29/12/2017, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
O leitmotif da política exterior dos EUA em 2018 será uma tentativa de última fronteira para 'conter' o ressurgimento da Rússia no cenário mundial. O 'relatório anual' do secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson no New York Times na 4ª-feira deixa isso abundantemente claro. Tillerson destacou China, Rússia e Irã, mas reservou suas palavras mais duras para a Rússia. Eis o que escreveu:
Sobre a Rússia, não temos ilusões quanto ao regime com o qual lidamos. Os EUA hoje têm relações pobres com uma Rússia ressurgente, que invadiu países vizinhos – a Geórgia e a Ucrânia – na última década e minou a soberania de nações ocidentais, intrometendo-se nas nossas eleições e em eleições de outros. A indicação de Kurt Volker, ex-embaixador na OTAN, para o posto de representante especial para a Ucrânia reflete nosso compromisso com restaurar a soberania e a integridade territorial do país. Sem resolução pacífica da situação na Ucrânia, que deve começar com a Rússia aderindo aos Acordos de Minsk, não pode haver negócios normais com a Rússia.
Tillerson soou surpreendentemente retroativo em relação à. Destacou os "interesses dos EUA" no relacionamento com a China e mencionou temas chaves – a alavancagem de Pequim sobre a Coreia do Norte, comércio, direitos de propriedade intelectual e "atividades militares incômodas no Mar do Sul da China e noutros locais". Mas considerou o surgimento da China numa perspectiva de longo prazo, com gestão "cuidadosa" do relacionamento "para os próximos 50 anos." Nas palavras de Tillerson,
Componente central de nossa estratégia para a Coreia do Norte é persuadir a China a exercer seu poder de alavancagem econômica decisiva sobre Pyongyang. A China aplicou algumas importantes sanções e proibições, mas pode e deve fazer mais. Também continuaremos a perseguir interesses dos EUA em outras áreas de nosso relacionamento, incluindo os desequilíbrios no comércio, o roubo de propriedade intelectual e preocupantes atividades da China no Mar do Sul da China e noutros pontos. A ascensão da China como potência econômica e militar exige que Washington e Pequim considerem cuidadosamente o modo de administrar nosso relacionamento para os próximos 50 anos.
Claro, Pequim reagiu com gentileza: "China e EUA partilham ampla gama de interesses comuns, apesar de algumas diferenças. Mas nossos interesses comuns superam em muito nossas diferenças. A cooperação China-EUA conforma-se aos interesses fundamentais dos dois países e do mundo em geral, e cooperar é a única escolha certa para nós. No que tenha a ver com desacordos, devemos buscar resolvê-los de modo construtivo, baseado no respeito mútuo, de modo a evitar interromper o desenvolvimento de relações bilaterais de longo prazo. Esperamos que os EUA possam trabalhar com a China para focar a cooperação e lidar com as diferenças sobre uma base de respeito mútuo, para que relações bilaterais possam avançar de modo firme e constante."
Ucrânia será o "ponto quente" das relações EUA-Rússia ano que vem. 2017 está terminando, com o governo Trump levantando as restrições ao fornecimento de armamento letal à Ucrânia. Já atravessou o Rubicão. A Rússia vigiará de bem perto, acompanhando o modo como se desenvolve a ajuda militar dos EUA a Kiev. Os russos absolutamente não deixarão passar sem resposta qualquer tentativa dos EUA para alterar o equilíbrio militar no Donbass.
Enquanto isso, não se deve descartar a possibilidade de que os EUA imponham sanções punitivas à Rússia em 2018. Herman Gref, chefe-executivo do Sberbank e voz influente entre as elites em Moscou, disse ao Financial Times essa semana que, se forem imposta sanções duras – contra oligarcas russos e/eu empresas estatais russas –, a situação "fará a Guerra Fria parecer brincadeira de crianças."
Em entrevista com Interfax na 5ª-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov disse que Moscou confia em "abordagens pragmáticas e avaliações realistas" vis-à-vis os EUA. "Não acalentamos quaisquer ilusões (...). Responderemos a qualquer ação hostil contra a Rússia e nossos cidadãos do modo que seja melhor para nós (...). De fato, quanto antes alguns políticos norte-americanos perderem as ilusões de que a Rússia possa ser dobrada por medidas restritivas, ou algum show de força, melhor para todos, inclusive para eles."
A questão crucial é que os EUA não têm qualquer poder de alavancagem sobre a Rússia – tampouco sobre China e Irã, por falar disso. O artigo de Tillerson passa a impressão de superpotência incapaz de qualquer ato decisivo. Até a referência ao Paquistão mostra insegurança: "O Paquistão deve contribuir dando combate a grupos terroristas em seu território. Estamos preparados para uma parceria com o Paquistão para derrotar organizações terroristas que buscam paraíso seguro, mas o Paquistão tem de dar sinal de que deseja ser nosso parceiro."
Os EUA não tem mapa do caminho que mereça confiança. Na verdade, a guerra fria contra a China continuará, mas especialistas indianos não devem ficar muito entusiasmados com a ideia de que 2018 seja ano "cinético" naquela paróquia do Indo-Pacífico. O governo Trump não tem como controlar aquela guerra fria. Basicamente, os EUA têm 3 opções: conter a ascensão da China como potência militar: fazer recuar a influência econômica da China mediante uma aliança regional liderada pelos EUA como o acordo da Parceria Trans-Pacífico; ou aceitar a ascensão da China e partilhar com ela a ordem internacional, como participante. Caso é que Washington não tem estratégia que se consiga identificar.
Isso posto, os EUA atolarão na Eurásia e no Oriente Médio, dois teatros – que são também inter-relacionados. Que ninguém se engane: a Rússia está decidida a fazer avançar um acordo na Síria, em 2018. E derrota nesse campo, diante da comunidade internacional, será pílula bem amarga de engolir, para o establishment do Departamento de Estado dos EUA. Moscou anunciou essa semana que a base naval em Tartus e a base aérea Hmeimim na Síria serão expandidas e convertidas em bases permanentes com capacidade para abrigar navios e aeronaves armados com recursos nucleares. É sinal de projeção de poder, muito mais ampla do que a União Soviética algum dia conseguiu no Oriente Médio.
Com mais seis anos de renovado mandato como presidente, depois das eleições de 18 de março na Rússia Vladimir Putin será o macho alfa. Interessante: até a data da eleição é muito simbólica e transborda o desafio estratégico contra os EUA: dia 18 de março comemoram-se quatro anos da reintegração da Crimeia à Federação Russa!*****
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