04.10.2017, Fernando Horta - Jornal GGN
Sem rumo
por Fernando Horta
Entre 2013 e 2016 parece ter se consolidado no Brasil a ideia de que nada estava certo. Nem social, nem economicamente. Também nada certo politicamente ... enfim, tudo – absolutamente tudo – estava errado. Surgiram propostas de reformas qualquer assunto. Dilma mesmo se elegeu com propostas de reformas políticas, tributárias e etc. A FIESP tinha outro grupo de propostas, e praticamente todo agente político do país também tinha. Curiosamente, apenas o judiciário e a mídia não entraram neste “desarranjo consensual”. Não havia proposta para estes grupos, e isto é uma boa dica sobre de onde partiram as ideias de que tudo estava errado.
Foi um consenso estranho, lançado aos poucos junto com o tal “Padrão Fifa”. Padrão este que, depois soubemos, o Brasil sempre teve. Aliás, é provável até que tenhamos sido nós que o exportamos para a FIFA, vide João Havelange. Consensos como este, que pregam a imprestabilidade das instituições de um país, costumam emergir após grandes hecatombes, revoluções ou guerras. Podemos ver isto acontecendo na França do Absolutismo (final do século XVIII), na Europa do entre-guerras e em pouquíssimos outros lugares. Nem na Alemanha, saindo do nazismo, ou no Japão após a Segunda Guerra Mundial este entendimento de “terra arrasada” vingou. Há sempre uma luta daqueles que vivem o seu tempo e o seu espaço pela manutenção das coisas, ainda que de forma fragmentada, reconhecendo os pontos positivos.
Isto não aconteceu no Brasil.
O brasileiro passou a atacar-se todo dia, a toda hora e por qualquer motivo. Numa situação semelhante à desordem biológica chamada Lupus. No Lupus, após um momento de stress psicológico ou biológico, o corpo passa a não reconhecer a si mesmo e se auto-destrói. De 2013 a 2016 (quiçá com resquícios ainda hoje) o Brasil se auto-destruiu. Nada prestava (com exceção da mídia e do judiciário, como já disse). Da educação ao pré-sal, da política às Olimpíadas. Tudo deveria ser negado, modificado ou simplesmente desfeito. Foi um consenso deveras acachapante.
É preciso, no entanto, entendermos que os diversos grupos sociais que chegaram a este consenso, o fizeram por diferentes motivos. Ora, se eu e você concordamos que uma comida está ruim, é muito provável que o façamos por motivos diferentes. Eu acho que esta faltando sal e para você ela poderia ser mais cozida, por exemplo. O fato de concordarmos com o veredito não implica que o façamos pelos mesmos motivos.
Aqui está um ponto importante para o entendimento do mal súbito que acometeu o país nos últimos anos.
Nesta percepção de que nada prestava, podemos ver claramente três grupos sociais que fizeram coro pelo “tudo errado”, mas que diferem essencialmente do QUE efetivamente estava errado. E diferem ainda – imaginem – de como seria o “certo”.
De um lado estão as elites brasileiras que, como sempre, convenceram-se da necessidade de afastar as “clases peligrosas” do poder. Um dos maiores medos na História da América Latina vinha das elites, sempre em menor número, que viam os negros, os indígenas e os pobres como um “elemento desestabilizador”. O “haitianismo” me parece que foi a versão do século XIX do medo que Lula inspira no Brasil de hoje. O líder negro Toussaint precisou matar uma boa quantidade de homens brancos e declarar a independência do Haiti (em 1804) para provocar pesadelos semelhantes aos que Lula provoca na elite brasileira por ter dado de comer a 40 milhões de brasileiros.
De qualquer forma, para a elite brasileira é essencial afastar pobres, negros, desdentados ou malcheirosos de qualquer possibilidade de assumirem o poder. De novo. Para isto vale derrubar o PIB, criar uma justiça medieval, e soltar na sociedade os velhos monstros do racismo, do fanatismo religioso e da intolerância social.
