segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Enigma RPDC enlouquece o EUA-establishment, por Pepe Escobar

6/11/2017, Pepe Escobar, The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




O 19º Congresso do Partido deixou perfeitamente claro que o "socialismo com características chinesas" – como o codificado pelo presidente Xi Jinping – é o mapa do caminho à frente. Não é apenas que a estratégia deixe de fora muito explicitamente aqueles tão louvados "valores ocidentais"; ela oferecerá, nas palavras de Xi, "uma nova opção para outros países e nações que queiram acelerar o próprio desenvolvimento, sempre preservando a própria independência."



Xinhua até arriscou que "o século 21 provavelmente verá o capitalismo perder o poder de sedução, ao tempo em que avance o movimento socialista, liderado pela China".

Dizer que não descerá muito bem no goto do ocidente, especialmente nos EUA, pode ser o dizer-pouco do século – mesmo considerando que o sistema chinês está mais para "neoliberalismo com características chinesas" [o que não está correto (NTs)].

É iluminador cruzar o que aconteceu em Pequim e o que estava acontecendo em Washington à véspera da viagem do presidente Trump à Ásia, quando visitará a China, mas também o Japão, Coreia do Sul, Vietnã e Filipinas. Estarão sobre a mesa de discussão virtualmente todas as questões chaves no Pacífico Asiático.

Pacífico Asiático é onde há ação de verdade – geopoliticamente e geoeconomicamente. E mais uma vez a questão número um no campo da intratabilidade será a República Popular Democrática da Coreia, RPDC.

Em reunião recente com altos comandantes militares e chefes da inteligência dos EUA, Trump, referindo-se à RPDC, pediu que lhe apresentassem "ampla faixa de opções militares, quando necessárias, e muito rapidamente."

Por seu lado, Mattis chefe do Pentágono enfatizou que "o exército dos EUA deve estar pronto." Recomendou que seu público militar alvo leia This Kind of War de T.R. Fehrenbach – história da Guerra da Coreia 1950-1953, e até extraiu de lá uma frase que dá calafrios: "Você pode sobrevoar uma nação para sempre, pode bombardeá-la, atomizá-la, pulverizá-la e varrê-la da vida para sempre, limpando o terreno. Mas se você quer defendê-la (...) tem de defendê-la no chão, como fizeram as legiões romanas: metendo na lama os próprios jovens." 

Seja como for, a história real da reunião de Trump é a que se desenrolava por trás do palco, envolvendo tomadores de decisões business/econômicas chaves – podem chamá-los de alguns dos Masters of the Universe – como me revelou fonte de alto nível na inteligência, que conhece bem essas reuniões. As conclusões do debate foram então apresentadas diretamente a Trump, antes de sua visita à Ásia.

Sudetolândia, o retorno [ing. The Sudetenland revival]

A mesma fonte destacou que os atores mais importantes naquelas reuniões estavam familiarizados com "estrategistas chaves acima de Mattis, responsáveis pela maioria dos grandes programas de defesa dos EUA hoje ativados." Eles sabem, por exemplo, como "estamos atrasados quatro gerações ante os mísseis de defesa que fecham o espaço aéreo russo" – por mais que todos os 'especialistas' na Think-tank-e-lândia dos EUA persistam em estado de negação histérica.

A preocupação número 1 tem a ver com "a atual capacidade de satélites e mísseis da Coreia do Norte para detonar bombas nucleares sobre os EUA que destruam toda a infraestrutura eletrônica num ataque de pulso eletromagnético [ing. electromagnetic pulse (EMP)] que no período de um ano liquida 90% da população norte-americana. Faz sentido com declarações públicas de Putin, de que no futuro países minúsculos podem vir a adquirir a capacidade necessária para destruir superpotências."

Deve-se interpretar o comentário de Putin no sentido de a possível ameaça que a RPDC é hoje poder realmente afetar uma nação muito avançada, e afetá-la muito do que mais do que países do Sul Global; trata-se de dimensão completamente diferente, se comparada ao conceito antigo de "destruição (nuclear) mútua garantida" [ing. mutually assured (nuclear) destruction, MAD].

