quarta-feira, 26 de julho de 2017

Império dos choramingas, por Pepe Escobar

23/7/2017, Pepe Escobar, SputnikNews












É do conhecimento de todos que, do ponto de vista do Pentágono, os EUA enfrentam cinco ameaças existenciais: Rússia, China, Irã, Coreia do Norte e o terrorismo, nessa ordem. Muito além da retórica, todas as ações do Pentágono têm de ser compreendidas e analisadas nesse quadro de referência.

Agora, a opinião pública já tem acesso a documento ainda mais intrigante: um novo estudo feito pela Escola de Guerra do Exército dos EUA, intitulado At Our Own Peril: DoD Risk Assessment in a Post-Primacy World [Por nossa conta e risco: Avaliação de riscos pelo Departamento da Defesa num mundo pós-primazia]. Sugiro ativamente que os leitores baixem o documento (em ing.) e o examinem, com atenção às linhas e letras pequenas.


O pesquisador Nafeez Ahmed propôs uma decodificação útil desse dilema do período "pós-primazia" que exigiu virtualmente dez meses para ser montado.


O poder de fogo intelectual interessado envolveu todas as sessões do Pentágono em todo o mundo, além da Agência de Inteligência da Defesa (AID), o Conselho de Inteligência Nacional e os proverbiais think-tanks carregados de neoconservadores como o American Enterprise Institute (AEI), o Center for Strategic and International Studies (CSIS) e a RAND Corporation, além do Institute for the Study of War.

Tudo isso para quê? Para anunciar o óbvio – que os EUA estão perdendo a "primazia"; e para propor que façam mais do mesmo, tipo mais vigilância Orwelliana; mais "manipulação estratégica de percepções", também conhecida como propaganda; e mais exército "maior e mais flexível", tipo mais guerras.
Se isso é o melhor que a "inteligência" militar dos EUA é capaz de gerar, os concorrentes Rússia e China podem passar a mão num gin-tônica e relaxar à beira da piscina.

Oh malditos revisionistas 


O estudo é peça clássica do Excepcionalismo míope – que pode servir como espécie de entretenimento, se apresentada com floreios retóricos.


Rússia e China são descritas devidamente como "forças revisionistas" (não parece Mao nos anos 1950s?), que devem ser impedidas de promover seus legítimos interesses nacionais. Por quê? Porque os interesses deles são ameaça que mina a hegemonia dos EUA. Claro. 


Leitores do estudo devem desistir de encontrar qualquer prova real de que Rússia e China representem qualquer ameaça à segurança nacional dos EUA. Para encontrar alguma ameaça desse tipo, é indispensável recorrer aos veículos da mídia-empresa, que só falam dessas "ameaças" 24h/dias, sete dias por semana.


E fica ainda mais esquisito quando se trata de Irã e Coreia do Norte – os dois países também demonizados em tempo integral na mídia-empresa e na Think-Tankelândia nos EUA. O problema não é que representem alguma ameaça nuclear: o problema é que são obstáculos à expansão eterna da "ordem liderada pelos EUA".


Paralelamente, o que realmente aborrece a inteligência militar dos EUA são "formas menos óbvias, mais sinistras de agressão baseada em poder estatal". Por exemplo, a "ameaça" que vem de Sputnik e RT.

"Fatos", qualquer fato real que desafie a legitimidade do hegemon são considerados nesse estudo como um dos grandes fatores determinantes do declínio dos EUA. OK, o Pentágono não é dado a ironias. Assim sendo, não contem com a possibilidade de algum especialista reconhecer que fatos reais simultaneamente põem a nu as ações do Império e demolem sua retórica.

A lógica circular do estudo é refém da lógica imperial – e de que outra coisa seria refém?! O poder militar dos EUA é apresentado, em essência, como ferramenta chave para coagir e forçar outras nações a obedecer os diktats do Império.
Isso leva aqueles "experts" a bombardear, até reduzi-lo a cacos, o conceito de defesa – e convertê-lo em ofensiva. O Império sempre se reserva o direito de partir p'rô heavy metal quando lhe dê na telha. Se algum ator questiona o direito imperial soberano – por exemplo, se a Coreia do Norte lança seu próprio míssil, ou se a China cria fatos em campo no Mar do Sul da China –, a coisa imediatamente se torna uma ameaça, e tem de ser eliminada.

Nem analistas progressistas norte-americanos entenderam por que, depois de apenas 70 anos de hegemonia, a primazia geopolítica dos EUA na Eurásia chegou ao fundo do poço. Dado que a guerra interna entre Trump e o estado profundo pode estar acelerando o processo, vê-se que ainda se trata do mundo pós 11/9.

As aventuras do Partido da Guerra – de Afeganistão e Iraque até Iraque, Líbia e Síria; a espantosa dívida pública impagável do governo dos EUA; a erosão ininterrupta do petrodólar; a inexorável marcha da Eurásia rumo à integração – refletiram-se na obsessão dos militares dos EUA com os três vetores chaves, China, Rússia e Irã.


Esses são apenas alguns dos fatores envolvidos.


Pequim e Moscou não precisam ser 'avisados' sobre o jogo real por estudos desse tipo –, se já há as guerras à distância que os EUA fizeram, da Ucrânia ao Mar do Sul da China, com o objetivo final de interromper a grande história do século 21: a conectividade na Eurásia.


O mesmo vale para Teerã, que identifica muito bem as múltiplas maquinações e a ação de instrumentalizar a gangue do petrodólar do Conselho de Cooperação do Golfo para perpetuar a guerra fratricida entre sunitas e xiitas.

O que nos leva à "próxima guerra" que insistentemente monopoliza a máquina de boatos que é o Departamento de Estado. Se o governo dos EUA for doido suficiente para provocar uma guerra contra o Irã, esse movimento fará perfeito sentido com modo de pensar do Excepcionalismo; com uma economia que só conhece a guerra como instrumento para aumentar o PIB e pagar dívidas; com a hegemonia do estado profundo; com a eterna Volta dos Mortos (Neoconservadores) Vivos dentro da Think-Tankelândia; com a CIA e com o próprio Pentágono.

"Pós-primazia"? Vocês ainda não viram nada.*****



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