sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O Mito de uma 'Ameaça' Russa

26/8/2015, Pepe Escobar, Sputnik

Não passa uma semana sem que o Pentágono ponha-se a se lamuriar contra alguma terrível "ameaça" russa.




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


             "RUSSIA QUER GUERRA - Vejam quão perto eles colocaram o país de nossas bases militares"



O comandante do Estado-maior das Forças Conjuntas dos EUA, Martin Dempsey, entrou em território de "não sabidos sabidos", que pertence por direito Donald Rumsfeld, quando, recentemente, tentou conceituar a "ameaça": “Ameaças são a combinação, ou o agregado, de capacidades e intenções. Deixemos de lado por enquanto as intenções, porque não sei o que a Rússia intenta.”

Bom. Dempsey pelo menos admite que não sabe do que fala. Saiba ou não saiba, parece saber que a Rússia é mesmo uma "ameaça" – no espaço, no ciberespaço, nos mísseis cruzadores disparados em terra, submarinos.

E é principalmente ameaça à OTAN: "Uma das coisas que a Rússia parece, sim, que faz, é desacreditar a OTAN, ou, ainda mais sinistramente, criar condições para o fracasso da OTAN.”

Quer dizer que a Rússia "parece, sim, que faz" desacreditar uma OTAN já autodesacreditada. Terrível "ameaça".

Todos esses jogos retóricos acontecem enquanto a OTAN “parece, sim, que faz” aprontar-se para confrontar diretamente a Rússia. E que ninguém se engane: Moscou toma a beligerância da OTAN, sim, como ameaça real.


É PGS vs. S-500



A avançada contra a "ameaça" acontece bem quando a Think-tankelândia dos EUA está recarregando a ideia de conter a Rússia. O conhecido centro Stratfor, fachada da CIA, já lançou peça de propaganda elogiando o cérebro-em-chefe da Guerra Fria George Kennan como autor da "política de contenção da Rússia".

O aparelho da inteligência dos EUA pensava que estivesse falando sério. Não ironizava. Mas antes de morrer Kennan disse que, àquela altura, já era preciso conter os EUA, não a Rússia [The Choice: Global Domination or Global Leadership, Basic Books, março, 2004 (NTs)].

Conter a Rússia – mediante a expansão da União Europeia e OTAN – é serviço que nunca deixou de ser tentado, verdadeiro work in progress, porque o imperativo geopolítico nunca mudou; como o Dr. Zbigniew “O Grande Tabuleiro de Xadrez" Brzezinski nunca se cansou de repetir, tudo sempre teve a ver com deter a – ameaçadora – emergência de uma potência eurasiana capaz de desafiar os EUA.

Até que a noção de "contensão" foi expandida para incluir o desmantelamento da própria Rússia. E também inclui o paradoxo interno de que a expansão infinita da OTAN na direção leste torna a Europa menos, não mais, segura.

Assumindo-se que venha a acontecer uma confrontação letal Rússia-OTAN, as armas táticas nucleares russas derrubarão todos os aeroportos da OTAN em menos de 20 minutos. Dempsey – em declarações cifradas – admite. 

O que de modo nenhum ele pode admitir é que, se Washington já não tivesse há muito tempo tomado a decisão fatal, o movimento organizado entre os russos, de impedir o avanço infinito da OTAN e de atualizar o arsenal nuclear, não teria sido necessário. 

Geopoliticamente, o Pentágono afinal viu para que lado estão soprando os ventos da parceria global estratégica: a favor de Rússia-China. Essa mudança crucialmente decisiva, que altera o equilíbrio global de poder, também significa que as forças militares conjuntas de China e Rússia são superiores às da OTAN.

Em termos de poder militar, a Rússia tem mísseis de ataque e defesa superiores aos dos EUA, com a nova geração do sistema de mísseis terra-ar, o S-500, capaz de interceptar alvos supersônicos e que blinda completamente o espaço aéreo russo.

Além disso, apesar da turbulência financeira de curto prazo, a estratégica conjunta sino-russa para a Eurásia – uma interpenetração da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda com a União Econômica Eurasiana, UEE [Eurasian Economic Union, EEU] – com certeza favorece o desenvolvimento das duas economias e da região em geral, em termos que podem superar o crescimento somado de EUA e UE à altura de 2030.

À OTAN só resta encenar poderio militar montado para shows de TV como “Atlantic Resolve” para "tranquilizar a região" – principalmente os histéricos Polônia e países do Bálticos. 

Moscou, entrementes, já deixou claro que nações que admitam em seu território os sistemas norte-americanos de mísseis antibalísticos terão de enfrentar os sistemas de mísseis de alerta precoce instalados em Kaliningrad.

E o major-general Kirill Makarov, vice-comandante das Forças de Defesa Aeroespaciais da Rússia, também já deixou claro que Moscou está atualizando suas capacidades aéreas e de mísseis de defesa, para pulverizar toda e qualquer ameaça –  real – que o país receba do Prompt Global Strike (PGS) dos EUA.

Na doutrina militar russa de dezembro de 2014, o crescimento militar da OTAN e o PGS dos EUA aparecem listados como principais ameaças de segurança. O vice-ministro da Defesa, Yuri Borisov, destacou que "a Rússia tem as capacidades necessárias, e será obrigada a desenvolver sistema como o PGS.”

Onde está nosso butim? 



Os jogos retóricos do Pentágono servem também para mascarar um processo de apostas realmente muito altas. Essencialmente, trata-se de guerra por energia – centrada na disputa pelo controle do petróleo, gás natural e recursos minerais da Rússia e da Ásia Central.[1] Quem controlará essa riqueza? Os testa-de-ferro dos oligarcas "supervisionados" pelos chefes em New York e Londres? Ou a Rússia e seus parceiros na Ásia Central? Daí a incansável guerra de propaganda. 

Há quem argumente que os Masters of the Universe promoveram a ressurreição dos velhos álibis geopolíticos da contensão/ameaças – estimulados pelo que se pode chamar de conexão Brzezinski/Stratfor –, para encobrir, ou esconder, outro fato impressionante.

Eis o fato: a verdadeira razão da Guerra Fria 2.0 é que o poder financeiro New York/Londres sofreu perda de mais de um trilhão de dólares, quando o presidente Putin arrancou a Rússia daqueles esquemas de saqueio.

E o mesmo se aplica a todo o golpe em Kiev – forçado pelas mesmas forças financeiras de New York/Londres, para impedir que Putin destruísse suas operações de saqueio na Ucrânia (as quais, por falar delas, prosseguem inalteradas, pelo menos no domínio das terras agricultáveis).

Contensão/ameaças também estão sendo usadas freneticamente para impedir a qualquer custo que se constitua uma parceria estratégica entre Rússia e Alemanha – que a conexão Brzezinski/Stratfor vê como ameaça existencial aos EUA.

O sonho molhado dessa conexão – que, vale lembrar, os neoconservadores também sonham – seria um retorno glorioso à época em que a Rússia foi saqueada livremente, nos anos 1990s, quando o complexo industrial militar russo colapsou, e o ocidente assaltava recursos naturais naquela região, como se fossem donos do mundo. Não vai acontecer outra vez. 

Assim sendo, qual o Plano B do Pentágono? Criar condições para fazer da Europa cenário de guerra potencialmente nuclear. Não há ameaça mais real que essa. *****

[1] E também as guerras pela água. Ver "Síria e Iraque são também guerras  pela água. E outras virão."

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