Na apresentação que fez ele próprio a Trump, Mattis destacou o ataque de pulso eletromagnético como "horror potencial além da imaginação". No prazo de 24 horas as prateleiras do Walmart estariam vazias. Toda a distribuição de comida pararia. Guerras de rua eclodiriam nos EUA, disputando comida. Pelas contas de Mattis, morreria 80% da população."

A discussão deslocou-se então para a questão de se a RPDC já tem mísseis balísticos disparados de submarinos [ing. submarine-launched ballistic missiles (SLBMs)]. Segundo Bruce Klingner de Heritage, a RPDC tem 20 submarinos da classe Romeo capazes de transportar SBLMs (têm alcance de 14.500km; a distância de Pyongyang a New York City é de 10.900km). OK, são velhos, construídos nos anos 1950s. Permanece aberta a questão de que avanços a RPDC teria conseguido no campo da miniaturização.

Naquele debate discutiu-se a possibilidade de a ameaça do Pulso Eletromagnético não passar de "vazamento que Mattis teria feito para justificar a tensão da guerra, ou para que China e Rússia assim o interpretassem. Mattis disse que os EUA perderiam 80% da população, conforme estudos do Pentágono, mas não há estudos que tenham ido tão longe. Mattis é homem que não tem qualquer noção estratégica, e deveria ter responsabilidades de no máximo funcionário raso da Marinha. É homem de talentos muito limitados."

Independente de qual seja a avaliação que Mattis faça, os grandes lá reunidos concordaram em que a mais alta preocupação é a miniaturização de uma bomba de hidrogênio disparada via satélites como ataque de pulso eletromagnético – mesmo considerando que não aconteceria em altas altitudes sobre a Terra e poderia, em teoria, ser neutralizado por mísseis terra-ar dos EUA.

Realmente interessante é que essa ameaça possível que viria da RPDC invocou o espectro da Sudetolândia.

"A analogia com a Sudetolândia foi um dos modos que os atores lá reunidos usaram para dizer que a 3ª Guerra Mundial já começou" – segundo a fonte. – "Minha interpretação foi que ali se referiam a ações da Coreia do Norte e a ações na Síria e na Ucrânia. Foram palavras deles, não minhas. Como se a Rússia tivesse ocupado a Crimeia ou estivesse exercendo sua influência sobre o Donbass. Ou que fez os EUA recuarem no Iraque e na Síria. A questão principal é que Rússia e China estão realmente fazendo recuar o espaço de influência dos EUA. Nesse sentido, a Coreia do Norte seria também um sudeto".

O que é claro é que o drama da RPDC está pressionando cada vez mais as alianças dos EUA, e não só no noroeste da Ásia. Segundo a fonte, "grande parte disso tudo tem a ver com a percepção muito disseminada de que o armamento dos EUA já foi ultrapassado pelas armas russas e chinesas. E que interesses exclusivos dos EUA, como impedir que a RPDC alcance os EUA, estão atropelando qualquer consideração que os EUA devem aos aliados. Essas estruturas de aliança estão-se despedaçando aí, na cara da opinião pública."

Em resumo, esse debate por trás do placo mostra o quanto o EUA-establishment está alarmado. Ninguém sabe o que Trump fará das conclusões que tenha recebido, agora que se prepara para pôr o pé na trilha da Ásia.

Wang Yang aparecerá para salvá-lo? 

A questão principal para o EUA-establishment é como encontrar qualquer tipo de equilíbrio na ação de quebrar ao meio a massa territorial eurasiana e impedir que China-Rússia a recolham num mesmo abraço de parceria estratégica. Dentre as táticas está um movimento pela ressurreição do Intermarium Plan de Pilsudski contra a Rússia e pela contenção da China, tentando seduzir Índia, Taiwan, Japão e Coreia do Sul. Hoje em dia já é Guerra Fria 2.0 clássica – mas dessa vez, com China e Rússia extraordinariamente mais fortes que as alianças tentadas contra elas e, para completar, constituídas como uma parceria estratégica eurasiana de competidores-parceiros.

