Donald Trump, comentando a morte de Fidel Castro, tratou-o como mero "ditador". Mas sejam quais tenham sido os resultados (e erros) duradouros do experimento cubano, a História já reconheceu Fidel, de facto, como um dos grandes revolucionários da era moderna – e pós-moderna. Trump – a ironia histórica obriga a reconhecer – também chamou de uma "revolução" o estremecimento tectônico, de fúria, que lhe pôs em mãos a Casa Branca – comandado pelas massas brancas, sem curso superior, de trabalhadores manuais e precários norte-americanos.
Velhos hábitos são duros de matar. Um autoproclamado "líder do mundo livre", fiel ao roteiro tradicional, jamais poderia homenagear publicamente um "comunista" que sobreviveu a mais de 600 tentativas de assassinato construídas pela CIA cum atentados para mudança de regime –, o que é fracasso muito doloridamente pesado às costas da chamada "inteligência" dos EUA. No final, o que levou Fidel foi o relógio da vida – não alguma bala mágica.
Com a Revolução Cubana já feita História, o foco muda para a 'revolução' norte-americana em curso – que pode vir a ser praticamente a tal mudança de regime especial com que a CIA tanto sonha (para os outros!). Se Fidel foi o Príncipe e Maquiavel resumidos num só homem, na Gringolândia o roteiro pode bem ter a ver com Steve Bannon: o trabalhador branco pobre braçal ou precário encontra-se com Goldman Sachs Maquiavel, para Trump o Príncipe.
Bannon, o estrategista chefe da Casa Branca foi demonizado e amaldiçoado de cima a baixo, por todo o espectro, como neofascista, nacionalista branco, racista, sexista e antissemita. Até aqui, [a entrevista ao Wall Street Journal, só para assinantes] é a explicação mais detalhada da agenda de Bannon – em suas próprias palavras. Quem queira subestimar Bannon, que subestime. Depois, não reclame.
Bannon no passado apresentava-se como leninista. Pena que Fidel não estivesse prestando atenção.
Em seu livro muito complexo e imensamente fascinante e absorvente Après Nous, Le Deluge (ed. francesa recentemente publicada pela editora Payot, "para leitores motivados"), o filósofo máster alemão Peter Sloterdijk explora o modo como Lênin, em apenas uns poucos meses numa cabana na Finlândia, definiu as premissa teóricas do que teria de acontecer depois da revolução; como o Estado antes existente, sob análise marxista, não passava de instrumento para permitir a exploração econômica, e o erro que viciava a noção de que a oposição entre as classes seria "irreconciliável" (soa como o atual cenário montado em Washington).
Para o aparato revolucionário, não bastaria ocupar/tomar o aparato do Antigo Regime – como os sociais-democratas pregavam. O aparato do Antigo Regime teria de ser totalmente triturado, os cacos retomados em novas combinações, até que se alcançasse o objetivo comunista de mais longo prazo – a morte do Estado.
Agora imaginem Bannon, o leninista, tentando embalar essa agenda para a opinião pública dos EUA visceralmente doutrinada na linha "comunistas comem criancinhas no café da manhã. Então, ele recorreu à cultura pop – destacando os modelos inspiracionais como Darth Vader, sua encarnação Dick Cheney, e todo o lado escuro da força. Esmagar o Estado (ou o establishment) foi reformulado e convertido em "drenar o pântano".
E para polir tudo isso, ao falar ao establishment, Bannon acrescentou o toque de credibilidade inglesa indispensável ao perfil do seu protagonista: Thomas Cromwell, o lado obscuro por trás de Henrique 8º; e não falou de Lênin. Não surpreende que o estado profundo tenha entrado em surto de medo pânico e ranger de dentes.
Lênin, no esforço para completar sua revolução, como Sloterdijk observa, baseou-se numa "estratégia psicopolítica dupla": intimidação massiva dos não convencidos (tática que Bannon obviamente não pode usar nos EUA contemporâneos), e mobilização das massas empobrecidas e entusiasmadas atraídas pelas promessas do novo poder (a impressionante máquina de Twitter de Trump; e o jornal Breitbart News encarregado desse departamento).
