18/5/2016, Pepe Escobar, Russia Insider
A dívida da China tem aparecido com muita frequência no noticiário. Em Zerohedge (17/5/2016) encontra-se quadro elucidativo. Aqui, Pepe Escobar oferece informações valiosas sobre o contexto.
______________________________ _____
"Fato é que o golpe funcionou no Brasil – um elo frágil na corrente BRICS. A liderança do Partido Comunista Chinês aprendeu muito atentamente – e silenciosamente – a lição brasileira; a China está hoje mais alerta do que jamais à evidência de que nada deterá o Excepcionalistão, que tentará absolutamente tudo e qualquer coisa para deter o já espetacular avanço chinês em termos globais."
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Comecemos por examinar o que o Dragão em pessoa – presidente Xi Jinping – tem a dizer sobre a China estar sendo tão frequentemente ridicularizada em influentes círculos do governo dos EUA em Washington, como em [capítulo de] House of Cards (port. lit., "Castelo de Cartas").
Xi já desmentiu, é claro, a ideia de que estaria em curso alguma furiosa disputa pelo poder à moda de House of Cards nos píncaros serenos do Partido Comunista Chinês (PCC). Ao mesmo tempo, não para de repetir que "conspiradores", "carreiristas", "gangues" e "claques" obram para minar o PCC de dentro para fora.
Assim é que, por justiça poética e/ou pura ironia, está em produção um seriado, em 42 episódios, sobre a corrupção na China – intitulado "Em Nome do Povo" e financiado pela principal agência de fiscalização e justiça do Império do Meio –, que ganhará vida antes do final de 2016, mostrando, no papel de vilão, um alto figurão do PCC (primeira vez na história). Praticamente, um Frank Underwood chinês.
Significa que o que Xi diz – e faz – ao vivo será reproduzido em centenas de milhões de telas de televisão nos lares chineses, mostrando facções em luta dentro do Partido Comunista Chinês de 88 milhões de membros. A guerra de Xi contra a corrupção produziu um rompante de membros do PCC, todos gravemente preocupados e frenéticos – para dizer o mínimo.
Xi não é só o Comandante-em-chefe na luta contra a corrupção: é também o Comandante-em-chefe do centro de comando conjunto de duas batalhas: monitora um Sistema de Responsabilidade [a Comissão Militar Central] e, também o corpo central de segurança, dos guardas que monitoram a segurança de todos os demais pesos pesados do Partido Comunista da China.
Acrescente a tudo isso o status de Xi como secretário-geral do Partido Comunista Chinês, presidente da Comissão Militar Central, presidente da comissão de segurança nacional e presidente do alto comissariado que trabalha na reforma do sistema chinês; um intelectual de Harvard que se refere a ele como "presidente de tudo" não erra muito gravemente.
Mesmo assim, nem essa espantosa concentração de poder significa que Xi seja divindade inabordável. No enredo central do drama em curso – o estado da economia – já surgiu, numa recente entrevista que o jornal People’s Dailyfez com "alta autoridade do Estado", estampada em primeira página e na qual se expôs a profunda divergência no plano econômico entre membros da liderança do PCC, que a tal falante "alta autoridade do Estado" seria ninguém menos que o próprio Xi.
Xi teve de servir-se dos veículos de mídia lidos por todos que são alguém na China, para apresentar e reforçar sua posição, sobre como dar jeito na economia chinesa minada pela dívida; baixo crescimento, OK, é a nova normalidade; mas a expansão cega do crédito/alívio monetário, não, não está OK. Xi, mais uma vez, é firme e claro: é agora ou nunca; é absolutamente necessário iniciar uma dolorosa restruturação do sistema chinês.
Muito cuidado com os "ninhos de espiões estrangeiros"
Xi Jinping detém poder espantoso, sim. E nem poderia ser diferente. Imagine o homem que comanda uma civilização-estado que existe há 5.000 anos e que tenha, dentre incontáveis outras questões cruciais, de sacudir/gerir um sistema econômico bem-sucedido durante 30 anos, mas que, agora, precisa ser atualizado; mudar o sistema, de sistema exportador, para sistema orientado para o consumo interno; gerenciar as aspirações – e sonhos partidos – de vasta classe trabalhadora, inclusive de milhões de neodesempregados; reorganizar as empresas estatais [ing. state-owned enterprises (SOEs)] monstros; achar modos para se livrar dos Himalaias de empréstimos bancários que não serão pagos e de investimentos "não bem-sucedidos" [ing. "nonperforming"]; reduzir e simultaneamente revitalizar as forças armadas da China.
E, como se não bastasse, Pequim tem de se manter absolutamente alerta, 24 horas/dia, sete dias/semana, contra as provocações do Pentágono operante em tempo integral – sejam reais, sejam só retóricas –, centradas no Mar do Sul da China.