A classe média brasileira vive não um problema real e material, mas um problema de percepção. Não é que ela não gostasse do Brasil como ele estava, mas não suportava a ideia de onde o Brasil poderia chegar. O crescimento do poder aquisitivo e o pleno emprego que atingimos em 2014 estavam muito bons, mas o caminho para um país mais igualitário não poderia ser aceito. A “livre concorrência” e a “meritocracia” sempre assustaram as classes médias brasileiras, se não fossem “entre iguais”. Parte desta classe média está se sentindo traída com Temer. Ela queria o país que o PT construiu, mas sem o PT. Ela queria congelar o país em 2014. Pleno emprego, rendacrescendo, mas sem esta bobagem de “bolsa família”, de universidade para todos e de que pobre finalmente poderia ter casa. Isto IRIA LEVAR a um sério problema social, pensavam.
Do outro lado desta balança estava uma parte da esquerda que não concordou com o governo Dilma. Estava errado. Levy, evangélicos, Kátia Abreu não estavam nos planos desta esquerda. A mudança – se é que aconteceria – seria longa demais. A esquerda já não confiava no “reformismo” de Dilma. O interessante é que, apesar de concordar com os dois primeiros grupos de que “estava errado”, esta esquerda desencantada queria o mesmo caminho de Dilma (ou quase) só que mais rápido! Ela não imaginava que ao fazer coro pelo “fora Dilma” o país fosse entrar neste retrocesso tremendo.
O Brasil não se acerta exatamente porque o consenso que tirou Dilma foi pontual e fabricado. Após a queda da presidenta, ninguém mais sabe para onde o país vai. Nem mesmo a direita que parecia monolítica sabe. Hoje MBL, PSDB, Bolsonaro, Doria, Alckmin e todos os outros batem cabeça. Uns querendo puxar o tapete dos outros. Neste caos institucional quem tem poder o exerce e o resto que se dane. Juízes mandam prender, delegados passam por cima de qualquer presunção de inocência e caminhamos para um “salve-se quem puder”.
Neste caminho insano perdemos gente boa. Professores estão se suicidando no RJ, por não receber seus salários. Temos inocentes presos, temos procuradores procurando prêmios, juízes querendo ser artistas de filmes e reitores que nos alertam sobre este caos com seus últimos suspiros. Luiz Carlos Cancellier de Olivo que nos perdoe. E que os que ainda vivem possam reverter este insuportável caos antes que mais gente se perca.
Qual a esquerda desencantada que queria a saída de Dilma?
ResponderExcluiro psol. luciana genro e freixo.
ExcluirBolsonaro 2018. Se o Lula fez muito pelos pobres, deveria ter feito mais e roubado menos.
ResponderExcluirO "algo mais" do PT na arte e na cultura:
ResponderExcluirBom, Yamandu Costa é música de grande qualidade. Não tem nada a ver com o PT, ok?
Inclusive música pra poucos brasileiros (por ser complexo), ou seja:
de “elite”. Assim como Machado de Assis, Villa-Lobos são arte de elite, sim.
O mesmo Dostóievsky. Elite honrada.
Não se trata do lixo bem tragável de Q o PT gosta, venera, ama e adora, não.
E, por outro lado, o bem centrado MBL [Mov. Brasil Livre] em
seu papel empírico, em 2016 faz jus ao nome dessa sigla, certo?
A diminuição do poder vigarista do PT com
a saída de Dilma em 2016, — mesmo c/Lula solto hoje –, foi fortemente permitido devido ao MBL.
Empírico, corajoso e pragmatista, o Arthur do “Mamãe Falei” ajudou bastante
a desconstruir o discurso ideológico
do PT através do método socrático.
MBL e o Arthur lutam contra
o lixaço da doutrina petista (conhecida como Petismo),
lutam contra o brega, o barangismo petista,
mau gosto, o barango do sertanejo universitário
do petismo [criado na Era Dilma-Lula],
o cafona, o lixo se fingindo de “arte” em galeria picareta,
e lutaram contra autoritarismo
sufocante e mortal do PT
e o Kitsch. E isso é excelente!
Yamandu não tem nada a ver com PT.