sábado, 4 de novembro de 2017

Esquerda no mundo: Annus Horribilis

3/11/2017, State of the Left [ing. "Estado da Esquerda"], Londres

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




Reitores regulares de State of the Left não precisam que ninguém os faça lembrar que com lamentável alta frequência, de país em país, eleições após eleições, nos últimos tempos as urnas só têm feito destruir todas as esperanças de progresso social que houvesse.


Desde nosso último boletim, mais dois países europeus caminham para perder primeiros-ministros social-democratas, depois de submetidos às urnas. Através da nuvem das lágrimas dos progressistas, já se consegue ver um padrão bem claro – as políticas de coalizão têm-se mostrado catastróficas para o futuro eleitoral dos progressistas.

A 'morte por grande coalizão' já é perigo real e muito presente. Como os despachos dessa semana mostram, ao se deixar empurrar pela matemática eleitoral para deitar com o inimigo conservador, fica-se condenado a consumir toda a campanha eleitoral falando mal dos próprios associados, o que é péssimo para a própria campanha, como rapidamente se comprova no dia das eleições.

Na Áustria, o chanceler Christian Kern ainda deu jeito de conservar os votos e os lugares dos social-democratas do SPÖ no Parlamento, mas a frustração dos eleitores depois de uma década de grande coalizão impulsionou-os claramente para a direita. Foi como se os eleitores realmente quisessem romper o laço maldito que forçou direita e esquerda a governarem juntas, cada lado sempre frustrado por não ver avançar a agenda de governo que cada lado supôs que tivesse posto no poder.

Escrevendo de Viena, Eva Maltschnig vê boas chances para os social-democratas na oposição. Livre das algemas de ter de manter unida uma coalizão fraturada, cinco anos na oposição podem dar ao partido oportunidade para se regenerar. Esse tempo dá ao partido, especialmente, a chance de desenvolver meios convincentes para alcançar os objetivos chaves do próprio programa: reintroduzir o imposto sobre herança, transferir a carga da contribuição social, do trabalho para o capital; expandir oday care e criar incentivos para contratar trabalhadores mais idosos.

Do outro lado da fronteira, na Alemanha, SPD também sofreu o efeito estrangulante de dois mandatos em grande coalizão – no caso dos social-democratas alemães, como sócio minoritário – com seus tradicionais adversários conservadores, e levou uma surra nas eleições federais. Ainda tratando as próprias feridas, o partido recebeu uma injeção de reanimação ao vencer as eleições no estado-chave da Baixa Saxônia. Mas ao analisar o resultado Florian Ranft diz temer que a injeção de ânimo, nesse caso, acabe por revelar-se o avesso disso, se atrasar ainda mais o processo vital de reformas.

Parece que já se passaram eras desde que os Trabalhistas alemães pagaram alto preço pelo erro de unir forças com a direita, quando as eleições de março lhes renderam o pior resultado de toda a história do partido e apenas nove miseráveis deputados. Exatamente como na Irlanda um ano antes, onde os eleitores ignoraram o argumento moral ('os Trabalhistas fizeram a coisa certa' enquanto estiveram no governo) e manifestaram seu claro repúdio e declarada fúria contra o que interpretaram como traição aos valores do próprio partido.

Demarcando novo recorde nos Países Baixos, a formação do novo governo demorou 224 dias, e só agora os ministros Trabalhistas deixaram o governo. Com o partido iniciando a tarefa gigantesca de reconstrução, Bart Van Bruggen explica como a cooperação entre forças da esquerda pode ser a resposta à questão de como desafiar a nova e desconfortável coalizão, que vai da União Cristã conservadora aos sociais liberais D66.

Na República Tcheca, o ČSSD entrou nas eleições de outubro no cargo de primeiro-ministro, e delas saiu na 6ª posição – abaixo até do Partido Pirata e dos Comunistas, que conseguiram pôr no 1º lugar, com facilidade, o seu ex-parceiro de direita, ANO. Stijn Croes indaga o que poderia acontecer de pior à esquerda tchecadepois dessa derrota acachapante e com o partido profundamente dividido.

O partido Socialista do Chile foi chave para assegurar ao país uma era pós-Pinochet de paz e prosperidade. Mas agora que se aproximam eleições presidenciais, uma esquerda dividida só deve esperar futuro muito decepcionante. Como escreve Robert Funk, esse é o desafio diante do qual está a esquerda, no Chile e em vários pontos do mundo.

O partido parece ter perdido sua base histórica e não tem ideia de o que fazer para reconquistá-la. A moderação não funcionou, mas tampouco funcionou o neopopulismo. Será que a esquerda deve olhar para o passado, em busca de soluções para novos problemas? Deve manter-se aderida a uma estreita base de 'fiéis', ou tenta ampliar o próprio projeto?

Os jornais australianos, sempre felizes quando veem confusão entre seus rivais do outro lado da Tasmânia, apelidaram o novo governo de maioria Trabalhista da Nova Zelândia, de 'coalizão de perdedores'. Pela primeira vez desde que o país adotou a representação proporcional em 1993, o partido com o maior número de deputados não conseguiu formar o governo.

Mas o partido Trabalhista de Jacinda Ardern parece mais uma 'coalizão de gente que faz'. E só tem uma semana. Como Josie Pagani explica o Labour no poder tem agenda positiva de construção nacional, mas na oposição afastou muitos apoiadores dessa agenda, porque atuou mais como partido de engenharia social, não de mobilidade social. No governo, terá de se manter ativo no serviço de autêntico partido Trabalhista – que existe para melhorar as condições de vida das pessoas.*****

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