domingo, 24 de julho de 2016

MK Bhadrakumar - Jornais sauditas partem ao ataque contra Erdogan

22/7/2016, MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


O influente diário saudita Asharq Al-Awsat, que pertence ao príncipe Faisal bin Salman (filho do rei Salman), governador de Medina, partiu para o ataque contra o presidente Recep Erdogan da Turquia, com uma série de ataques violentos, que fazem ver claramente as rachaduras que se produziram na política do Oriente Médio muçulmano, depois do golpe fracassado da 6ª-feira passada na Turquia. Em edições sucessivas do jornal apareceram três colunas assinadas por duas vozes muito influentes dentro da mídia saudita – Abdulrahman Al-Rashed (atual gerente geral da rede Al-Arabiya de TV e ex-editor-chefe do diário; e Eyad Abu Shakra (atual editor-chefe do mesmo diário).

A primeira coluna levava o título de "A Turquia Boicotará o Ocidente?" [ing. Will Turquia Boycott the West?aqui, veio assinada por Al-Rashed e apareceu na 3ª-feira, imediatamente depois da tentativa de golpe na Turquia. Trazia duas mensagens para Erdogan: a) Não crie problemas para o ocidente (leia-se: os EUA); e b) Haverá consequências graves, se Erdogan pressionar para que os EUA extraditem o clérigo islamista Fetullah Gülen.

Evidentemente, Erdogan ignorou os avisou e ameaças apocalípticas de Al-Rashed e seguiu adiante, denunciando uma provável participação dos EUA na tentativa de golpe; e alertou que Washington cometerá "grande erro" se Gülen não for extraditado. Na 5ª-feira, Shakra e Al-Rashed, em colunas separadas, deram prosseguimento à ação, dessa vez com violento ataque pessoal contra Erdogan e contra sua política.

Shakra em sua coluna intitulada "Sobre Erdogan e a Tentativa de Golpe na Turquia" [About Erdogan and Turkey’s Coup Attemptaqui], condenou Erdogan pelo ataque aos 'Gülenistas' e só faltou chamar Gülen de portador da tocha do Islã político, exatamente o que Erdogan orgulha-se de ser, e só ele. O artigo sugere que Gülen oficialize um protesto dentro do partido governante AKP. Shakra declaradamente trouxe para a conversa o ex-presidente e cofundador do AKPAbdullah Gul e o ex-primeiro-ministro Ahmet Davutoglu. Praticamente aconselhou uma composição de forças entre Erdogan e Gülen.

Num segundo artigo, Al-Rashed dizia que Erdogan está-se mostrando arrogante à frente da 'Rua Árabe', e o destino dele não poderá ser diferente do destino de Abdel Gamal Nasser e Sadam Hussein. Ainda pior, comparou Erdogan ao Imã Khomeini. Sua coluna "Todos Eles Trilharam essa Trilha" [They All Walked This Pathaqui] também parece mostrar desagrado por Erdogan atrair apoio de partes do mundo árabe. Talvez do Qatar – cujo emir é próximo de Erdogan?

O que está assustando tanto a família real? Prima facie, os vazamentos do famoso 'vazador' Mutjahid (que muitos suspeitam seja um dissidente de dentro da Casa de Saud), a demonstrar que Gülen tem laços fortes com a Arábia Saudita, e que o poderoso vice-príncipe coroado e ministro da Defesa Mohammed bin Salman sabia do golpe turco, parecem ter alguma base. De fato, há um tom de pânico no ataque da mídia saudita contra Erdogan.

Segundo Mutjahid, Mohammed bin Salman parece suspeitar de que a inteligência turca sabe do papel dos sauditas-Emirados Árabes Unidos na tentativa de golpe contra Erdogan. (Curiosamente, segundo os jornais, o adido militar turco no Kuwait tentou fugir para país ocidental não sabido, saindo do aeroporto saudita de Dammam, antes de ser preso por envolvimento na tentativa de golpe.) Os porta-vozes 'midiáticos' dos sauditas provavelmente escolheram o ataque como melhor defesa, temendo uma retaliação de Erdogan.

Mais importante, os sauditas devem estar assustados com o modo como Erdogan revidou a tentativa de golpe na Turquia, invocando o 'poder popular'. Ecos de 'Primavera Árabe'! Esse é o espectro que sempre assombra os sauditas – massas enchendo as ruas, às dezenas de milhares, como juízes e árbitros derradeiros do poder político num país muçulmano. Ainda pior, essa tática política também brota diretamente do manifesto da Fraternidade Muçulmana – que é ameaça existencial ao regime saudita.

A questão é que, do ponto de vista saudita, o que Erdogan traz de mais perigoso não é seu 'neo-otomanismo', mas os laços estreitos que o ligam à Fraternidade Muçulmana, por consideração aos quais Erdogan sacrificou até as relações de estado entre a Turquia e o regime do presidente Abdel Fattah-el-Sisi (que chegou ao poder mediante golpe militar apoiado pelos sauditas).

Por fim, os sauditas são os grandes perdedores – só comparáveis, em matéria de perda, com Israel – nessa reaproximação entre Turquia e Irã, que está em andamento na política daquela região. Erdogan disse ao presidente Hassan Rouhani do Irã, em conversa por telefone na 3ª-feira, que está pronto para trabalhar com Irã e Rússia para restaurar a paz na região. A agência oficial iraniana citou Erdogan, nos seguintes termos:

"Hoje estamos mais determinados do que nunca antes, a contribuir para a solução de problemas regionais, de mãos dadas com Irã e Rússia, e em cooperação com eles."

Claro que realinhamento dessa magnitude no Oriente Médio muçulmano terá impacto profundo no equilíbrio de forças na política regional – e virtualmente isola a Arábia Saudita.*****



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