sábado, 9 de julho de 2016

Há provas suficientes para pôr Tony Blair na cadeia, por Alexander Mercouris


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



O Relatório da Comissão de Investigação Chilcot confirma que há elementos suficientes para indiciar e levar Tony Blair a julgamento.

Foram necessários sete anos e consumidos £10 milhões, mas o Relatório Chilcot afinal encontrou a arma do crime.

Aí vai o memorando que Blair enviou a Bush dia 28/7/2002. As primeiras palavras – "Estarei com você aconteça o que acontecer" – ganharam fama imorredoura. Foi o último prego no caixão da reputação de Blair.

O memorando merece ser lido inteiro:

"Estarei com você aconteça o que acontecer, mas agora é hora de avaliar cruamente as dificuldades. Ainda falta planejar e definir a estratégia, dois duros testes pela frente. Isso não é Kosovo. Não é Afeganistão. Não é sequer a Guerra do Golfo.
A parte militar é duvidosa, mas me concentrarei no contexto político necessário para o sucesso.
Nos livrar de Saddam é a coisa certa a fazer. Ele é ameaça potencial. Pode ser contido. Mas a contenção, como descobrimos com Al-Qaeda, é sempre perigosa. A partida, no caso dele, liberta a região. E o regime de Saddam é provavelmente, com a possível exceção da Coreia do Norte, o mais brutal e desumano em todo o mundo.
A primeira questão é: ao removê-lo, você quer/precisa de uma coalizão? Os EUA podem fazer tudo sozinhos, com o apoio do Reino Unido. O perigo está, como sempre nessas coisas, nas consequências não desejadas. Suponha que fique difícil, militarmente. Suponha que haja inesperadas baixas de civis iraquianos. Suponha que a rua árabe finalmente se levante (...). Suponha que Saddam sinta-se suficientemente forte, politicamente, mesmo que militarmente fraco em termos convencionais, para disparar as ADMs. Suponha que, sem qualquer coalizão, os Iraquianos sintam-se ambivalentes em relação a iraquianos invadidos e reais, não a guarda especial de Saddam, e decidam resistir. Suponha por fim que qualquer dificuldade, sem coalizão alguma, seja ampliada e chegue até a opinião pública internacional hostil. Se vencermos rapidamente, todos serão nossos amigos. Se não, e não tiverem sido conectados previamente, as recriminações não tardarão a aparecer.
Pode ser que nada disso aconteça. Mas pode ser que sim, que aconteça uma ou outra dessas possibilidades, ou possibilidades combinadas."
Apesar do que Blair diz hoje, é impossível ou, pelo menos, muito difícil ler o memorando sem ver ali a confirmação clara de compromisso absoluto, pelo lado de Blair, de que faria guerra ao Iraque, ao lado de Bush.

Mas o memorando é muito mais do que isso. Ele é prova – ou, no mínimo, indício extremamente forte – de que a intenção era 'mudar o regime', derrubar Saddam e o regime dele – o qual, por brutal e tirânico que fosse no momento em que o memorando foi redigido, mesmo assim era o governo legal do Iraque reconhecido pela comunidade internacional. 

O fato de que Saddam Hussein possuiria, presumivelmente, ADMs não aparece no memorando como a razão para a guerra. Ao contrário. Quem leia o memorando fica com a impressão de que toda a campanha sobre ADMs não passou do que com certeza foi: jogo de fumaça e espelhos, aparelho para atrair e mobilizar a opinião pública mundial a favor da guerra – servindo assim como 'escudo preventivo' a proteger Bush e Blair de quaisquer consequências negativas. O memorando parece dizer exatamente isso, e é difícil interpretá-lo em qualquer outra direção.

Blair disse que o Inquérito Chilcot teria confirmado que ele agira de boa fé. Esse memo prova precisamente o contrário. Quando Blair dizia – como disse à época repetidas vezes – que a questão era exclusivamente desarmar Saddam Hussein, não qualquer tipo de mudança de regime, Blair mentia.

Mas agora há evidências concretas de algo de que todos suspeitávamos: que Bush e Blair conspiraram juntos para fazer guerra contra um país, com o objetivo de derrubar o governo. 

O memo também confirma que não havia qualquer ameaça imediata do Iraque no momento em que a dupla planejava a guerra. O memorando diz expressamente que a ameaça iraquiana naquele momento era apenas "potencial". Assim se afasta o argumento de que a guerra teria sido lançada preventivamente, para impedir ato iminente de agressão, pelo Iraque. É lei estabelecida que para que se aplicasse aquela defesa, a ameaça teria de ser ameaça real e imediata, não ameaça potencial. O memo mostra que não havia ameaça imediata nem aos EUA nem à Grã-Bretanha feita por Saddam Hussein ou pelo Iraque quando a guerra começou e Blair – e Bush – sequer supunham que houvesse.

Há outro ponto chave que veio à tona com o Relatório Chilcot, e nesse caso é ponto muito técnico.

Blair recebeu do Advogado Geral da Grã-Bretanha aconselhamento legal segundo o qual a guerra seria legal se o Iraque infringisse gravemente Resoluções vigentes do Conselho de Segurança da ONU. 

