quarta-feira, 13 de julho de 2016

Entre um rochedo e uma (Sul da China) dureza, por Pepe Escobar

12/7/2016, Pepe Escobar (RT) in The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



"A sentença é "pedaço de papel" destinado à insignificância, porque nada faz além de revelar a degeneração do tribunal como instrumento político.

A sentença natimorta foi planejada e prevista, não apenas por causa da posição de Pequim, de não participar e não aceitar, exposta e declarada desde o primeiro momento, e que foi reiterada na 3ª-feira, depois de anunciada a sentença. Mas, mais importante, porque Pequim está correta em reivindicar o que reivindica, que protege a lei internacional ao posicionar-se a favor dela, os chineses sobre firmes bases jurisprudenciais" 

(
'Pedaço de papel' inerentemente viciado e injusto, 12/7/2016, China Daily, Pequim, em editorial, sobre a sentença da Corte de Arbitragem de Haia,
 trad. no 
Blog do Alok).* 



A Corte Permanente de Arbitragem em Haia mantida pela ONU decidiu, em resumo, que não há bases legais para a China reclamar para ela direitos históricos legais sobre vastas áreas do Mar do Sul da China incluídas na "linha de nove traços".


"As alegações da China de que teria direitos históricos, ou outros direitos soberanos ou jurisdição, sobre áreas marítimas do Mar do Sul da China incluídas na 'linha dos nove traços' são contrárias à Convenção e sem efeito legal, dado que extrapolam os limites geográficos e substantivos dos direitos marítimos da China sob a Convenção."

Bem, nada é preto no branco, nesse caso imensamente complexo. As Filipinas foram orientadas por uma equipe de advogados norte-americanos peso-pesadíssimos. Para a China "não foram nomeados agentes ou representantes."

Pequim argumenta que toda a atenção que o Mar do Sul da China desperta gira em tono de demandas conflitantes quanto à soberania sobre ilhas/rochedos/recifes e delimitações marítimas relacionadas – e sobre os quais aquela corte não tem jurisdição. Atribuir soberania territorial a áreas e acidentes geográficos marítimos no Mar do Sul da China extrapola o que determina a Convenção da ONU para a Lei do Mar [ing. United Nations Convention on the Law of the Sea, UNCLOS], de 1982.

Pequim se rege aí pelo artigo 298 da UNCLOS – que exclui arbitragem compulsória sobre fronteiras marítimas. Esse resumo, feito pelo chefe da missão chinesa à União Europeia, Yang Yanyi, é resumo justo da posição chinesa. E, de fato, a corte não alocou qualquer ilha/rochedo/recife/afloramentos a qualquer das nações querelantes; o que ela fez foi apontar na direção de "features" [apr. "traços", "elementos", "vestígios"] capazes – nos termos da legislação internacional – de gerar direitos territoriais sobre áreas marítimas circundantes.

O que transpirou em Haia, com certeza não resolverá o enigma, como é discutido aqui. Pequim já deixou claro, mesmo depois da sentença, que rejeitará veementemente toda e qualquer decisão.

Mas nesse momento a narrativa está sendo calibrada: Pequim está aberta a conversações, desde que Manila desconsidere a sentença. Jay Batongbacal, da Universidade das Filipinas, vai ao âmago da questão: "Declarar publicamente que desqualificar a sentença da arbitragem é condição para reiniciar negociações é não deixar espaço para qualquer tipo de saída não vergonhosa para nenhum dos lados."

E construir saída não vergonhosa [ing. face-saving, lit. "salvar a cara" (NTs)] – à moda asiática deverá ser agora o nome do jogo. O novo presidente filipino Rodrigo Duterte – codinome "O Castigador" [ing. The Punisher], por causa do que fez na luta contra o crime quando prefeito de Davao City – tem agenda própria, que consiste em melhorar a apavorantemente péssima infraestrutura do país. E adivinhem: de onde terá de vir o investimento crucial para as obras? 

