28/9/2017, Moon of Alabama
A região curda do Iraque realizou um referendum sobre separar-se do Iraque para constituir um estado independente. O referendum é extremamente irregular nas circunstâncias em campo e o resultado estava decidido desde antes. A própria realização desse referendum nesse momento teve mais a ver com a situação precária do presidente regional ilegítimo Barzani do que com alguma oportunidade legítima para chegar à independência. O referendum não tinha valor de lei e o resultado não cria qualquer obrigação para qualquer lado. Depende de Barzani declarar a independência ou engavetar a questão em troca, essencialmente, de mais dinheiro.
Escrevemos pela primeira vez sobre o problema curdo e as ambições curdas no Iraque nos idos de dezembro de 2005(!). Os problemas de uma região curda independente que apontamos há doze anos continuam inalterados:
Um estado curdo cercado em terra pode produzir seja como for muito petróleo, mas como esse petróleo chegaria aos mercados, especialmente a Israel? Os vizinhos Turquia, Irã e Síria todos têm minorias curdas e nenhum motivo para ajudar um estado curdo a se autoenriquecer para, na sequência, verem aquela riqueza canalizada para as respectivas minorias agitadas. Depois de [os curdos] tomarem Kirkuk, o restante árabe do Iraque tampouco apoiará oleodutos para petróleo curdo.
Árabes, turcos e persas veem os curdos como recalcitrantes tribos nômades de montanha e fantoches a serviço dos interesses de Israel.
Em meados dos anos 60s e 70s Israel cooperava com o Irã, então aliado dos EUA no governo do Xá, na luta contra seus inimigos árabes – Iraque, Síria e Egito. Como parte dessa cooperação, o Mossad mandou o coronel-tenente Tzuri Sagi para desenvolver planos e construir um exército curdo para combater contra soldados iraquianos no norte do Iraque. Tzuri Sagi foi também responsável pelos atentados para assassinar Saddam Hussein. Seu parceiro curdo na cooperação foi o líder do clã Barzani, mulá Mustafa Barzani. O exército curdo que os israelenses criaram é hoje conhecido como "Peshmerga". O filho do mulá Mustafa Barzani, Masoud Barzani, é hoje o presidente ilegítimo da área do Iraque em que vivem os curdos.
Coronel-tenente Sagi com Mustafa Barzani. Reprodução da foto: Yossi Zeliger - fonte |
Barzani com o então diretor do Mossad, Meir Amit |
Os Barzani são parte de uma tribo curda maior e principal clã na região curda do Iraque. (O outro grande clã é o dos Talabani, hoje com muito menos poder.) Em 2005 Masoud Barzani, filho do mulá Mustafa Barzani, foi eleito presidente da região curda no Iraque. Seu mandato de oito anos terminou em 2013. O parlamento regional estendeu o governo dele por mais dois anos. Mas a partir de 2015 ele governa sem qualquer base legal. Conseguiu impedir o Parlamento a encerrar o mandato dele e 'demiti-lo'. O filho de Masoud Barzani, Mazrour Barzani, é chanceler do conselho de segurança da região. Controla todos os ramos de inteligência militar e civil. Nechirvan Barzani, sobrinho de Masoud Barzani, é primeiro-ministro da região curda.
Interesses dos EUA no petróleo ajudaram a construir o poder de Barzani. Os curdos extraíam e vendiam petróleo sem autorização de Bagdá. O petróleo é exportado por oleodutos turcos e vendido principalmente para Israel. A família do presidente Erdogan da Turquia é intimamente envolvida nesse negócio. Mas, apesar dos bilhões que advêm da venda (ilegal) de petróleo, a região curda está pesadamente endividada. A corrupção reina no Curdistão e o governo regional teve de assaltar bancos locais para encontrar dinheiro vivo. Nem assim conseguiram dinheiro suficiente para pagar salários. A máfia da família Barzani roubou avassaladoramente a região. Mas para manter-se vivo, o governo local precisa anexar mais riquezas e ampliar a base de seus negócios.
A família Barzani tem laços religiosos-históricos profundos com uma ordem espiritual sunita de sufis, os Naqshbandi. OExército dos Homens da Ordem Naqshbandi foi um dos grupos da resistência sunita Baathista na ocupação do Iraque pelos EUA. Em 2014, ajudaram (ou não ajudaram?) o Estado Islâmico na tomada de Mosul, antes de serem derrotados e descartados por ele.
Os curdos iraquianos, sob Masoud Barzani, foram cúmplices em meados de 2014 na tomada, pelo Estado Islâmico, de Mosul e da região de Sinjar habitada por iezidis que falam curdo. Viram ali uma oportunidade para tomar mais petróleo e, assim, declararem-se independentes de Bagdá. Só depois que o Estado Islâmico marchou sobre a 'capital' curda Erbil, onde a inteligência de EUA e Israel, além das empresas ocidentais de petróleo mantêm seus quartéis generais, os curdos Barzani começaram a fazer oposição ao Estado Islâmico.
