quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Batalha por Áden, ou a radicalização do sul da Arábia 3

30/7/2015, Catherine Shakdam,* New Eastern Outlook, NEO



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




Desde o início da guerra contra o Iêmen, dia 25 de março passado, a Arábia Saudita vive a proclamar unilateralmente um desejo incontrolável de 'libertar' o país da influência dos houthis, para restaurar a legitimidade política do Iêmen, na pessoa do presidente Abdo Rabbo Mansour Hadi (uma vez renunciante, duas vezes fugitivo). Mas a Casa de Saud jamais mencionou que sua única verdadeira agenda sempre foi abrir o Iêmen para golpe radical.


Quem ainda creia que essa guerra no Iêmen tenha algo a ver com conter o chamado 'crescente xiita' para assim reduzir a sempre crescente influência do Irã no Oriente Médio, mais particularmente na Península da Arábia, atenção! Que ninguém se engane: os capitalistas da guerra só têm um objetivo: plantar a semente do terror e vê-la prosperar e gerar milhões de dólares.

Para os neoimperialistas em todo o mundo, há muito mais dinheiro a ganhar no caos, que na paz. Dado que a instabilidade e o extremismo até agora têm vivido em perfeita harmonia com os fazedores de guerra norte-americanos, trabalhando para que se cumpra a profecia deles mesmos, de horrores e derramamento de sangue sem fim, porque assim sempre conseguem justificar o intervencionismo militar, por que deixariam a onda de sangue acabar logo ali, no Iraque e na Síria?

Fantoches nas mãos dos EUA imperiais, a Casa de Saud também caiu vítima de sua própria paranoia política, prisioneiros do mal sobre o qual teceram a base da legitimidade daquela realeza: o wahhabismo.

Fonte ideológica do que as potências ocidentais chamam de "radicalismo islâmico", o wahhabismo tornou-se infestação incontrolável dentro do reino, que clamava e ansiava pela guerra ao inimigo que eles mesmos se autodesignaram: o Islã xiita.

E, porque o Iêmen teve a audácia de rejeitar o diktat de Riad, preferindo unir-se ao nascente movimento da resistência panárabe não alinhada, aquela nação já empobrecida viu-se colhida no meio de uma tempestade furiosa.


Claro que o conflito no Iêmen tem muitas camadas e muitas dimensões. A geografia do Iêmen e seus recursos naturais, por exemplo, há muito tempo são fonte de inveja, e ficaria faltando uma peça no quebra-cabeças, se nos recusássemos a reconhecer o papel que tiveram dentro da equação dessa guerra.

Além do desejo de controlar as riquezas internas do Iêmen e transformar seu território em mais uma base nesse grande jogo da globalização, não se pode tampouco subestimar o papel da peste negra – o ISIS –, na promoção dessa agenda clandestina.

Basta examinar o plano de combate da Arábia Saudita no Iêmen, para se obter interessante perspectiva: logo se veem os principais objetivos estratégicos do reino.

Se se tratasse de o reino estar realmente decidido a esmagar os houthis onde eles estão, para reintroduzir Hadi, o peão político com quem joga o rei Salman... Nesse caso por que concentrariam tanto poder de fogo no sul do Iêmen, onde os houthis têm presença muito limitada? Por que fazer de Áden, ex-capital do Iêmen Sul, uma das principais frentes de combate dessa guerra?

Até agora, muitos especialistas têm insistido em que a Arábia Saudita estaria tentando interromper qualquer potencial ajuda iraniana ao Iêmen, fechando para o resto do mundo a linha costeira do país, para assim mais rapidamente sufocar a Resistência. Embora essa análise seja perfeitamente válida, deixa de considerar outro projeto mais obscuro e muito mais preocupante – a anexação do Iêmen por legiões do ISIS.

Diferente do Iêmen do Norte, que sempre resistiu contra as ideias radicais da Al-Qaeda por causa da herança zaidi predominante ali, o Iêmen do Sul sempre se mostrou muito mais receptivo ao wahhabismo e ao seu irmão gêmeo no terror, o salafismo. Nesse contexto, sim, a batalha por Áden faz muito mais sentido.

Fontes militares aliadas dos houthis em Áden já confirmaram que fluxo sempre crescente de armas jorra para dentro da cidade, sem qualquer controle ou verificação, por causa da fluidez do conflito. Aquelas armas, como alertaram oficiais da Guarda Republicana já desmantelada, foram diretamente para células adormecidas da Al-Qaeda.

Incontáveis relatórios de segurança de antes da guerra já estabeleceram, há muito tempo, que antes da planejada tomada de Áden, militantes radicais infiltraram-se em Áden e em várias províncias vizinhas, à espera que os líderes dessem sinal para o ataque. Apesar de muitos assumirem que a cabeça da serpente estaria em Abyan (província ao sul do Iêmen), onde a Al-Qaeda declarou seu próprio califato em 2012, pode bem ser o caso de não terem visto o que já estava escrito no muro. E se a liderança já estivesse em Riad, usando uma intervenção sancionada pelo ocidente no sul da Arábia, para consumar o que não pudera consumar antes?

Espera-se que acreditemos que a Al-Qaeda simplesmente encolheu-se debaixo de uma pedra durante todos esses meses, à espera que as nuvens da guerra se dissipassem, antes de encenar sua 'reestreia'? Não seria mais acurado assumir que a Al-Qaeda, longe de ter sumido, sempre fez parte dessa guerra ao lado do patrão dela, a Arábia Saudita?

Interessante: foi o ex-presidente Ali Abdullah Saleh quem primeiro expôs essa hipótese aos seus concidadãos, argumentando que Riad alegaria a 'construção da democracia' para encobrir a invasão do Iêmen e quebrar as defesas do país.

E embora muitos tenham atribuído essas revelações ao desejo de Saleh, de atrair apoios para o seu lado, o veterano político sem dúvida lançou considerável luz sobre as entranhas desse conflito.

A guerra do Iêmen não é só conflito entre legitimidades políticas ou por recursos naturais: ali se disputa a subjugação a um governo de terroristas, de todo o sul da Arábia.

Lembremos com que fervor Riad atacou infraestruturas militares do Iêmen ao longo dos últimos meses; como atacou e destruiu depósitos de armas e bases pelas províncias, reduzindo a cacos todas as capacidades de defesa do país.

A Casa de Saud nunca quis apenas esmagar os houthis: quer também abrir o Iêmen a uma invasão por terra e deixar o povo iemenita sem defesas diante das hordas do ISIS – uma repetição da debacle do Iraque.

E se muitos iemenitas ainda vivem sob a terrível fantasia de que os houthis seriam de fato o inimigo, bem fariam se aprendessem as lições do Iraque e da Síria, antes de se verem, eles também, de mãos e pés atados pelos exércitos dos terroristas do ISIS.
A situação hoje é o Iêmen já quase completamente exaurido por meses de um implacável bloqueio marítimo organizado pelo ocidente e policiado pelos sauditas. Com a fome já rondando de perto, e a instabilidade social chegando a níveis máximos, que resistência poderá o povo do Iêmen oferecer contra a funérea bandeira negra, se os terroristas decidirem invadir? *****

* Catherine Shakdam é diretora associada do Centro Beirute para Estudos do Oriente Médio e analista política especializada em movimentos radicais. Escreve com exclusividade para a revista New Eastern Outlook (online).

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