Portanto, a agenda de reforma doméstica de Duterte aponta para a cooperação econômica, não para confronto, com a China. Ele até já emitiu sinais – contraditórios – de que gostaria de visitar Pequim e acertar as coisas. Sem dúvida, porém, terá dificuldades para convencer Pequim a pôr fim às construções relacionadas a atividades militares no Mar do Sul da China, e a não estabelecer uma Zona Aérea de Identificação de Defesa, ZAID [ing. Air Defense Identification Zone (ADIZ)].

Mas pode conseguir alguma coisa se propuser a partilha dos recursos naturais, como a imensa riqueza não explorada das reservas de petróleo e gás do Mar do Sul da China. Sim, porque mais uma vez o Mar do Sul da China é assunto de energia – muito mais que dos $4,5 trilhões de comércio marítimo que passa por ali anualmente; a "liberdade de navegação" sempre esteve mais do que assegurada para todos. Para Pequim, o Mar do Sul da China é questão absoluta de energia, dado que, no longo prazo, constituirá outro fator chave no plano máster de "evitar Malacca", para diversificar fontes de energias afastando-as daquele gargalo que pode ser facilmente fechado pela Marinha dos EUA.

Agora, com a Marinha dos EUA já intrometida, por mar e por ar no Mar do Sul da China, as apostas não poderiam ser mais dramáticas.

É... um rochedo!

A absoluta maioria das ilhas/rochedos/afloramentos rochosos/recifes/atóis reivindicados por China, Brunei, Malásia, Filipinas, Vietnã e Taiwan no Mar do Sul da China não são habitados – vários deles ficam submersos na maré alta. Podem recobrir um total de apenas um poucos quilômetros quadrados – mas espalham-se por uma imensa superfície de dois milhões de quilômetros quadrados de mar, e estão incluídos na "linha dos nove traços" da China, que reivindica a soberania sobre a maioria das cadeias de ilhotas e águas circundantes.

Assim, nesse departamento chave sobre a questão de "Quem possui soberania legal sobre algumas ilhas do Mar do Sul da China", a sentença foi um grave golpe contra Pequim. A justificativa sempre foi construída sobre textos históricos que vão do século 4º aC até as dinastias Tang e Qin. Durante o – curto – período da República da China, foram mapeados 291 ilhas, recifes e bancadas, e classificadas, em 1947, como parte da "linha de nove traços".

A China 'Vermelha' em 1949, na verdade herdou uma demanda iniciada pela rival República da China. Acelere o filme até 1958, quando a China de Mao lançou declaração na qual demarcava suas águas territoriais dentro da 'linha de nove traços' – incluindo as Ilhas Spratly. Para maior ironia histórica, o então primeiro-ministro do Vietnã Pham Van Dong concordou com o então premiê chinês Zhou Enlai.

Hoje a história é completamente outra. Ainda que Pequim e Taipei continuem de acordo, China e Vietnã estão em lados opostos. A sentença de Haia decidiu: "Não há base legal para a demanda da China, por direito histórico, a recursos em áreas de mar incluídas na 'linha de nove traços'". Problema extra é que Pequim jamais explicou realmente, em termos legais, o que significava aquela linha.

Haia também reduziu o que se podia ver como ilhas, ao status de monte de rochas. Assim sendo, a sentença não gera territórios. Grande parte do Mar do Sul da China foi, de fato, declarada águas internacionais neutras.

Assim, se estamos falando de rochedos, as águas territoriais que os cercam terminam à distância de meras 12 milhas náuticas. E obviamente não se qualificam como zona econômica exclusiva [ing. exclusive economic zone (EEZ)], status que exige raio de 200 milhas náuticas.

Se não há EEZs nas ilhas Spratlys, o mais provável, para futuro próximo, é que Filipinas, Malásia, Brunei e Vietnã possam, cada país, traçar as próprias linhas de demarcação ao estilo de EEZ, a partir de suas maiores ilhas ou dos litorais, naquela seção do Mar do Sul da China – e exigir os respectivos direitos.

