quarta-feira, 8 de junho de 2016

Alguma filosofia algum dia impedirá banqueiros de roubar?

7/6/2016, Lynn Parramore, The Institute for New Economic Thinking


Entreouvido na Vila Vudu:

Artigo ingênuo – mas, sim, emocionante. -- É mais uma tentativa para ajudar a fazer-ver o que há de muito grave em termos históricos, políticos e, claro, também éticos –, se UM BANQUEIRO ENGENHEIRO (Meirelles não é economista) com training na banqueiragem norte-americana – e preocupação ética nenhuma – assume o Ministério da Fazenda de um GOVERNO GOLPISTA (?!), no Brasil-2016.*
______________________________________ 


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Haveria algum espaço para a questão da moralidade no campo do banking e da regulação dos bancos? É muito conveniente para os banqueiros – que dedicam todas as horas do dia e todo o próprio trabalho em atividades temerárias e daninhas – que a simples pergunta já cause tanto mal-estar. 

Ed Kane, professor de Finanças no Boston College, entende que seja vitalmente importante discutir questões morais em idioma simples, sem abstrações. Seguindo o próprio conselho, não poupa palavras para caracterizar o comportamento da indústria do banking em anos recentes: "Roubar é extrair à força recursos de outras pessoas" – diz ele. – "E aqui se trata precisamente disso". Kane exige que se investigue profundamente a cultura contemporânea [norte-americana], para compreender porque os banqueiros safam-se sempre, sem julgamento e condenação, apesar dos muitos crimes que praticam.

Em 2007, pouco antes de a bolha imobiliária eclodir, o presidente de Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, escreveu a um colega, querendo saber como o banco poderia lidar com as hipotecas tóxicas – "gatos e cachorros", como as chamava – nos livros contábeis. O banco de Blankfein continuou a vender o lixo tóxico a investidores ingênuos, aos quais o banco garantia que fossem papéis bons, ao mesmo tempo em que o banco se cobria com seguros de curtíssimo prazo. Como o Financial Crisis Inquiry Report observou, um especialista em finanças estruturadas comparou as práticas do banco Goldman a "fazer um seguro contra incêndio para a casa de alguém e em seguida pôr fogo na mesma casa." 

Mesmo assim, Blankfein e seus colegas banqueiros embolsaram bilhões de dólares do povo dos EUA, sob a forma do tal"resgate". Lucraram à custa dos próprios clientes e da sociedade. Ninguém foi preso. 

No ponto de vista de Kane, é necessário e urgente reinserir a expressão "tem de ser" – usada em sentido moral – no vocabulário dos banqueiros. Executivos hoje dedicam muito tempo à questão "Conseguiremos nos safar dessa?", e praticamente nem um minuto a "É correto fazer isso?" 

Num novo artigo para o Institute for New Economic Thinking,"
Ethics vs. Ethos in US and UK Megabanking" [Ética vs Ethos na megabankeiragem nos EUA e na Grã-Bretanha], Kane argumenta que quando os banqueiros fazem escolhas temerárias e daninhas, contando com que os contribuintes apoiarão incondicionalmente que os próprios banqueiros sejam 'salvos', eles praticam roubo claro, indiscutível. A isso Kane chama "assalto por rede de segurança". Mediante a rede de segurança, explica Kane, os grandes bancos exigem que o público lhes dê proteção e alívio em qualquer dificuldade. Pressionam furiosamente o governo, que age como intermediário no assalto, como uma espécie de "escolta de proteção". Nas palavras de Kane, "o governo então, no exercício de sua autoridade, arranca o dinheiro de contribuintes indefesos".

Por que essa prática não é considerada crime? Porque, diz Kane, os políticos apesar de eleitos são, praticamente em todo o mundo, subornados por banqueiros. Simples e feio assim. Os reguladores, que poderiam intervir, vivem mais preocupados com as próprias carreiras e na esperança de ganharem o bilhete de entrada que os ponha na porta giratória entre o governo e as empresas privadas. 

Na visão de Kane, normas culturais perniciosas, mas já 'naturalizadas' dentro dos bancos e das agências supostas regulatórias, já expulsaram desses locais todos os princípios morais fundamentais. Nos EUA e na Grã-Bretanha todos os reguladores sabem perfeitamente que a busca cega por lucros monstruosos é uma das principais razões da escala crescente e da repetição incansável das crises financeiras ao longo dos últimos 50 anos, mas tendem a abordar a questão por vias especialíssimas. 

Para Kane, as coisas parecem ser ainda piores nos EUA onde, ele observa, as autoridades vivem presas à ideia de sempre endurecer as regras no plano da empresa privada não banco: aumentar as exigências de capital e liquidez, multas, testes periódicos de solidez financeira e os chamados "testamentos em vida" [ing. living wills: "planos para a eventualidade de o banco quebrar"]. Não basta, diz Kane. Os britânicos fizeram isso, mas também suplementaram as obrigações e penas para as empresas e bancos definindo um novo crime de "conduta viciosa temerária que leve um banco à insolvência". 

Além disso, Kane lembra, já há muito tempo é ilegal na Grã-Bretanha que algum diretor individualmente autorize a empresa a lançar nova dívida se ele ou ela souber, ou tiver obrigação de saber, que a empresa estava insolvente. Nos EUA, pela Lei Dodd-Frank o autor individual não é criminalmente responsável por ações que os banqueiros tivessem o dever de saber que eram temerárias. Os promotores de justiça praticamente sempre aceitam acordos e os banqueiros encontram meios para enforcar os contribuintes. 

