terça-feira, 16 de janeiro de 2018

EUA e Israel escalam a guerra híbrida na Síria

9/1/2018, MK Bhadrakumar, Indian Punchline


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




A base aérea russa na Síria, Hmeymim, e a base naval em Tartus foram simultaneamente atacadas por drones no sábado. O sistema russo avançado de defesas aéreas conteve o ataque, que veio sob forma de uma onda de 13 drones, e – muito interessante – três deles foram pousados intactos.

Depois de 48 horas de análise detalhada cuidadosa do incidente, o Ministério de Defesa da Rússia em Moscou distribuiu uma declaração, na 2ª-feira:


Ainda nas horas escuras da noite, as instalações de defesas aéreas da Rússia determinaram que 13 alvos aéreos de pequeno porte controlados remotamente aproximavam-se de locais de instalações militares russas. Dez objetos aéreos dirigidos remotamente aproximavam-se da base aérea Hmeymim, e mais três –, do centro logístico de Tartus.

As soluções usadas pelos terroristas no ataque contra instalações russas só podem ter sido recebidas de país que tenha alto potencial tecnológico para prover [informações de] navegação por satélite e para controle de tiro à distância com objetos explosivos feitos localmente contra alvos definidos (TASS).


Os países com aquele "alto potencial tecnológico" e capacidade para "navegação por satélite e controle à distância" que estão envolvidos na guerra à distância na Síria são precisamente dois: EUA e Israel. Cada leitor escolha o que melhor lhe pareça. Na minha avaliação, é improvável que Israel, apesar do estardalhaço e alarde, tenha-se atrevido a atacar a Rússia.

Em resumo, houve um sórdido e rancoroso ataque norte-americano contra "ativos" russos no Dia de Natal da Igreja Ortodoxa Russa. A declaração foi distribuída em Moscou depois de completada a avaliação dos três drones capturados intactos. O tom claro com afirmativas explicitadas é dirigido ao pessoal do Pentágono. 

Pelo sim pelo não, o Pentágono distribuiu suo moto uma declaração preventiva na qual desvia a responsabilidade pelo ataque para rebeldes sírios. É ato para prover negabilidade plausível,[1] uma vez que há grupos rebeldes em operação no norte da Síria. Mas são todos afiliados da al-Qaeda, agentes locais a serviço dos EUA e de Israel. RT noticiou a imediata reação do Pentágono, 'acusando o golpe' ("O Pentágono disse que está 'preocupado' com a possibilidade de terroristas estarem recebendo armas avançadas, depois que Moscou falou de um ataque a bases russas por drones que só poderiam ter sido fornecidos por "estado tecnologicamente avançado").

Por que os EUA reagem contra bases russas na Síria? O ponto crucial é que aquelas bases russas estão localizadas na província de Latakia, na costa do Mediterrâneo. E o objetivo militar dos EUA naquela área é obter algum acesso à costa do Mediterrâneo, que sirva ao enclave curdo que os americanos estão criando na Síria; sem essa saída para o mar, o enclave ficará cercado e criticamente dependente de vias de suprimento que terão de passar pela Turquia ou Iraque, além de ficar economicamente inviável (apesar de ser hoje região síria rica em petróleo).

O diário Asharq Al-Awsat do establishment saudita noticiou na 2ª-feira que o governo Trump planeja garantir reconhecimento diplomático dos EUA ao enclave curdo no norte da Síria (que tem o tamanho do Líbano). A ideia é criar um pé permanente para EUA e Israel num Curdistão estratégico, independente e economicamente autossuficiente no ponto onde se cruzam as fronteiras de Turquia, Iraque e Síria, e que pode eventualmente chegar até a fronteira entre o oeste do Irã e o norte do Iraque.

Mas toda essa estratégia de EUA-Israel continuará a ser delírio fumado, se o Curdistão ficar cercado e continuar ameaçado por Turquia, Irã, Iraque e Síria. Daí a crítica importância de abrir uma rota de acesso até o Mediterrâneo, pela província de Latakia.

