bretanha. Não dá nem prá chamar de UE-3, assim como os (B)RICS. Ou não?