segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Edição Corbyn/Sanders: Os 7 estágios do revide do 'establishment'

21/1/2016, Glenn Greenwald, The Intercept


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



O establishment político e da mídia britânico – foi paulatinamente, todos os dias, cada dia mais, perdendo a noção e a cabeça coletivas, desde que Jeremy Corbyn foi eleito ao posto de líder do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, e a implosão e os chiliques ainda não têm término à vista. 


Bernie Sanders não chega nem perto de Corbyn, em matéria de pensamento radical; os dois sequer habitam o mesmo universo. Mas, especialmente em questões econômicas, Sanders é crítico mais fundamental, mais sistêmico, do que os centros do poder oligárquicos estão dispostos a tolerar. 


Particularmente ameaçadora lhes parece a oposição, que Sanders não esconde, contra a dominação que as empresas impõem à política e o apoio que o dinheiro privado garante só aos candidatos que representam aquele mesmo dinheiro privado. E basta isso, nos EUA, para que Sanders seja convertido na versão norte-americana do mais furioso extremista de esquerda, ameaça viva ao poder do establishment.



Para quem observou como se desdobrou a reação britânica à vitória de Corbyn, é fascinante assistir à reação doestablishment Democrata e de Washington à emergência de Sanders: porque o processo segue o mesmo script


Pessoalmente, acho muito provável que Clinton alcance a indicação do Partido Democrata, mas é impossível não ver que, sim, o movimento pró-Sanders está crescendo. Esse crescimento, por causa das tendências que está pondo à vista, é preocupante para o establishment Democrata. E parece que têm, mesmo, bastante com o que se preocuparem.


Pesquisa da semana passada mostrou que Sanders está à frente, com ampla margem, entre eleitores da geração do milênio [orig. millenial voters, nascidos entre 1980 e 2000], inclusive mulheres jovens; como se lê em Rolling Stone: "Mulheres jovens apoiam Bernie Sanders com ampla vantagem." O New York Times trombeteava ontem que, em New Hampshire, Sanders "saltou para vantagem de 27 pontos percentuais", o que seria "surpreendente para os padrões de New Hampshire". O Wall Street Journal ontem, em editorial intitulado "Sanders levado a sério" [orig.Taking Sanders Seriously (só para assinantes)], declarou que "não é mais impossível imaginar o velho socialista de 74 anos, como candidato dos Democratas."

Exatamente como também aconteceu no caso de Corbyn, há correlação direta entre a força eleitoral de Sanders e a intensidade dos ataques contra ele, cada dia mais grosseiros e violentos, que partem do establishment de Democratas, Washington e mídia-empresa. Podem-se ver, em linhas gerais, sete estágios pelo qual passou idêntica ira do establishment correspondente no Reino Unido contra Corbyn, e o revide contra Sanders está seguindo o mesmo script:


ESTÁGIO 1: Condescendência polida, ante o que é visto e apresentado como não ameaçador (achamos realmente lindo que essas ideias também sejam expostas).


ESTÁGIO 2: Zombaria leve, casual, quando começa a crescer a autoconfiança entre os apoiadores do 'inimigo' (não, não, queridos, nenhum extremista de esquerda será eleito, mas é lindo ver vocês assim tão excitados).


ESTÁGIO 3: Autopiedade e furiosas lições de etiqueta [no Brasil, são, mais, lições de 'ética' (NTs)]que se aplicam aos apoiadores do 'inimigo' que não estejam cumprindo a obrigação deles de render-se como ovelhinhas, temperadas com pesadas doses de indignação 'troll' (ninguém, mas nin-gu-ém, no mundo é tão agressivo e grosseiro onlinecontra os jornalistas, como esses cruzados. Eles mesmos prejudicam o candidato deles


[No Brasil, Clóvis Rossi, colega, na Folha de S.Paulo, do Kim Becil Kata Guri (© @oburrista), fala de "cães hidrófobos", aqui e aqui (introduzindo a imortal expressão "lulistas hidrófobos", logo repercutida na blogosfera como "cães petralhas"), dentre outras ocorrências semelhantes (NTs)].

ESTÁGIO 4: Cobrir o 'inimigo' e seus apoiadores com insinuações de sexismo e racismo, inventando que só homens brancos votam no 'inimigo' (vocês gostam desse candidato porque é branco e macho como vocês, não por causa de alguma ideologia ou porque ele rejeite alguma abordagem corporativa e pró-guerra do establishment).