É preciso viver em alerta total. Tempo integral. Sem relaxar nunca. E manter-se alerta contra "forças estrangeiras hostis" ou, mais claramente, "ninhos de espiões estrangeiros" que querem ver você afogado no mais profundo caos.
Daí a nova lei contra ONGs operantes na China. Há ONGs demais – acima de 7 mil. E a agenda (oculta) de muitas delas – da NED até a gangue de Soros – é promover pura, não adulterada, sem mistura "revolução colorida"... por difícil que seja nessa China ultra arregimentada.
Fato é que funcionou no Brasil – um elo frágil na corrente BRICS. A liderança do Partido Comunista Chinês aprendeu muito atentamente – e silenciosamente – a lição brasileira; a China está mais alerta do que jamais à evidência de que nada deterá o Excepcionalistão, o qual tentará absolutamente tudo e qualquer coisa para deter o já espetacular avanço chinês em termos globais. Significa dizer que, se você é uma ONG operante na China, trate de ver se encontra patrocinador estatal chinês, e faça seu registro como agente estrangeiro na delegacia de polícia mais próxima.
Mas, voltando à economia chinesa, o mantra que rola entre muitas poderosas facções dentro do governo dos EUA é que o crash chinês está(ria) próximo. Mais uma vez: é o tema do castelo de cartas.
A dívida total da China alcança hoje vertiginosos 280% do PIB. Aí se incluem os 115% correspondentes às dívidas das empresas estatais; no Japão, por exemplo, o número correspondente às dívidas de estatais é apenas 31%. Seja como for, o que realmente importa é que apenas 25%, no máximo, das dívidas das estatais chinesas terão de ser restruturadas.
A estratégia de Xi é que a Deusa do Mercado super turbinará essas estatais chinesas, não as matará. Assim, esqueçam de vez o delírio de que o Partido Comunista Chinês entregará o controle a economia da China a empresas que o próprio Partido Comunista Chinês não controle. Não surpreende que o que restou aos porta-vozes do Big Capital dos EUA seja chorar e ranger de dentes sobre o castelo de cartas lá deles [ing. House of Cards].
Todos os olhos estão em 2021
Nunca será demais recordar a todos que absolutamente tudo que acontece agora na China é subordinado à meta oficial de Xi, de ter alcançado "uma sociedade moderadamente próspera" (xiaokang shehui), quando o país festejar o aniversário de 100 anos da fundação do Partido Comunista da China, em 2021.
Faltam só cinco anos. Com mais longo prazo, para 2049, a meta é ter alcançado "uma sociedade socialista modernizada" (shehuizhuyi xiandaihua shehui) com PIB de $30.000 per capita. Já deverá ser realidade, quando o país festejar o aniversário de 100 anos da fundação da República Popular da China.
O exército de planejadores estrategistas que trabalha em Pequim estima que essa meta maior é alcançável, se o Império do Meio conseguir produzir mais de 30% do PIB glonal, à altura de 2049; para efeito de comparação, é coisa como 1-1,5% acima da proporção atualmente produzida pelos EUA (e os EUA pouco produzem além de armas einfotech.)
O projeto é, sim, espantoso, de tirar o fôlego, e é sempre reduzido pelos velhos "especialistas" catastrofistas do ocidente, a frases que se resumem sempre a variações de um mesmo refrão: Xi seria o novo Mao Tse Tung. É tolice. Os homens – e os contextos históricos – são radicalmente diferentes. Mao decidia só as questões essenciais – o resto sempre deixou para a 'equipe'. O Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping foi homem de consensos.
Mas Xi decide pessoalmente sobre virtualmente tudo – mas ouve muito atentamente alguns poucos conselheiros seletos. Por exemplo, o Ministro do Comércio – o mesmo que lhe apresentou o conceito que depois foi desenvolvido como "Novas Rotas da Seda" –, e Liu He, conselheiro que conceptualizou a atual estratégia econômica de Xi.
O fato de Xi estar sendo designado como "o núcleo" (hexin) da liderança em Pequim não é grande coisa (maoistamente considerada). Diz-se em Pequim que uma linha de montagem de editores trabalha para compilar um livro do pensamento (sixiang) de Xi, que o tornará pensador tão crucialmente importante quanto Mao, para a teoria do marxismo chinês. Sim. E daí? Xi voa contra o tempo, não pode descansar e tem uma missão. E 2021 está aí. Castelo de Cartas? Não. Tem mais cara de Xi baixando na mesa um Full House.*****
A matéria me interessou, mas em meu navegador (o Chrome), o fundo do blog torna impossível a leitura.
ResponderExcluirOps! Já resolvi o problema com o Clearly. :)
ResponderExcluir