A sentença significa problemas para os recifes Mischief e Subi – as duas maiores "features" de terra no Mar do Sul da China, depois da massiva demanda dos chineses. Agora, foram rebaixados à categoria de "afloramentos em maré baixa" – que só emergem acima d'água na maré baixa. Significa que essas duas grandes bases chinesas nas Spratlys não terão mar territorial, nem EEZ nem coisa alguma, além de uma zona de segurança de 500 metros em torno delas.

Conheçam os Rochedos Spratly

E há também o extraordinário caso de Taiping – a maior das "ilhas" Spratlys, com área de cerca de 0,5km2. Taiping é ocupada por Taiwan [oficialmente República da China] a qual, como todos sabem não é reconhecida como nação soberana pela ONU, nem pela corte de Haia ou por qualquer nação do Sudeste Asiático.

Pequim jamais questionou a demanda de Taipei sobre Taiping. Mas como Taiwan é parte da China, mesmo sem ocupar fisicamente Taiping, ainda assim Pequim poderia demandar o direito de traçar uma EEZ.

As Filipinas, por sua vez, argumentaram que Taiping não tem nem habitação civil nem vida econômica sustentável, porque é uma guarnição militar. Haia concordou. E a ilha Taiping foi rebaixada ao status de "rochedo". Nada de EEZ de 200 milhas náuticas portanto, que chegariam muito perto da província filipina de Palawan.

Tudo isso considerado, e para resumir, parece que não sobrou ilha alguma, naqueles mais de 100 "rochedos" em Spratly. Melhor começarmos a falar de Rochedos Spratly.

Segundo a Corte de Haia, nenhuma das Spratlys mostrou-se "capaz de gerar zonas marítimas extensas (...)[e] tendo descoberto que nenhuma das features reclamadas pela China era capaz de gerar uma zona econômica exclusiva, o tribunal entendeu que podia – sem demarcar um limite – declarar que algumas áreas de mar estão dentro da zona econômica exclusiva das Filipinas, porque aquelas áreas não serão recobertas por alguma possível titulação da China."

Ouch. Que dureza. E como se não bastasse, Haia também condenou todos os projetos chineses de demanda de terra – todos – e a construção de ilhas artificiais em sete "rochedos" nos Spratlys, decidindo que causaram "dano severo ao meio ambiente do recife de corais e violaram a obrigação de preservar e proteger ecossistemas frágeis e o habitat de espécies reduzidas, ameaçadas ou em risco de rápida extinção."

Desde 2012, todas as ilhas Paracelso sempre estiveram sob controle chinês. Com os [rochedos] Spratlys, há de tudo por ali: o Vietnã ocupa 21 "features"; as Filipinas, 9; a China, 7; e a Malásia, 5. Mas a toada é a mesma: questões de soberania não podem ser resolvidas pela lei internacional, porque todas as tais "features" estão fora da jurisdição de Haia.

Assim sendo, o que acontecerá a seguir – além de infindável reclamação contra as conclusões? Pequim e Manila têm de conversar – de modo que Pequim saia sem ser humilhada; a Associação das Nações do Sudeste Asiático [ing.Association of Southeast Asian Nations (ASEAN)] deve entrar no jogo e atuar como mediadora. Não significa que a China deixará de criar "fatos no mar" – em todo o Mar do Sul da China. Afinal, eles têm poder (militar). Com ou sem alguma "linha de nove traços". E tanto faz que se disputem ilhas, recifes, "afloramentos em maré baixa" ou amontoados de rochas.*****



* Epígrafe acrescentada pelos tradutores [NTs].
[1] Orig. "China’s claims to historic rights, or other sovereign rights or jurisdiction, with respect to the maritime areas of the South China Sea encompassed by the relevant part of the ‘nine-dash line’ are contrary to the Convention and without lawful effect to the extent that they exceed the geographic and substantive limits of China’s maritime entitlements under the Convention." 

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