sábado, 4 de novembro de 2017

Hora de autoexame geopolítico radical para Israel, por Sharmine Narwani

6/9/2017, Sharmine Narwani, The American Conservative

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




Telavive passou por semanas difíceis. Um equilíbrio de poder que lhe havia sido favorável mudou repentinamente, numa direção que amarra as asas de Israel – e bem quando adversários que operam junto às fronteiras vão obtendo rápidos ganhos estratégicos.


No centro da questão está a obsessão de Israel com a ascendência iraniana na região. O acordo nuclear de 2015 que pôs fim ao isolamento da República Islâmica foi duro revés para o establishment israelense, mas o que realmente atingiu em cheio nesse verão, e dentro do país, foi uma longa sucessão de vitórias políticas e militares do governo sírio de Bashar al-Assad e seus aliados, Irã e Hezbollah.

Diante disso, agentes do poder israelense correram aos EUA e à Rússia, para tentar recuperar parte, que fosse, da alavancagem com que Israel contava em solo.

Voltaram de Washington com as mãos vazias, sem terem conseguido arrancar garantias de que tropas iranianas e de aliados seus seriam mantidas fora do sul da Síria, onde EUA e Rússia implantaram em julho uma zona de desescalada, próxima da fronteira de Israel.

As conversações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de Israel, com o presidente russo Vladimir Putin em Sochi também não levaram a coisa alguma. Relatos russos daquelas conversações falam de um Netanyahu altamente "agitado" e "emocional", que ouviu em termos bem claros, de um Putin calmíssimo: "O Irã é aliado estratégico da Rússia no Oriente Médio." A Netanyahu, Putin ofereceu o que, comparativamente, foram como migalhas: "Israel também é importante parceiro da Rússia na região."

Depois daquela reunião, o primeiro-ministro e outras autoridades de Israel passaram à ofensiva, prometendo que "nos defenderemos por todos os meios" contra as ambições do Irã na Síria e ameaçando ataques militares contra "o palácio [de Assad] em Damasco."

Mas é claro que os russos não esqueceram que, pouco depois do último encontro entre Netanyahu e Putin, em março, Israel lançou ataques contra o aliado sírio dos russos, um dos quais aconteceu perigosamente próximo de soldados russos.

Dessa vez, parece que Putin tratou logo de demarcar novas linhas vermelhas diante de Israel. Logo depois do encontro com Netanyahu, os russos anunciaram a instalação de um sistema unificado de defesa aérea com a Síria, "capaz de destruir alvos até a 400 quilômetros de distância e em altitudes de até 35 quilômetros."

Pois nem assim pararam as ameaças israelenses. Assim sendo, o que explica o pânico em Israel e bem agora? E por que escalaram tão repentinamente?

Líbano: Semana passada, o Hezbollah, as Forças Armadas Libanesas [ing. Lebanese Armed Forces (LAF)] e o Exército Árabe Sírio [ing. Syrian Arab Army (SAA)] puseram fim a um capítulo dos anos de ocupação do Líbano oriental pelo ISIS e grupos terroristas afiliados a Al Qaeda e al-Nusra. As três forças lançaram impressionante ofensiva militar que desalojou toda a frente al-Nusra em apenas seis dias, e o ISIS em nove – incluído o tempo consumido em negociações.

O secretário-geral do Hezbollah Hassan Nasrallah definiu a bem-sucedida operação antiterroristas como "a Segunda Libertação" – a primeira tendo sido a libertação do Líbano, e expulsão das forças israelenses de ocupação, em 2000.

Nos anos que antecederam aquela batalha, o Hezbollah e as LAF coordenaram seus esforços antiterrorismo no Líbano, colaboração sem precedentes que foi ressentida como ultraje por israelenses e por norte-americanos. Os EUA dão treinamento e armamento às LAF, mas considera o grupo da Resistência libanesa como organização terrorista, apesar de o Hezbollah participar do gabinete e do Parlamento libanês.

A libertação da área estratégica da fronteira libanês-síria não resultou só em deixar livres as forças do Hezbollah para se deslocarem para outros fronts – inclusive para a fronteira sul com Israel –, mas também, e muito importante, é agora a primeira fronteira síria completa que o Exército Árabe Síria recupera, contra os terroristas, desde o início da crise síria.

"O inimigo [Israel]" – Nasrallah anunciou depois do combate – "está chorando seus órfãos e reconhece a derrota de seu projeto e de seus amigos na Síria."

Síria: O líder do Hezbollah pode ter razão. Fora da fortaleza do ISIS no leste da Síria onde perdeu milhares de quilômetros quadrados para o Exército Árabe Sírio e aliados, o grupo terrorista ocupa apenas uma pequena porção remanescente de território junto à fronteira das Colinas do Golan ocupadas por Israel. Naquela área no sudoeste da Síria também há vários outros grupos militantes, principalmente da Frente al-Nusra, cujos militantes feridosforam tratados por médicos israelenses durante grande parte do conflito.