O afastamento progressivo, simultaneamente, de China, Rússia e Alemanha (por exemplo, mediante sanções do Congresso dos EUA contra empresas alemãs por causa do [gasoduto] Ramo Norte 2 [ing. Nord Stream Two), não é apenas ato de insanidade estratégica de fato. O movimento acabará por forçar o trio de países a um realinhamento sólido, de longo prazo, pelo qual Washington será completamente afastada de toda a massa de terra eurasiana, para benefício da Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE [Belt and Road Initiative (BRI)] e suas derivações.

Na próxima reunião que terão em Pequim, cenário plausível é Xi sugerir a Trump a possibilidade de um acordo com Kim Jong-un – que pode levar eventualmente ao fim de fato da Guerra da Coreia (acordo que substituirá o armistício ainda vigente). O processo incluiria garantias bilaterais de segurança (que os EUA dariam e seriam endossadas/supervisionadas por Rússia e China) e um compromisso, dos EUA, de que não sancionaria qualquer tipo de abertura econômica, se a RPDC congelar sem exigências os testes de armas e mísseis balísticos intercontinentais. Xi seria uma espécie de avalista da RPDC. A questão é se Pyongyang aceitaria.

Em termos de realpolitik o governo Trump pode fazer bem pouco contra a RPDC, exceto trabalhar através de Pequim e Moscou para diluir a crise. Alguma ação já está em andamento via o chamado "canal New York", com Joseph Yun, negociador dos EUA para a Coreia do Norte, em conversações com diplomatas da missão da RPDC na ONU. Um possível ataque unilateral dos EUA contra a RPDC disparará a mesma Guerra Mundial de destruição total que o ataque visava, em tese, a evitar – como a China já explicou muito claramente.

Assim sendo, mais uma vez todos os olhos estão postos na China. Além de Xi, o homem a observar na ascensão ao poder dos sete membros do Comitê Central do Politburo é Wang Yang – número quatro na hierarquia, que agora se torna vice-premier executivo.

Wang foi presidente do Partido na metrópole de Chongqing e na província de Guangdong [Cantão] e vice-premier encarregado da agricultura e comércio exterior. É o mais graduado funcionário chinês nos contatos com Washington sobre economia e comércio – e pode afinal ter sido posto no trabalho talhado para ele: convencer a Equipe Trump, com muita diplomacia chinesa, de que negociar com a RPDC é realmente bom negócio.

É via mais sedutora que o inferno do Pulso Eletromagnético.*****


3 comentários:

  1. É um erro considerar a China e a Coreia do Norte regimes comunistas. A China é um capitalismo de estado industrial e mercantilista, em oposição à Europa e EUA, capitalismos de mercado (neo)liberais.

    O mercantilismo de estado remonta aos primórdios do capitalismo, com as monarquias absolutistas. É a maneira que a China encontrou para tirar o atraso (e agora ultrapassar) o Ocidente industrializado.

    Mas não se trata de uma disputa entre comunismo x capitalismo, e sim entre dois modelos de capitalismo. Para além da competição ferrenha entre China e EUA (Ocidente e Ásia), estes blocos são interdependentes e subordinados ao capital globalizado, sob a forma de finanças e corporações.

    Por isso, a briga não é pela vitória sobre o outro e sim pela hegemonia: qual bloco dará as cartas no capitalismo mundial e se tornará o representando do capital global?

    Mas por trás de tudo isso, uma grande crise está se armando sob o solo pantanoso do capitalismo global, e desta vez é provável que ninguém se safará, nem ocidente, nem oriente.

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  2. bem observado, Wilson... mas acho que a China ainda não botou todas as cartas na mesa...

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