ESTÁGIO 5: Furioso tsunami de ataques de extrema direita, para marginalizar e demonizar o 'inimigo', conforme as pesquisas comecem a mostrar que o 'outro candidato' é ameaça possível (ele é mole contra o terrorismo, vai entregar os EUA ao ISIS, faz alianças alucinadas, é clone de Mao e Stalin).


ESTÁGIO 6: Ouvem-se os mais soturnos e histéricos 'alertas' ante o apocalipse que se aproxima, se o candidato doestablishment perder a eleição, mais histéricos quanto mais se configure a possibilidade real de derrota eleitoral (vocês estão condenados, será o apocalispse, S&P vai rebaixar o 'crédito' do Brasil, serão décadas quiçá gerações de impotência, se desobedecerem nossas ordens sobre o voto 'certo', que decretamos).


ESTÁGIO 7: Total pandemônio, derretimento do núcleo radiativo, liquefação total, pânico, ranger de dentes, ameaças, recriminações, jogar a raquete no juiz, sapatear de fúria, declarada associação com a extrema direita mais fascista, fúria inexcedível (em sã consciência não posso de modo algum apoiar esse partido de hipócritas, falsos, ladrões, kurruptos, não éticos, amantes de terroristas, comunistas desgraçados, pagãos do demônio).


A Grã-Bretanha já entrou fundo no Estágio 7, e talvez passe mesmo para outro nível mais aprofundado (militares britânicos ameaçaram anonimamente, que haveria "motim", se Corbyn fosse democraticamente eleito primeiro-ministro). 


establishment político plus mídia-empresa nos EUA permaneceu no âmago do Estágio 5 e agora já está entrando no Estágio 6. Se Sanders vencer em Iowa, o Estágio 7 é certeza.


As pessoas fazem, sim, as coisas mais extremas e mais inacreditáveis para obter poder. É a natureza humana.


Mas isso não significa que não haja muito significado nos específicos ataques como acontecem, nem significa que os ataques não possam ser, eles também, muito criticados. Por exemplo, deve-se criticar, muito, a exploração cínica e acanalhada, pela campanha de Clinton, das questões de gênero, para 'informar' que o apoio dado a Sanders seria baseado em sexismo; foi movimento desonesto e divulgação de mentiras, porque os mesmos grupos de esquerda que apoiam Sanders lutaram durante meses com Elizabeth Warren, em oposição a Clinton, para nem falar do número significativo de mulheres que apoiam Sanders e cuja existência a campanha de Clinton apagou.


Gente nos dois partidos e em todo o espectro político nos EUA está terrivelmente frustrada ante o troca-troca bipartidário no establishment de Washington. Não é segredo para ninguém que grande número de adultos nos EUA estão em busca de candidato que não seja Clinton, já naufragada pessoalmente e politicamente no dinheiro de Wall Street, para a qual não há guerra distante ou imaginável que ela não torne logo real e horrenda, e cujas convicções políticas parecem resumir-se à inabalável certeza de que vale-tudo, se lhe garante poder. Tampouco é mistério o motivo pelo qual muitos adultos na Grã-Bretanha procuravam desesperadamente uma alternativa aos covardes Blairistas, amantes de guerras, odiadores de eleitores de esquerda, cujas mãos estão indelevelmente manchadas de muito, muito sangue inocente.


Mas é da natureza dos "establishments" agarrarem-se desesperadamente ao poder, e atacar qualquer um que os desafie ou questione com demasiado fervor o poder deles. Foi o que se viu no Reino Unido, no quadro no qual Corbyn emergiu. E é o que se vê hoje nos EUA, ante a ameaça que Sanders encarna. Não é surpresa que os ataques sejam tão semelhantes nos dois casos – afinal, a dinâmica da prerrogativa do establishment é igual em todos os lugares –, mas chama a atenção, isso sim, que os scripts sejam tão absolutamente iguais nos dois casos.*****


NOTA DOS TRADUTORES: Sim, os scripts são iguais, e é igual lá, como é igualzinho, também, cá abaixo do Equador. Saporquê? Porque TODOS esses movimentos de dirigir/manipular a opinião pública são uma e a mesma ação para desdemocratizar, do Oiapoque ao Chuí, passando por Londres e Noviórque, da sempre mesma, oligopolista e super centralizada, mídia-empresa.

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