Aquele parecer – como o Advogado Geral admitiu à época – era controverso; muitos advogados, inclusive a equipe de advogados do Foreign Office, discordavam dele. O ponto chave porém é que, para que Blair pudesse acolher o aconselhamento, o Iraque teria de ter efetivamente infringido gravemente Resoluções vigentes do Conselho de Segurança da ONU. Blair afirmou que o Iraque teria infringido (etc.) e construiu todo o processo sobre essa afirmativa. Porém, tanto então quanto agora, ele não consegue explicar como o Iraque teria cometido as tais infrações graves que justificariam a guerra. Depois de sete anos de investigações exaustivas, Chilcot não conseguiu produzir resposta clara a essa pergunta.

Dado o que o memorando de 28/7/2002 parece dizer – que Bush e Blair planejaram a guerra para levar adiante a mudança de regime – é difícil escapar à conclusão de que o motivo pelo qual Chilcot não conseguiu responder àquela questão é que não haja resposta. Dito em palavras simples, é como se Blair tivesse dito que o Iraque infringira gravemente Resoluções vigentes do Conselho de Segurança da ONU, não porque realmente acreditasse nisso, mas porque dizer o que disse o livrava de uma enrascada jurídica e lhe fornecia argumento para uma guerra que ele já decidira iniciar por outras razões completamente diferentes.

Desde a guerra, tem havido muita conversa sobre levar Blair ao tribunal, acusado de ter cometido crimes de guerra. Até agora, não foi possível, porque o tipo de evidência de que um tribunal precisa para condenar alguém por crime de guerra nunca apareceu. Blair sempre se pôs na posição de argumentar que cometeu erro 'honesto', que agiu movido por boa fé, por menos que algum dia tenha encontrado quem acreditasse nele 

Agora, a evidência está aí. Há um documento – o memorando datado de 28/7/2002 – que confirma claramente, à vista de todos, não nas entrelinhas, que Blair conspirou com Bush para lançar uma guerra para mudança de regime em outro país – um golpe contra governo de país soberano. E que o motivo que Blair apresentou para iniciar aquela guerra – neutralizar as Armas de Destruição em Massa que estariam em poder de Saddam – não passou de ardil para supostamente fazer jus a apoio internacional, para uma guerra que foi planejada para objetivo completamente diferente. Há agora também evidência primária de que Blair manipulou intencionalmente e/ou deu interpretação descabida ao aconselhamento legal que recebeu, para mascarar, como ação legal, uma guerra absolutamente não legal.

A agressão – o supremo crime internacional – é mal definido em lei. Mas fica claro que apenas lançar um ataque armado contra outro país não basta para caracterizar agressão. Contudo, invadir um país sem causa legal e sem autorização do Conselho de Segurança Nacional da ONU, com o exclusivo objetivo de derrubar o governo que lá esteja parece, sim, se enquadrar na definição de agressão. E se não se enquadrar, torna-se quase impossível saber o que, afinal, será agressão. Hoje sabemos que os advogados do Foreign Office já diziam, naquele momento, que a guerra que Bush e Blair planejavam contra o Iraque era guerra de agressão.

Os obstáculos políticos e procedimentais para levar Blair a um tribunal, acusado de crime de agressão, são imensos. A Corte Criminal Internacional diz que não tem jurisdição; e a resistência dos políticos britânicos contra tal julgamento seria enorme. Mas a base para levar avante esse caso está aí e a possibilidade já não pode ser completamente descartada. De fato, já há advogados estudando como fazê-lo, com sugestões de que se Blair não puder ser acusado pelo crime de agressão – o que exigiria provavelmente aprovação do Parlamento ou, no mínimo, do governo, e a criação de um tribunal especial – ele pode, sim, ser processado pelas vias normais em cortes britânicas ordinárias, consideradas as mesmas evidência, mas acusado por crime menor, como, por exemplo, conduta indevida no exercício de cargo público. Não se pode adivinhar se acontecerá ou não, mas a demanda – e as provas – aí estão, à vista de todos.*****


Um comentário:

  1. Este caso paradigmático evidencia muitas verdades que a mídia-empresa e o G8 tentam esconder. Uma é que intervir num país soberano que não representa ameaça apenas para mudança de regime político ou do governante é o que os EUA mais tem feito desde sempre. Foram diferentes disso as inúmeras agressões dos EUA (diretamente ou através da OTAN) pelo mundo afora nas últimas décadas? Só para citar os mais recentes: o apoio a ditadores militares sanguinários na América Latina, a invasão da Iugoslávia, do Afeganistão, da Síria, do Iêmen, da Líbia assim como os golpes brancos contra Honduras, Paraguai, Brasil, Ucrânia, pela mão de gato de ONG's financiadas por bilionários norte-americanos como Soros e os Irmãos Koch, entre outros.
    A segunda evidência, recentíssimamente destacada por Putin, é o perverso papel da mídia-empresa, repetida por toda a mídia ocidental, a favor de todas as agressões dos países do G7/OTAN e o risco de que este cruel apoio da mídia comercial desencadeie uma guerra nuclear e, portanto, é uma atuação permanente contra a Paz, no momento o mais caro valor para a humanidade. A possibilidade de que Killary Clinton ser eleita aumenta geometricamente esse risco.

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