quinta-feira, 18 de maio de 2017

Putin e Xi alinhados na montagem da nova ordem (comercial) mundial, por Pepe Escobar

16/5/2017, Pepe Escobar, RT










A história recordará que o Fórum Cinturão e Estrada em Pequim marcou o momento e as circunstâncias em que as Novas Rotas da Seda do século 21 assumiram o pleno caráter de Globalização 2.0 – a "globalização inclusiva", como o presidente Xi Jinping definiu-a em Davos, no início desse ano. 

Já falei das apostas monumentais que rolam nesse quadro (aqui e aqui). Terminologia, claro, permanece, como problema de importância secundária. Antes definido como "Um Cinturão, Uma Estrada" [ing. One Belt, One Road (OBOR)] está agora promovido a "Iniciativa Cinturão e Estrada" [ing. Belt and Road Initiative (BRI). Muita coisa permanece perdida na tradução ao inglês, mas o que importa é que Xi deu jeito e pôs na cabeça, principalmente de todo o Sul Global, a miríade de possibilidades que há no conceito.

Anfitrião amável, Xi não mediu esforços em Pequim para promover os méritos da integração inclusiva de OBOR/BRI. E ajuda muito que sempre, dado que se trata da China, os especialistas logo apareceram com metáfora adorável para ilustrar o moco como OBOR/BRI deve encontrar a própria força como esforço comum, paneurasiano: "Os gansos-cisnes selvagens", disse ele, de uma grande ave selvagem, rara, encontrada na Ásia, mas não na Europa" – voam muito longe e em plena segurança vencendo ventos e tempestades, porque voam em bandos e ajudam-se uns os outros, como equipe."

E pode-se dizer que o membro chave desse bando de gansos-cisnes selvagens é, sim, a Rússia.

Sigam os gansos

O presidente Putin e o ministro das Relações Exteriores Sergey Lavrov foram convidados de honra no Fórum – ao lado de outros governantes, como Nazarbayev do Cazaquistão e Erdogan da Turquia. Num café da manhã de trabalho e discussão, Xi pôs Putin à sua direita e Lavrov à sua esquerda.

Na plenária da Mesa Redonda de Líderes, no segundo dia do Fórum – uma espécie de Nações Unidas da Rota da Seda, com microfones abertos igualmente para todos – Putin tocou num ponto chave: a simbiose formalizada desde 2015, entre OBOR/BRIe a União Econômica Eurasiana (UEE) promovida pela Rússia e da qual atualmente participam Rússia, Quirguistão, Cazaquistão, Belarus e Armênia.

Como disse Putin, "cerca de 50 estados europeus, asiáticos e latino-americanos" estão interessados em cooperação com a UEE. UEE e China estão discutindo seu próprio acordo econômico/comercial de amplo espectro, e a UEE está em consultas, dentre outros estados, com Irã, Índia, Sérvia, Cingapura e Egito.

Mas foi no discurso na sessão inaugural do Fórum que Putin expôs o que se pode ver como um concentrado da política exterior russa.




Aqui, os tópicos principais da fala de Putin:

– Mediante "formatos de integração como UEE, OBOR, Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. Association of Southeast Asian Nations, ASEAN], podemos construir as fundações para uma parceria eurasiana maior."

– Há agora uma "oportunidade única para criar um quadro de cooperação comum para todos, do Atlântico ao Pacífico – pela primeira vez na história." Essencialmente, é o que o próprio Putin propusera – ideia que foi detonada pela União Europeia/OTAN –, até antes de Xi anunciar o projeto OBOR em 2013.

– "A Rússia não apenas deseja ser parceira confiável, mas busca também investir na criação de joint ventures e de novas capacidades de produção em estados parceiros, investir em instalações industriais, de vendas e de serviços."

– A Rússia está investindo na construção de "um sistema de corredores de transporte moderno e bem conectado", "expandindo a capacidade da linha principal Baikal-Amur e da Ferrovia Trans-siberiana, investindo recursos significativos em melhorias na Passagem Nordeste [ing. Northeast Passage."

– E então, considerando o Grande Quadro, "os projetos de infraestrutura dentro da UEE e a Iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada em conjunção com a Passagem Nordeste poderão reconfigurar completamente o transporte no continente eurasiano."

– Putin espera que "instituições financeiras recentemente estabelecidas como o Novo Banco de Desenvolvimento (Banco de Desenvolvimento dos BRICS) e o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura ofereçam apoio a investidores privados."

E no fim, o fecho de ouro e gancho de suspense para o próximo capítulo, inteiramente alinhado com a visão de Xi: "A Eurásia Expandida [ing. Greater Eurasia] não é arranjo geopolítico abstrato, mas, sem qualquer exagero, um projeto de amplidão civilizacional que contempla o futuro."

Se tiver dúvidas, telefone para a Organização de Cooperação de Xangai

Comparada à profundidade e ambição dessa visão partilhada, nada poderia ser mais pedestre que a atitude oficial da Índia: não apenas enviou delegação de segundo nível a Pequim, como, também, fez circular pela mídia indiana a noção de que OBOR/BRI seria "pouco mais que uma empreitada colonial [que deixará] dívidas e comunidades falidas quando começar a operar".

O bando de gansos-cisnes que voa na direção da integração da Eurásia é agora um fato da vida. O produto do Leste Asiático, por falar dele, superará o dos EUA durante a era Trump. The future, vale dizer, a dissolução da hegemonia unipolar será decidida na Eurásia, particularmente no Leste Asiático.

A Índia certamente acalenta a própria agenda estratégica. Mas automarginalização do único projeto de desenvolvimento integrado no século 21 não sugere, nem de longe, diplomacia esperta.

Parece pois que Putin mais uma vez terá trabalho a fazer. A Índia, parceira histórica da URSS, ainda mantém boas relações comerciais com a Rússia. O Irã, por sua vez, é parceiro energético da Índia tão crucialmente importante quanto a China. Assim sendo, o mapa do caminho à frente sugere que Moscou, assim como Teerã, farão o trabalho de emissários encarregados de seduzir a Índia e trazê-la de volta para a trilha da integração da Eurásia.

Pode acontecer no contexto da Organização de Cooperação de Xangai, que de agora em diante tem um prato cheio, não só para levar adiante um viável processo de paz afegão, mas também para assegurar que Índia e Paquistão cheguem a uma entente cordiale política.

Será mais ou menos como irmãos mais velhos tentando pôr algum bom-senso na cabeça de irmãos mais moços –, agora que Rússia e China, como parte da mesma parceria estratégica, já muito trabalharam para administrar a admissão simultânea de Índia e Paquistão na Organização de Cooperação de Xangai.

O Irã também em breve adquirirá status de membro pleno. Assim, logo teremos uma ativa Organização de Cooperação de Xangai diretamente por todo o sul da Ásia, com uma agenda de integração político-econômica, expandindo o movimento inicial para combater as incontáveis manifestações do terror jihadista-salafista.

Essa convergência, lenta mais progressiva encaixa bem com os objetivos maiores da parceria estratégica Rússia-China, a qual, mais uma vez, como o Fórum de Pequim demonstrou, trata sempre e sempre de integração da Eurásia.

A história invisível no Fórum de Pequim foi que, dado que a Turquia é nodo chave do projeto/iniciativa OBOR/BRI, e o Cazaquistão é nodo chave entre OBOR/BRI e a UEE, quem realmente fará avançar o complexo mapa do caminho desse "projeto de amplidão civilizacional" serão China e Rússia."*****

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