segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Grécia: O que há por trás das cartas (2) Montebourg/Varoufakis, saída do euro

21/8/2015, Jacques Sapir* (entrevista a Alexandre Devecchio), Le Figaro

Ver também (Blog do Alok)
Grécia: O que há por trás das cartas (1)
Demissão de Alexis Tsipras, divisão da esquerda radical 
21/8/2015, Jacques Sapir (entrevista a Alexandre Devecchio), Le Figaro




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





Le Figaro: O fracasso de Alexis Tsipras dá razão aos que afirmam que só há uma política possível?

Jacques Sapir: Não. A existência de um "plano B" é uma das provas de que outra política é possível. Mas é preciso compreender que essa outra política implica, num ou noutro momento, uma ruptura com o euro e com a União Europeia. O que a crise grega – que evidentemente não acabou – nos ensina é que não há outra política possível dentro do euro. Essa evidência veio bater com força contra os que, dentro da esquerda, e muito honestamente, ainda mantêm discurso 'pró-euro' e discurso pró-'austeridade' [não é "austeridade": é arrocho]. Esses dois discursos são incompatíveis.


Se se aceita o arrocho, resta negociar migalhas, se carregaremos correntes mais pesadas ou um pouco menos pesadas, e ficamos com o euro, ou se se recusa o arrocho; mas, nesse caso, recusar o arrocho implica sair do euro.

O euro está convertido em obstáculo à democracia (viu-se claramente na Grécia), mas também a qualquer política a favor do trabalho na oposição ao financismo. Mas isso não esgota o assunto. O euro acentuou e generalizou o processo de financeirização das economias. 

Foi por causa do euro, que os grandes bancos europeus foram procurar os papéis podres subprimes nos EUA, com os resultados que vimos em 2008. Quero dizer: não só a zona do euro induziu crescimento muito fraco em parte da Europa, mas ela também não a protegeu dos efeitos da crise financeira de 2007-2009. O resultado é agora bem claro. Por mais que políticas nefastas para as economias possam ser implantadas também fora do euro, elas são absolutamente fatais e inescapáveis, dentro do euro. 

A verdade é que nenhuma outra política econômica é possível se o país permanece dentro do euro. Essa é uma das lições da crise grega. Por tudo isso, desmantelar a Eurozona parece ser tarefa prioritária. A crise grega foi ocasião para importante esclarecimento de todo esse debate.

Le Figaro: Como reconstruir uma alternativa à atual política europeia?

Jacques Sapir: Se se considera como única alternativa sair do euro – e lembro que só pode haver alternativa se se sai da Eurozona – vejo a tal alternativa sempre como ruptura com o euro e associação de forças de esquerda e forças soberanistas. 

Já se vê evolução importante entre as forças de esquerda, mesmo na França, se se observam atentamente os movimentos de J-L. Mélenchon, quanto a isso. É implicitamente o sentido do apelo que fez Stefano Fassina,[1] um dos responsáveis pelo Partido Democrata na Itália, apelo que se distribuiu pelo blog de Yanis Varoufakis. E é esse também o sentido do artigo de Oskar Lafontaine (al.), que, em 2013, clamava pela dissolução do euro. Mas essa alternativa não terá sentido se não se ampliam as forças que, hoje, querem a saída do euro. 

A partir do momento em que se toma por objetivo um desmantelamento da Eurozona, aparece não só como caminho lógico, mas como caminho necessário, uma estratégia de união ampla, inclusive com forças de direita. Pretender que não se vê essa evidência levará sempre a um impasse. A verdadeira questão que é preciso propor é, portanto, se é o caso de fazer do desmantelamento da Eurozona uma prioridade. E quanto a isso, Fassina, Oskar Lafontaine e vários outros respondem que sim. A presença de Jean-Pierre Chevènement ao lado de Nicolas Dupont-Aignan é um primeiro sinal nessa direção. Mais, muito claramente, não é hora para sectarismos e proibições. 

Mesmo assim, e é absolutamente normal, cada movimento, cada partido sempre querendo manter suas especificidades, será necessário um mínimo de coordenação para que se possa marchar separados, mas atacar juntos.

Ao mesmo tempo, é preciso ter consciência de que a constituição de "Frentes de Libertação Nacional"[2] põe problemas gigantescos. Elas terão de incluir um verdadeiro programa de "salvação pública", que os governos dessas "Frentes" terão de pôr em prática, não só para desmontar o euro, mas também para organizar a economia no "dia seguinte". 

Esse programa implica esforço particular no domínio dos investimentos, mas também uma nova regra de gestão da moeda, e novas regras para a ação do Estado na economia, uma nova concepção do que será a União Europeia e, no caso da França, em particular, uma reforma geral do sistema fiscal. 

Assim se desliza, quase sem percebermos, de uma lógica da saída ou do desmonte do euro, para uma lógica de reorganização da economia. É deslizamento inevitável, e tem um  grande precedente histórico: o "Programme du Conseil National de la Résistance" [Programa do Conselho Nacional da Resistência], CNR, durante a 2ª Guerra Mundial. A Resistência não tinha o único objetivo de expulsar da França o exército alemão. A Resistência tinha plena consciência de que seria preciso reconstruir o país, e que essa reconstrução não poderia levar de volta ao país que tivéramos em 1939. E aí estamos nós, hoje. 

A ideia da Frentes de Libertação Nacional é, sem dúvida, ideia muito poderosa, tanto na França como na Itália.

Le Figaro: O fracasso da esquerda dita radical abre a porta aos extremismos?

Jacques Sapir: Absolutamente não houve fracasso algum de nenhuma esquerda dita radical. O que se viu e vê-se na Grécia é, de fato, um esclarecimento, uma clareada na situação. Mas se a esquerda radical não conseguir superar seus preconceitos e reticências, muito dos quais podem ser perfeitamente justificáveis, em relação aos movimentos soberanistas, se a aliança das "Frentes de Libertação Nacional" de que Fassina fala em seu apelo, fracassa, nesse caso, sim, há grande risco de os eleitores, em diferentes países joguem-se nos braços de movimentos extremistas. Por isso, e insisto nesse ponto, é preciso deixar de lado o sectarismo, os 'tribunais de opinião' e os xingamentos de vestiário.

Le Figaro: Yanis Varoufakis vai encontrar Arnaud Montebourg nesse fim de semana. Show midiático ou início de uma aliança promissora?

Jacques Sapir: Com certeza, as duas coisas! Com Arnaud Montebourg e Yanis Varoufakis, o espetáculo é garantido. Mas isso, que é da lógica das coisas, não é necessariamente um obstáculo. Erro grave seria, isso sim, ver aí apenas um show. De fato, o contexto desse encontro é muito real. Trata-se de associar segmentos das forças socialistas, a essa aliança que está em vias de tomar forma. 

Desse ponto de vista, é importante que Arnaud Montebourg esclareça logo, bem rapidamente, a sua posição quanto ao euro, porque, entre essa aliança antieuro e as forças sociais-liberais rapidamente já não haverá mais lugares. *****

* Jacques Sapir dirige o grupo de pesquisa Irses na FMSH, e co-organiza, com o Institut de prévision de l'économie nationale (IPEN-ASR) o seminário franco-russo sobre problemas financeiros e monetários do desenvolvimento da Rússia. Publica regularmente em seu blog, RussEurope.

[1] Fassina S., "For an alliance of national liberation fronts", artigo publicado no Blog de Yanis Varoufakis por Stefano Fassina, membro do Parlamento, 27/7/2015.
[2] É expressão de Stefano Fassina traduzida do inglês, do artigo Fassina S., "For an alliance of national liberation fronts".

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