Passaram então a usar a luta contra os terroristas do Estado Islâmico para ampliar, em 40%, a área que controlavam. Minorias como os iezidi e os assírios, que foram arrancados das próprias casas pelo Estado Islâmico, estão agora impedidas, pelos curdos ocupantes, de voltar para casa. Como Rukmini Callimachi, correspondente do NYT relata de lá:
Refrão que ouço muito é que o exército do Iraque correu quando o ISIS entrou em Mosul, mas os curdos defenderam-se e não se moveram. Infelizmente, é mentira. Uma das áreas que estavam sob controle de tropas curdas foi Mt Sinjar, lar de grande parte dos 500 mil iazidis que vivem no Iraque. Segundo dezenas de entrevistas que fiz com sobreviventes iazidis do genocídio que o ISIS cometeu, as tropas curdas pararam e fugiram quando o ISIS veio. Para acrescentar insulto à injúria, dizem líderes comunitários, os soldados curdos desarmaram os iazidis. E não os avisaram de que o ISIS estava avançando. Resultado: milhares de mulheres iazidis foram sequestradas pelo ISIS e sistematicamente estupradas. Muitas com quem falei culpam em parte os curdos, pelo que lhes aconteceu.
Callimachi relata também que soldados curdos impedem hoje que os iezidis voltem às próprias casas. Barzani anexou unilateralmente as terras deles e unilateralmente declarou-as parte da região curda. Os curdos também ocupam terras e aldeias, que aparecem citadas na Bíblia como pertencentes a cristãos assírios.
Outro ponto complexo e candente é Kirkuk. A cidade, rica em petróleo, está em terras originalmente turcomenas e árabes. Os curdos tomaram posse em 2014, quando o Estado Islâmico marchou sobre Bagdá. Para muitos, o movimento sobre Kirkuk foi coordenado com o Estado Islâmico. Agora, querem anexar a área. O estado iraquiano evidentemente se opõe veementemente e agora está enviando forças armadas. O governo turco, que se vê como defensor de todos os turcomenos, também ameaça intervir.
Depois do referendum da independência curda, o governo do Iraque declarou um bloqueio parcial da região curda. O Iraque é estado soberano, a região curda não tem status legal independente. Bagdá tem agora vários modos para deter as ambições curdas. A partir da 6ª-feira, por ordem de Bagdá, estão proibidos todos os voos internacionais (civis) para Erbil. Na sequência provavelmente será implantado bloqueio por terra, com interrupção de todo o comércio e transferências monetárias.
Síria, Irã e Turquia todos já se manifestaram contra a independência curda e ameaçam retaliar. Oficialmente, os EUA também são contra algum estado curdo independente. Israel foi o único estado que deu apoio ao referendum. Essa simpatia (ou conveniência política) é via de duas mãos: Em Erbil, Curdistão, o presidente da junta de apuração gritou: 'Somos a segunda Israel!'
Comício pró referendum em Erbil |
Chuck Schumer, líder dos Democratas no Senado e ferramenta sempre disponível dos sionistas, convocou o governo Trump a reconhecer um Curdistão independente. Trump não pode fazer isso, porque poria os EUA em oposição aos seus 'aliados' nos governos turco e iraquiano. Mas a posição oficial é uma coisa, e a posição clandestina dos EUA em campo é outra. Armas dos EUA continuarão a jorrar para as forças curdas no Iraque e na Síria.
Assim também a Turquia está oficialmente muito preocupada com o movimento de independência no Iraque curdo, mas tem também um interesse comercial no caso. No longo prazo, teme movimento de independência também na sua grande população curda, e interpreta o referendum no Iraque como movimento dos EUA contra interesses de segurança dos turcos:
[Os turcos] creem que o referendum é na verdade parte da realização de suposto desejo já latente há muito tempo em Washington, de criar "uma segunda Israel" na região. O apoio que Israel deu ao referendum do Governo Regional Curdo confirmou essa percepção.
Segundo o primeiro-ministro do Iraque, a Turquia concordou com isolar a região curda. Mas empresas turcas e o círculo mais íntimo da família de Erdogan têm interesse comercial no petróleo que vem da região curda. A Turquia exporta cerca de $8 bilhões/ano em alimentos e bens de consumo para a região curda. Por mais que Ankara se angustie ante a possibilidade de sua população de curdos seguir o exemplo dos curdos iraquianos, a ganância de mais curto prazo talvez prevaleça sobre interesses nacionais de longo prazo.
Sem o acordo dos turcos, nenhuma região curda 'independente' pode sobreviver no Iraque. Essa independência dependerá sempre do que Ankara tenha em vista.
No caso de Masoud Barzani obter efetivo apoio externo e conseguir manter sua artimanha de independência, a situação na Síria também mudaria.
Os curdos na Síria são atualmente liderados pelo PKK/YPG, um culto político e correspondente milícia que segue as filosofias brutas de Abdullah Öcalan. Politicamente se opõem a Barzani, mas têm atitudes e interesses similares. Embora sejam apenas 8% da população, passam agora a ocupar cerca de 20% da terra síria e controlam 40% das reservas sírias de petróleo. O apoio continuado dos EUA aos curdos sírios e o exemplo no Iraque podem incitá-los a buscar também alguma 'independência' da Síria. Damasco jamais concordará.
A independência curda, como o Barzanistão no Iraque e/ou como os anarco-marxistas cultuadores de Öcalan na Síria, seria o começo de mais uma década de guerra – seja entre as entidades curdas e as nações em volta delas, ou dentro de cada 'estado' curdo, entre as sempre desunidas próprias tribos curdas.*****
Excelente.
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