terça-feira, 12 de setembro de 2017

Empobrecidos por livre escolha - História das revoluções de 1917 na Rússia, como guia para o que veio depois

5/9/2017, John Helmer, Dances with Bears, Moscou












O presidente Vladimir Putin decidiu que não haverá comemorações do centenário, em 2017, nem da Revolução de Fevereiro nem da Revolução de Outubro de 1917. Recomendou que se deixem as interpretações dos eventos para os "especialistas". Antes disso, Putin fez saber ao mundo sua opinião segundo a qual os bolcheviques são responsáveis por a Rússia ter perdido a 1ª Guerra Mundial, porque colaboraram com a Alemanha. 


Nada muda, ainda que os especialistas afirmem que a fonte mais potente do apoio popular de que gozavam os bolcheviques em 1917 tenha sido que os bolcheviques – diferentes nisso do Czar Nicolau 2º, do governo provisório que o substituiu, do primeiro-ministro Alexander Kerensky ou dos socialistas – queriam o fim da guerra; e também da violência no front doméstico, da qual dependera para se manter a ordem czarista. Mas pensar sobre isso tem implicações sobre o presente. Vale dizer, para a campanha de reeleição presidencial que termina dentro de sete meses, dia 18/3/2018.

Violência, desigualdade, intervenção estrangeira, eleições nacionais, guerra civil – ainda é combinação ainda altamente inflamável na Rússia hoje. O presidente não quis jogar gasolina à fogueira, e por isso em 2017 não haverá comemorações dos 100 anos da Revolução. Tampouco haverá debate entre os especialistas.

Stephen Smith é especialista britânico, com livro anterior sobre a Petrogrado Vermelha, o papel dos trabalhadores das fábricas da cidade nos eventos de 1917 e 1918, seguido de uma história comparativa das revoluções na Rússia e na China. Seu livro mais recente, Rússia in Revolution, an Empire in Crisis, 1890-1928, está sendo resenhado pelos especialistas, a maioria dos quais não russos. Smith abre a lista dos historiadores recomendados na lista compilada pelo jornal londrino que pertence (está à venda) ao proprietário do National Reserve Bank e crítico ocasional do Kremlin, Alexander Lebedev.


Smith trabalha sobre documentos relativamente novos e resumos de argumentos que os especialistas esgrimem há um século, para chegar a três [no orig., "duas". Parece ser erro (NTs)] conclusões sobre a atitude russa em relação à violência política. 

Primeira, que os russos opõem-se à violência política; quanto mais padecem, naturalmente, mais inabalável a oposição. Segunda conclusão de Smith é que quanto maior a desigualdade social, econômica e política no seio do povo russo, mais acentuada a tendência a que a se ver violência entre os próprios russos.terceira conclusão a que chega Smith é que os rivais estrangeiros da Rússia, a começar com o quarto de milhão de homens nos exércitos aliados de intervenção em 1918-19, não conseguem explorar o fratricídio que os russos infligiriam uns aos outros. Isso, porque o fato de o invasor ser estrangeiro converte temporariamente a violência russa em amor pelo país e em unidade para expulsar o estrangeiro. A mudança de regime à ponta de baionetas estrangeiras não funciona, como a história de Smith demonstra. Mas pode acontecer mudança de regime na Rússia (e efetivamente aconteceu em 1917) se se acumula suficiente violência doméstica para forçar os acontecimentos. E nesse caso, como Smith descobriu, nem sempre é o mais bem armado, treinado ou cruel. Acasos, erros de avaliação, falta de sorte e se chove mais ou menos também podem ser decisivos. Para um relato histórico do que acontece quando historiadores tropeçam em acasos, leiam essa resenha do livro de Smith.


Imagem: Pôster do Exército Branco contra os Bolcheviques, de 1919. O texto em russo diz: "Amigos russos! Sou inglês. Em nome de nossa aliança, peço que vocês, grandes como são, aguentem só mais um pouco. Entregarei tudo de que vocês precisarão, sem limites. E, mais importante, entregarei novas armas para que aniquilem aqueles horrendos monstros vermelhos sedentos de sangue." Smith recorda a escala napoleônica da invasão de 1918-20 – 50 mil homens chegaram ao noroeste, em torno de Arkhangelsk; 60 mil na Crimeia, Ucrânia e Cáucaso; 150 mil na Sibéria e no extremo oriente – no total, 260 mil soldados invasores.

Segundo Smith, poucos bolcheviques, embora existissem por toda parte na Rússia, nos militares, nos órgãos eleitos de poder pelo país depois da abdicação do czar, acreditavam que a posição bolchevique contra a guerra fosse a posição amplamente predominante entre os russos. Uma das razões do fracasso de outros grupos políticos, que não conseguiram chegar ou manter-se no poder durante 1917, inclusive a esquerda antibolchevique, foi que não eram tão categóricos nem tão convincentes ao repudiar a violência que consumia a Rússia desde 1914 – diretamente sob a forma de captura ou morte de soldados no front (2,3 milhões, mais de 60% do exército); e indiretamente por causa do colapso da produção de grãos, do consumo, dos salários e das condições de trabalho na retaguarda.