Na revolução de Lênin, a faculdade do julgamento político era exercitada por uma elite que Lênin concebia como "o proletariado"; os proletários tornados elite mediante a ditadura do Partido. Todos os demais estratos, especialmente as categorias rurais, não passavam de uma plebe reacionária – que só se tornaria aproveitável no longo prazo, depois de submetida à educação revolucionária. Um século depois de Lênin, a "elite" proletária de Bannon foi alimentada com a alienação dos trabalhadores braçais e precários que se espalham pelos estados de Virginia, Florida, Ohio, Cinturão da Ferrugem.
Um lugar especial é reservado aos Democratas de Reagan e aos Democratas de Reagan 2.0 (minorias das classes trabalhadoras) bem como a todos os rejecionistas sortidos do velho coringa marxista, a "democracia burguesa" – blindada até a medula.
Para Bannon, a primeira encarnação de seu Príncipe Leninista ideal foi a detestável Mamãe Ursa Sarah Palin. Ela via a Rússia da janela de casa – mas era só isso. Trump por outro lado, é o perfeito veículo: bilionário construtor fazedor; produto da reality TV; beneficia-se do fator "New York New York" ["se posso fazer em NY, posso fazer em qualquer lugar"]; odiado pelos Másters do Universo; nunca precisou cortejar doadores de dinheiro; e inimigo natural do arrogante establishment da Costa Leste, que despreza suas lantejoulas e grosseria.
Fascismo e guerra global
Descrever os "deploráveis" de Trump (como os define o establishment pela boca de Hillary) como um exército fascista, como insiste o bombardeiro da mídia-empresa norte-americana, é errar completamente o alvo.
A teoria marxista, durante os anos 1920s e 1930s, virou o fascismo de pernas para o ar, ao conceitualizar o modo como o fascismo essencialmente cristaliza o poder do capital financeiro (isso Bannon consegue facilmente vender em casa). O fascismo também aterroriza a classe trabalhadora bem como o campesinato revolucionário –, daí o apelo popular que teve o "drenar o pântano". Mussolini definiu o fascismo como "o horror inspirado por uma vida confortável", o que levou Sloterdijk a caracterizar o fascismo como como um militantismo de política de rua; mobilização total.
Volte o filme para um século atrás; depois de 1917 e 1918, para a Esquerda e também para a Direita, a visão do tempo ensinava que não havia "pós-guerra"; de fato o sentimento era de que prosseguia uma guerra global, e sempre fora assim desde tempos imemoriais (hoje, sob o neoliberalismo, a guerra global é ainda mais radicalizada e opõe o 0,0001% contra o resto da humanidade). Com Lênin na Rússia, há um século, o conflito assumiu a forma de guerra civil de uma ativa minoria contra uma imponente maioria.
Sob a Casa Branca Leninista, o conflito pode assumir a forma de uma guerra que uma minoria muito ativa (os cerca de 25% do eleitorado nos EUA que votaram em Trump) faz contra outra, infinitesimal – mas poderosíssima – minoria (o establishment da Costa Leste, a encarnação do Antigo Regime), com toda a saga observada por uma maioria transfixada, passiva.
"América Primeiro", mas para quem?
A questão chave é quem acabará por definir o real interesse nacional: os verdadeiros nacionalistas incorporados na equipe Trump, plus a "elite" do proletariado? Ou os suspeitos – globalistas – de sempre, capazes de infectar e corromper qualquer noção de nacionalismo?
Adeus, Fidel Castro, bem-vindo Príncipe Trump (com o Maquiavel Leninista atachado). Preparem-se para o impacto. Política é guerra – e o que seria, se não guerra? E "revolução" ainda é o melhor show na cidade.*****
Excelente, Pepe. Vc é filho de mestre Carlos Henrique ? Bjs w avante.
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