Rússia e Turquia compreendem perfeitamente as intenções dos EUA. É o que explica o mais recente movimento desses países, para varrer de lá grupos afiliados da al-Qaeda ainda implantados na província de Idlib, adjacente a Latakia. Forças do governo sírio e milícias aliadas a elas, com apoio aéreo dos russos estão avançando sobre Idlib, numa operação que começou semana passada. Idlib é província de território amplo, e é necessário manter os combates por tempo maior, para realmente varrer de lá os grupos da al-Qaeda. No domingo, forças do governo sírio capturaram uma cidade estratégica, Sinjar, o que as põe a menos de 20 quilômetros da base aérea síria de Abu Zuhour em Idlib. E a rodovia que conecta Damasco e Aleppo também passa pela área leste de Idlib.

A Turquia está cooperando com a Rússia para varrer os grupos da al-Qaeda que ainda estão em Idlib (a província tem fronteira com a Turquia.) Na verdade a Turquia opõe-se ferozmente aos esforços dos EUA para criar um Curdistão no norte da Síria. Semana passada o presidente Recep Erdogan ameaçou abertamente que Washington "jamais conseguirá converter o norte da Síria em corredor de passagem para o terror", e jurou "atacar duramente [os EUA]. Eles devem saber que estamos determinados a fazer o que dizemos. Áreas que veem como partes do tal corredor para terroristas serão o túmulo dos norte-americanos."

Pode-se pressupor que recentes esforços dos EUA e Israel para gerar tumultos no Irã estejam conectados a essas operações. O plano de jogo de EUA-Israel é dificultar os movimentos do Irã, afogando os governantes em dificuldades internas. Os governos sírio e iraquiano dependem do Irã e do Hezbollah para o serviço mais pesado da guerra que movem contra a al-Qaeda e grupos do ISIS apoiados pelos EUA.

Teerã compreende a estratégia de EUA-Israel. O regime iraniano tem longa experiência de derrotar operações clandestinas de EUA-Israel. O Supremo Líder Ali Khamenei compreende que o conflito sírio também é batalha existencial para o Irã. Os comandantes do Corpo de Guardas Islâmicos Revolucionários já dizem publicamente que se trata de escolher entre combater contra os 'representantes' de EUA-Israel na Síria e Iraque, ou combater contra os mesmos 'representantes' em solo iraniano.

Como Moscou reagirá ao ataque de drones apoiados pelos EUA contra suas bases? Solução permanente é retaliar contra as forças dos EUA e lhes impor pesadas baixas – como foi feito em Beirute em 1983. Bastam uns poucos sacos de cadáveres que cheguem a Washington enviados da Síria, e ninguém duvida que o presidente Trump decidirá que "Acabou. Rapazes, voltem já para casa." 

Mas o problema é que os EUA lutam "guerra híbrida" escondidos entre as milícias curdas e não é fácil acertá-los. O Pentágono também infiltrou "fornecedores terceirizados" (norte-americanos mercenários), tentando reduzir o risco político da infiltração.

Nessas circunstâncias, a opção dos russos será escalar as operações para varrer da província Idlib, de uma vez por todas, os grupos da al-Qaeda mantidos por EUA e Israel. E, sim, Nikki Haley imediatamente começará a ladrar, por ordem de Israel, contra "crimes de guerra". 

Claro que, como se diz, no amor e na guerra vale tudo, e há outra via aberta para russos ou iranianos: equipar os talibã afegãos com drones armados. Mas não é provável que cheguem a esse ponto – não, pelo menos, por enquanto.*****



[1] Orig. "plausible deniability". Pode-se traduzir, tentativamente, como "capacidade [de um ato, quase sempre ilegal] para ser negado com plausibilidade". Diz-se que uma declaração tem "negabilidade plausível" quando, embora não possa ser provada, a negação dela pode ser plausivelmente aceita. No jargão corrente das comunidades de espionagem, a expressão tem sido usada nos casos em que uma ação é premeditada para não deixar pistas ou rastros. Exemplos de casos em que a negabilidade (mais plausível, ou menos) pode vir a beneficiar criminosos são, por exemplo, meios de tortura como descargas elétricas e quase-afogamento, que não deixam marcas no corpo, o que impede que se comprove a tortura; chantagem, ameaças e intimidação de jornalistas e testemunhas também são meios com alta "capacidade de negabilidade", dentre outros [NTs].

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