Os israelenses, que como se sabe lançou dúzias de ataques contra forças aliadas dos sírios durante todo o conflito, raramente atacaram al-Nusra ou oISIS. Em 2016, o ministro da Defesa de Israel, Moshe Yaalon, ganhou manchetes quando disse que "na Síria, se a escolha é entre o Irã e o Estado Islâmico, escolho o Estado Islâmico." Alguns, na comunidade política israelense, apoiaram essa linha. Relatório recente de um think-tank israelense, intitulado "The Destruction of Islamic State is a Strategic Mistake" [A destruição do Estado Islâmico é erro estratégico] advoga a favor de o ISIS ser mantido por perto, para "conter o movimento iraniano de buscar hegemonia regional". 

Dada a fixação dos israelenses com conter a influência do Irã, não surpreende que as recentes vitórias da Síria sobre o ISIS tenha feito soar os sinais de alarme em Telavive.

Soma-se aos revezes que Israel sofreu também o acordo EUA-Rússia para desescalada, que acaba com a capacidade dos militantes para combater forças aliadas dos sírios em torno de Quneitra (Golan sírio), Daraa e As-Suwayda – áreas agora policiadas por aliados russos da Síria.

Jordânia: Em Amã, acaba de ser lançado um centro conjunto de monitoramento da desescalada para essa zona sul, o qual provavelmente forçará os jordanianos a garantir a segurança e normalizar sua fronteira norte com a Síria. Mais cedo, nesse verão, os jordanianos estavam alinhados numa aliança liderada por sauditas (e com apoio de Israel), principalmente de estados muçulmanos sunitas interessados em conter a influência regional do Irã. Naquela ocasião, a Jordânia insistiu estridentemente em que se removessem de sua fronteira com a Síria os combatentes apoiados pelo Irã. 

Mas atualmente aquela "OTAN árabe" já colapsou, destroçada por calorosas disputas dentro do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), e os jordanianos parecem estar recalibrando sua posição regional, para aceitar a visão de "zona de desescalada" criada por Rússia, Turquia e, claro, Irã.

Os termos do acordo de desescalada no sul firmado entre EUA e Rússia são secretos, mas o que se diz é que não há linguagem específica para diminuir o papel do Irã, do Hezbollah e das milícias a eles aliadas na Síria.

Implica que Israel já não pode contar com militantes islamistas para obstruir o controle, pelo Estado sírio, sobre o sul. Significa também que a Jordânia, que recentemente, na semana passada, afinal reabriu seu posto de passagem de fronteira com o Iraque, em Trebil, movimenta-se agora na direção de reabrir também a passagem de Nasib, na fronteira com a Síria. Os dividendos comerciais dessas duas ações podem contribuir com algo entre $1-2 bilhões para os exauridos cofres da Jordânia – saudável incentivo para que os jordanianos sejam gentis com a Síria.

Turquia: A "diversificação" política e de segurança da Jordânia vem diretamente depois de uma visita que fez a Amã o presidente Recep Tayyip Erdoğan da Turquia, noutros tempos o mais vociferante crítico regional de Bashar al-Assad, e grande fornecedor de armas e de combatentes islamistas para o teatro militar na Síria.

Erdoğan está de volta ao jogo com russos e iranianos, depois de brincar por algum tempo com o projeto saudita de uma "OTAN Árabe" dirigida contra o Irã. A mídia jordaniana fala até de o presidente turco ter-se oferecido para coordenar a mediação com o Irã, para reduzir as dúvidas que a Jordânia ainda tivesse sobre a área de desescalada.

Mas o que explica toda essa transformação?

Embora Erdoğan não tenha abraçado explicitamente uma Síria governada por Assad ou algum papel ativo dos iranianos ao sul de suas fronteiras, há dois desenvolvimentos regionais urgentes que suavizaram sua posição e o trouxeram de volta à órbita iraniano-russa.

O primeiro deles é a grave crise política que envolve os estados que compõem o Conselho de Cooperação do Golfo, e que pôs Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrain contra o Qatar. Como seu aliado turco, o Qatar tem sido um dos principais apoiadores da Fraternidade Muçulmana, e trabalha a favor de uma agenda diversificada de política exterior – a qual inclui relações políticas e econômicas com o Irã.

Os conflitos no CCG criaram ainda mais divisões na região, onde, até recentemente, só havia um campo pró-Irã e um campo pró-sauditas. Agora, Turquia e Qatar formam um terceiro campo, e têm buscado mitigar as pressões sauditas-EAU mediante o reengajamento com Irã e seus aliados.