Nos EUA, diz Kane, há também o efeito Dunning–Kruger – uma deformação cognitiva descrita por esses dois pesquisadores de Cornell, pela qual as pessoas não conseguem ver e identificar as próprias fraquezas. Se você não vê sua própria incapacidade para impor um código de ética às suas ações, por exemplo, como poderá identificar o déficit de ética e trabalhar a favor de um resultado ético? Parte do problema é que os códigos de ética têm de ser ensinados e praticados. "A educação superior nos EUA está muito diluída" – observa Kane. "Na Grã-Bretanha, as pessoas ainda têm algum treinamento em filosofia, que as ajuda a ver as implicações éticas de suas ações." 

Filosofia para financistas? Sim, diz Kane. "Quando apresento essas ideias na Europa, a recepção é muito mais entusiasmada que nos EUA, onde impera essa visão relativista da ética." Argumenta que nos EUA a percepção corrente segundo a qual o que parece bom no momento deve ser ok no longo prazo justifica praticamente qualquer comportamento. 

"Kant ainda é uma força na filosofia moderna" – diz Kane, – "e tenta desenvolver um objetivo, uma razão não teológica para não ferir o próximo." Ferir o próximo para colher recompensa, diz Kane, é a essência do roubo. É um problema causado em parte pela cegueira ante o dever moral e a ética. 

"Os reguladores nos EUA simplesmente não têm visão ética sobre as coisas" – diz Kane. – "O que veem é que têm ferramentas e podem fazer coisas com elas que os ajudam superar alguma crise. Usam as ferramentas para empurrar os contribuintes cada vez mais para o fundo do buraco. Ainda pior, esse comportamento agrava os booms e a má alocação de recursos que deixam tanta gente sem emprego cada vez que uma bolha explode. Tenho olhado muitos reguladores olho no olho e eles me dizem que realmente não entendem – não conseguem ver, por uma lenta ética, a transferência de valor para os gatos gordos, que é o que os resgates fazem. Só veem a coisa pela lente das regras impostas por quem lhes garante a indicação para aquele trabalho, quer dizer, um ou outro grande banqueiro." 

Há um código de ética, diz Kane, que nos liga uns aos outros. E agir em nome do próprio interesse individual é, pode-se dizer, o mantra do capitalismo. Mas cada um de nós não é uma unidade autônoma; cada um está conectado a todos os demais, como Kant tanto enfatizou: "Kant diz que não há como escapar a essa conexão" – lembra Kane. – Pense num par apaixonado: a felicidade do outro é parte da felicidade de cada um." Por outro lado, indivíduos narcisistas não se veem como entidades em conexão com os demais. Fazem o que os faça sentir-se bem no momento, e os efeitos absolutamente não contam." Aí está, diz Kane, um modo muito perigoso de pensar, que contraria milhares de anos de pensamento sobre o que é e como devemos abordar a moralidade humana. "Todas as religiões lidam com isso, e nem diferem tanto quanto ao modo como discutem o tema." 

Como Kane vê tudo isso, obrigar o indivíduo a prestar contas dos próprios atos, não a empresa, é muito importante para enfrentar os crimes cometidos na indústria do banking. "Quem age temerariamente são os indivíduos", diz ele. "O banco-empresa não age temerariamente". Estabelecer penas para o banqueiro-indivíduo não é questão de vingança ou alguma espécie de pena de Talião: é um modo de tentar impedir que o banqueiro-indivíduo cometa crimes. 

Kane crê que é preciso introduzir mudanças na cultura dos bancos e das agência reguladoras, mas, claro, ao serem admitidos como empregados de bancos, as pessoas são adultas e os parâmetros éticos já está modelado nelas. Será já tarde de mais? 

"Na verdade, é problema da estrutura familiar nos EUA" – diz Kane. – "Muitas crianças já não recebem nenhum tipo de educação ou formação. Ninguém lhes ensina que têm obrigações com outras pessoas: só lhes ensinam que os outros têm obrigações com elas. Quando se dão conta de que os pais e professores mentem e chantageiam, é simplesmente como se estivessem sendo traídos." 

O sistema educacional nos EUA tampouco ajuda. "O que nossas escolas ensinam com mais sucesso é a cópia. De quem se deve copiar, para maior proveito nosso. E como se livrar de algum crime de copiar" – diz Kane. Conseguir que os alunos pensem sobre ética é mais do que simplesmente incluir "Ética", como disciplina, na grade curricular. É preciso alterar os incentivos: "O que se ensina nos cursos de ética é a história da teoria ética. Ninguém ensina ética operacional." 

Kane crê que os alunos precisam ser expostos a diferentes cenários reais nos quais possam aplicar princípios éticos. Nas escolas de comércio, os alunos são bombardeados com estudos de casos, nos quais examinam uma empresa, identificam o problema (quase sempre queda nas vendas) e tentam inventar meios para resolver o problema. Mas, diz Kant, é preciso que os alunos trabalhem também com estudos de caso no plano ético, bem construídos e bem expostos. Se você é banqueiro e seu banco está cheio de hipotecas tóxicas, o que fazer? O que o modelo de Kant sugere que você faça? Que via de ação a Regra de Ouro lhe sugere? 

Para Kane, não há reforma política, nem mais e mais funcionários nas agências regulatórias, que deem conta do problema básico do comportamento ético e das normas culturais. A única via possível é inculcar uma perspectiva ética nos cidadãos, para que a sociedade possa contar com ela, nas escolhas que os cidadãos façam.*****




* Sobre Meirelles, ver "O terror econômico na associação entre Meirelles e o BC", J. Carlos de Assis, em Jornal GGN: "Diga-se de passagem que [Meirelles] é um dos mais despreparados ministros da Fazenda que o Brasil já conheceu, movido quase exclusivamente pela ideologia neoliberal. Nem mesmo economista ele é. Sua experiência é de banco, não de economia real. Se ficar solto, vai destruir o Brasil." [NTs]

Nenhum comentário:

Postar um comentário