sexta-feira, 10 de novembro de 2017

RussiaGate: Autodetonação do soft power da ex-grande potência




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




A obsessão dos EUA com 'provar' uma suposta "interferência dos russos" na eleição de 2016 e a subsequente detonação das instituições dos EUA resultante daquela obsessão entrarão para a história como o ato de suicídio do soft-power da ex-grande potência.

Os EUA consumiram décadas construindo a própria reputação de superpotência do soft power como "terra dos livres", autorretratando-se como a sociedade mais "democrática" do mundo. Agora, em apenas 12 meses, os EUA estão entregando dramaticamente sem luta todo o trabalho de várias gerações empenhadas em construir o soft power nacional. É o tempo durante o qual a mídia-empresa comercial construiu o escândalo chamado "RussiaGate" e o converteu numa inquisição institucional.

Presume-se que cada leitor já está em termos gerais consciente do que se passa e por que, a saber: que elementos hostis das burocracias militar, de inteligência e da diplomacia dos EUA (chamado "o estado profundo"), em total colusão com a Academia, a mídia empresa dominante e Hollywood, trabalham veementemente para subverter a surpreendente vitória eleitoral de Trump, sob a acusação de que Trump só teria vencido 'porque' teria recebido o apoio clandestino do Kremlin.

É narrativa completamente falsa, que todos os dias é desmentida cada vez que cai a mais recente acusação inventada. 

Porém, em vez de tentar construir outra e melhor abordagem política para dificultar a presidência de Trump, os Democratas e seu "estado profundo" nunca abandonam a linha inicial da mesma velha narrativa. 

Nesse processo, os Democratas já infligiram dano irreparável de soft power contra o prestígio internacional dos EUA. O país que um dia foi a superpotência jamais questionada do mundo está, nisso, claramente, cometendo suicídio com armas de soft power e em apenas um ano. Já confirmou todas as velhas "teorias da conspiração" que no passado tanto custou desqualificar. E já desmascarou e autoexpôs praticamente todas as próprias campanhas norte-americanas de 'informação' internacional como amontoados de mentiras. Com isso, os próprios Democratas já desmentiram a própria essência do "Excepcionalismo norte-americano."

O "estado profundo"

Considere-se por exemplo a existência do "estado profundo", que nenhum observador objetivo jamais contestaria que seja, em primeiro lugar, uma "teoria da conspiração", porque é apenas um método para analisar as rivalidades entre elites dentro de um dado país. Ainda assim, os EUA e seus asseclas vêm insistindo consistentemente há anos que "estado profundo" jamais existiu, não, pelo menos, nos EUA. E que cada vez que a ideia foi levada às massas globais pela mídia mainstream, o tal "estado profundo" sempre foi apresentada numa ação na qual forças "democráticas" ou "ocidentais" lutassem contra forças "do autoritarismo", sempre em país estrangeiro. 

Só bem raras vezes sugeriu-se que houvesse interesses corruptos por trás daquela rivalidade, e quase sempre em casos nos quais um governo ocidental estivesse implicado, por efeito de algum tipo de comportamento escandaloso. Mas, de modo geral, o "pensamento de grupo" prevalecente dentre os modos de pensar que os EUA impõem sempre foi que não existiria "estado profundo" nos EUA.

Hoje contudo já ninguém pode refutar que elementos do "estado profundo" estão sabotando a presidência de Trump. E a consequência mais imediata disso é que as massas globais começam a perceber que a narrativa anterior, promovida pela mídia mainstream – que negava a existência do "estado profundo" nos EUA – nunca passou de descarada mentira. E que não só o "estado profundo" sempre existiu, como, para piorar, sempre conspirou para desacreditar qualquer um que, antes, tenha ventilar o tema.

Manipulação das mídias sociais 

Outra "teoria da conspiração" que o escândalo RussiaGate afinal prova e comprova é que o governo dos EUA afinal reconheceu que os eleitores podem, sim, ser manipulados pelas mídias sociais. 

Rússia, China, Irã e outros países há muito tempo alegam que a manipulação existe e é efetiva, mas são invariavelmente atacados como "ditaduras antiocidente" no discurso da mídia-empresa comercial norte-americana mainstream. A mensagem implícita nos ataques sempre foi que aqueles países estariam inventando as tais ameaças, para criar um pretexto para "atacar mortalmente a democracia e a livre manifestação do pensamento".

EUA e seus asseclas nunca levaram a sério a Rússia ou aqueles demais países, quando diziam que as pessoas podem ser manipuladas por serviços de inteligência estrangeiros que se sirvam das mídias sociais. Até que, repentinamente, sem mais nem menos, Washington esquece tudo que sempre disse e passa a garantir que Moscou seria capaz de fazer precisamente o que ontem os EUA diziam que seria impossível... 