O segundo ímpeto vem do ininterrupto apoio que Washington insiste em dar aos combatentes predominantemente curdos das Forças Sírias Democráticas no norte da Síria. Erdoğan tem pedido aos norte-americanos que cortem o apoio que dão àqueles curdos, os quais são, antes de tudo, sírios ligados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (tu. PKK) na Turquia, grupo que as duas capitais, Ancara e Washington listam como organização terrorista.

Os norte-americanos têm ignorado os pedidos de Erdoğan, e as Forças Democráticas Sírias sinalizaram que aspiram a ocupar e a federalizar todo o norte da Síria – do Iraque ao Mediterrâneo – área que se estende ao longo da fronteira turca.

Nesse ponto, Ancara agora tem uma causa comum com Teerã, Bagdá e Damasco – todas essas capitais que se opõem veementemente às aspirações nacionais curdas. Esse realinhamento acontece tendo como pano de fundo um referendum curdo para decidir sobre a independência no Iraque [realizado no final de setembro], ao qual se opõem as quatro capitais. Israel, que mantém laços próximos com o governo curdo em Erbil, é o único país que, até agora, apoia o referendum. O Curdistão é assunto de interesse estratégico para Telavive. 

Afinal de contas, o estabelecimento de entidades federais curdas na Síria e no Iraque sempre significará fracionar e enfraquecer aqueles dois estados árabes. Também importante, essas entidades curdas, se vierem a se estabelecer, podem servir como tampões geográficos que impeçam o fácil acesso do Irã às fronteiras de Israel.

Por tudo isso, o reengajamento da Turquia com Irã e Rússia não apenas contribui para a estabilidade do estado sírio, mas também opera como cunha a travar o projeto israelense de ter ali um Curdistão independente.

Hamas: O "Eixo da Resistência" começou como clube de quatro: Irã, Síria, Hezbollah e Hamas. Mas objetivos conflitantes na Síria afastaram do grupo o Hamas – até agora. A nova liderança do Hamas está priorizando relações neutras com todos os estados regionais, e tem interesse em reconfigurar as relações e os financiamentos que têm favorecido o Estado Islâmico.

Semana passada, o chefe do gabinete político do Hamas em Gaza, Yahya Senwar, anunciou: "O Irã é o principal apoiador das Brigadas Ezzedine al-Qassam [o braço militar do Hamas] em termos de apoio financeiro e apoio com armamentos" – e manifestou otimismo de que "a crise síria termine, para que se abram os horizontes para restaurar relações [com a Síria]."

Para Israel, isso tudo significa que a ravina que separava o Irã e a Faixa de Gaza governada pelo Hamas foi superada, e que armas e ajuda voltarão a fluir sem impedimentos para o grupo da Resistência palestina.

Eventos sobre as fronteiras oeste, norte e leste de Israel esfacelaram repentinamente – numa poucas semanas apenas – o equilíbrio geopolítico que antes favorecia Telavive. Há apenas poucas semanas, a Síria se desintegrava, o Iraque se fragmentava, o Líbano estava superdistendido e Gaza combatia sozinha.

Hoje, a probabilidade de o Irã vir a poder contar com um corredor contínuo de terra entre suas fronteiras e o território ocupado do Golan é maior do que jamais antes. O Eixo da Resistência ganhou tremenda experiência militar ao longo dos últimos seis anos na Síria, Iraque e Líbano – e, ainda mais importante, fez o que fez por ação coordenada de tropas, inteligência e planos de combate a partir de um centro de comando unificado, pela primeira vez na história do "Partido de Deus", como parte de uma aliança. 

Além disso, o Eixo da Resistência recebe hoje cobertura política internacional de dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, Rússia e China. Os russos têm considerável experiência no campo de batalha ao lado de três membros do Eixo da Resistência, e os chineses mal podem esperar para expandir sua visão econômica também para esses estados da Ásia Ocidental, com o Irã como nodo crucialmente importante de oleodutos e gasodutos.

Todos esses países caminham ativamente na direção de extinguir o terrorismo regional e reconstruir as respectivas sociedades e infraestrutura. E Israel será deixada para trás, ao relento. 

Mas com as opções para Israel cada vez mais apertadas, os planos militares, esses, passam a receber cada dia maior atenção. Entre a cenoura e o porrete, os israelenses sempre gravitam mais automaticamente na direção do porrete, e guerra de agressão contra o Líbano e contra Gaza, ou ataques diretos contra a Síria, não estão descartados.

O Hezbollah continua a exigir a devolução dos territórios libaneses que permanecem ocupados por Israel, as Fazendas Shebaa e as colinas Kfarshuba; e a Síria, tão logo se sinta outra vez firme sobre os próprios pés, também exigirá a devolução do Golan. Ambos fazem hoje as suas reivindicações, de uma posição muito fortalecida nesse novo Oriente Médio. Mas a questão permanece: E Israel? Saberá reconhecer esse novo ambiente?*****



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