"Deixando de lado esses números assustadores, o que é crucial para que se compreendam os eventos", conclui Smith, "é que o fim do czarismo não veio porque caiu a moral das forças armadas – disciplina que fora notavelmente bem mantida durante o inverno de 1916-17, apesar da miséria crescente, resultante da guerra – mas por causa do visível descontentamento no front doméstico."

A história de Smith também mostra que a violência estava por toda parte – condição que o autor só tenta explicar no fim. Historicamente, segundo Smith, que mordeu a língua, "exclusivamente em relação aos anos 1920s (o stalinismo nos anos 1930s foi outro assunto), não é óbvio que a sociedade soviética tenha sido mais violenta que a modalidade czarista que a antecedeu." Smith também aceita que "desigualdades e injustiças institucionalizadas da velha ordem – pobreza, desnutrição, exploração no trabalho, exposição ao frio, humidade e doenças – foram fundamentais (...) Pode-se classificar tudo isso como violência (...) mas é preciso parar antes de acolher a ideia de que a Revolução Russa teria iniciado um ciclo crescente de violência que inevitavelmente culminou no gulag."

Smith não oferece, na verdade, qualquer explicação para aquele ápice da violência russa, exceto em termos semi-sociológicos. "Trabalhos recentes expõe o grande número de perpetradores de atos violentos – do Exército Vermelho, a Cheka, e racionamento de comida, passando pelos exércitos Brancos e seus senhores-da-guerra em comando, até etnias insurgentes, camponeses, Verdes e bandidos (...) a violência não era só instrumental, mas, também, um meio para demarcar identidades sociais e de criar laços de solidariedade (...) um meio para criar e dramatizar diferenças de poder, de enviar mensagens a adversários potenciais, e para afastar ameaças."


Imagem: Esquerda: Pôster Branco, 1919: "O que o bolchevismo traz ao povo [Morte]. Direita> Pôster Vermelho: "O Exército Vermelho exterminará para sempre os inimigos do povo."

Isso posto, a grande conclusão de Smith para sua história do ano das revoluções, guerra contra os invasores e a guerra civil que se seguiu é que uma vez expostos à violência, os russos sempre optarão pela alternativa política menos violenta. Essa conclusão faz da história de Smith um guia para o futuro da Rússia. É uma lição na história de, de um limão, fazer uma limonada.

Em Petrogrado, segundo Smith, "os trabalhadores queriam um sistema soviético que correspondesse aos seus ideais (...) Quando julgados ante esses ideais, viram que os bolcheviques muito ficavam a dever, mas mesmo assim estavam convencidos de que derrubar o regime tampouco promoveria aqueles ideais. Não havia alternativa na qual confiar."

No sul rural, diz Smith, "os Vermelhos com certeza não venceram porque tivessem massivo apoio dos camponeses: suas políticas de alistamento forçado e obrigatório criaram animosidade intensa na população rural. Mesmo assim com certeza sempre foram vistos como o mal menor."

Na Ucrânia, Geórgia, Azerbaijão e Armênia, segundo Smith, onde exércitos de intervenção alemães, poloneses, britânicos, franceses e turcos pressionavam furiosamente, "muitos nacionalistas (...) em 1920 já viam a formação das próprias autonomias soviéticas como a opção menos ruim para a autodeterminação nacional."

E entre as classes predominantes da sociedade, "o apoio popular não foi tampouco irrelevante para o sucesso dos Vermelhos: os trabalhadores nunca quiseram ver uma vitória dos Brancos; e os camponeses, quando tiveram à frente a possibilidade de uma vitória dos Brancos, de modo geral se uniram aos Vermelhos, apesar da furiosa oposição popular ao confisco de comida, ao alistamento obrigatório e à caça aos desertores."

Desde que começou a nova guerra contra a Rússia em 2014, o plano dos estrangeiros sempre considerou que, se o povo russo fosse obrigado a sofrer duramente no campo econômica, especialmente os empresários russos, eles se rebelariam contra os líderes no Kremlin. Combinado com a guerra econômica e o ataque nos fronts sírio e ucraniano, o plano também prevê furiosa campanha contra a corrupção do capitalismo russo, os corruptos protegidos pelo Kremlin e o partido de ladrões e que controla o Parlamento Russo. A história de Smith demonstra por que esse plano está condenado ao fracasso.

Em tempo: será sempre óbvia a ironia de que um século de esquemas e conspirações do governo dos EUA para forçar uma mudança de regime na Rússia tenha dado em absolutamente nada e em absolutamente todos os cantos do mundo, exceto em... Washington, DC! 

Porque revolta contra o presidente eleito como a que se aproxima é coisa jamais vista nos EUA desde a Guerra Civil. Até a guerra dos EUA contra a Rússia está colapsando por motivos internos domésticos norte-americanos. O único resultado das conspirações dos EUA é tornar cada dia mais remota qualquer mudança de regime na Rússia. O preço injusto que os russos pagam por essa guerra só aumenta, mas a história ensina que Putin continuará a se fortalecer, mais e mais forte e firme a cada dia, a menos que cometa erros dignos, na magnitude, de um Czar Nicolau ou de um Kerensky.*****


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