Mas Washington não se dá o trabalho de explicar por que, se Moscou pode manipular cidadãos, a CIA não pode também manipulá-los pela mesma via e em todo o planeta.

Assim como acaba de ser desmoralizada a teoria segundo a qual não existiria o "estado profundo", assim também está sendo detonada a velha "teoria da conspiração" segundo a qual não haveria manipulação pelas mídias sociais. 

Fato é que a manipulação é possível e existe, como se comprova hoje, quando alguns elementos dentro do governo dos EUA resolveram fazer guerra a outros elementos dentro do mesmo governo, para derrubar Trump.

Massas desorientadas 

Daí que, se a Rússia poderia ter manipulado as massas, a ponto de ser acusada de as ter feito votar contra o próprio desejo 'natural' (que seria Clinton, segundo esse 'raciocínio'), por mais que o governo dos EUA tenha repetido que as massas não seriam influenciáveis (argumento com o qual os EUA sempre 'provaram' que a CIA não influencia massa alguma pelo mundo), fica assim provado que todos os povos do mundo são influenciáveis, inclusive os norte-americanos, os mais "democraticamente iluminados" do planeta.

Se se pudesse crer na falsa narrativa 'jornalística', nesse caso o serviço dos russos, de 'armar' e 'aparelhar' as mídias sociais foi tão bem feito e tão bem-sucedido que milhões e milhões de norte-americanos teriam sido arrastados a eleger Trump! Com isso se desmontaram pelo menos 18 anos de "condicionamento democrático" – e os infelizes norte-americanos acabaram sem defesas, levados a eleger o candidato preferido do "ditador" russo. 

Claro que nada disso aconteceu assim. Mas o fato de tantas vozes de destaque nos EUA estarem inferindo esse tipo de 'desenvolvimento' é suficiente indício de que até o "estado profundo" dos EUA (o qual oficialmente não existia até que Trump foi eleito e assumiu a presidência) está convencido que os norte-americanos são estúpidos.

E aí desaba outro pilar do qual depende o soft power norte-americano, com o "estado profundo" dedicado em tempo integral a atacar Trump, sem considerar o profundo dano colateral que inflige à reputação internacional dos próprios EUA.

Democracia imperfeita 

Muitos em todo o mundo sabem, uns mais profundamente, outros menos, que a Democracia Norte-americana é cheia de imperfeições. Mesmo assim, sempre foi considerada superior aos demais sistemas que competem com ela. Afinal, como se diz, se não fosse democracia efetiva, o correspondente modelo de governo não sobreviveria até hoje, nem tantas guerras se fariam contra povos em todo o mundo, para disseminar a ferro e fogo o modelo norte-americano de governo... 

O controverso Colégio Eleitoral é dado por característica tipicamente norte-americana e, por essa razão, é extraído do "pacote para exportação". 

Mas à parte essa e outras poucas questões (os supercomitês partidários para arrecadação de fundos, a ação dos lobbyistas profissionais legais, etc.), os outros pontos em que a Democracia Norte-americana dá sinal de falência e fracasso nunca haviam sido tão expostos. Quero dizer: até que Trump foi eleito e tomou posse.

Ao longo de toda a inquisição chamada RussiaGate, o mundo descobriu que o "estado profundo" existe e é muito ativo nos EUA; que as mídias sociais e outras são instrumentos de manipulação das massas; e que as infelizes massas podem ser encaminhadas diretamente para o abismo. É quando desabam totalmente todos os pilares do soft power norte-americano. E assim se prova que há modelo democrático alternativo e até mais potente – precisamente o modelo russo! O único que conseguiu demonstrar as imperfeições da democracia norte-americana e sobreviveu para contar a história. 

A história a contar aí é que a "democracia norte-americana" é imperfeita, eivada de defeitos, como, de resto, são todos os governos em todo o mundo. E que nenhuma guerra, nenhuma violência jamais se justificará, se o objetivo for 'ensinar' a outros povos, 'democracia' tão ruim quanto a que outros povos já tenham, se não for ainda pior.

Grande parte da sedução que os EUA exerceram sobre o mundo dependeu durante anos do "brilho revolucionário" do modelo norte-americano de governo, o qual se supunha que garantiria que todos os cidadãos conseguiriam "realizar o próprio sonho" na "terra dos livres". 

Agora já se vê que o 'núcleo duro' do chamado "Excepcionalismo norte-americano" jamais passou de efeito efêmero de uma operação de perception management [gerenciamento das percepções]. E efeito já tão desgastado e já tão sem qualquer base na realidade, que aconteceu de toda aquela operação ser exposta e desmascarada, surpreendentemente, pela própria elite norte-americana.*****

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