segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Força, presidente Lula! Ou: Aguinaldo Silva é uma besta. Não leio até o fim



Nos reunimos para traduzir esse artigo, porque várias pessoas o haviam sugerido ao nosso coletivo de tradutores. Estávamos lendo, até que, de repente, alguém gritou: "Mas... Temos de mandar isso para a besta daquele Aguinaldo Silva!" Foi o que bastou. Um foi buscar cerveja, outro trouxe uns copos e dali em diante, bebemos, traduzimos e rimos. Foi a libertação. Nossa vitória sobre a estupidez que desgraça o Brasil-do-golpe. 

De madrugada descobrimos, comovidos, que a primeira referência que Google mostra para "Farsalia" em português, aparece em A Alma Encantadora das Ruas, e João do Rio explica ali que, se a história da batalha de Farsala tivesse sido composta, não por Lucano em Roma no séc.I, mas no Rio de Janeiro de 1909, com certeza teria forma de marchinha, todos os versos rimados em ôô.  Que noite!
 [NTs]

Mr. Elphinston falava de um novo livro muito louvado e perguntou ao Dr. Johnson se o lera.
E JOHNSON: "Dei uma olhada." "O quê?!" Disse Elphinston, "o senhor não leu tudo?" Johnson, ofendido por ser pressionado e porque muito prezava o próprio modo de ler, respondeu, fazendo ar de extrema surpresa: "Não, Sir. Por quê?! O senhor lê livros inteiros?!"
 [Boswell, Vida de Samuel Johnson (esp.)]

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Tinha eu 19 anos, e conversava com o padrasto de minha namorada (àquela altura, figura para mim aterrorizante), e ele dizia que em anos não lera sequer um livro. Muito me surpreendeu, vindo de alguém que estudara Literatura Inglesa em Oxford, e ele contou que o último livro que lera era tão ruim que o afastou da leitura para sempre. Todos lemos livros ruins, e aquela reação pode parecer melodramática e petulante, mas ele explicou que, antes, vivia sob uma inflexível política de ler qualquer livro que lhe caísse sob os olhos, da primeira à última página.

Não há pior modo de ler. De fato, a transição do rolo para a página [ing. the transition from scroll to codex] aconteceu para romper as cadeias opressivas da leitura linear quase compulsória. Samuel Johnson foi dos homens mais ilustrados e lidos de seu tempo. Mas várias vezes aconselhou que não se lessem os livros do começo ao fim:


"Sobre a ideia de que os livros, uma vez começados, devessem ser lidos de enfiada até o fim: 'Não sei de ideia mais esquisita que essa. Só faltaria aconselhar que as pessoas devessem conservar como amigos eternos, até a morte, todos e todas com as quais cruzassem algum dia pela vida. Pode acontecer de um livro ser completamente imprestável; ou pode acontecer de haver uma única linha nele que vale a pena conhecer; só por isso, teria eu de lê-lo de cabo a rabo?'" [BoswellVida de Samuel Johnson]


Passei horas incontáveis da vida percorrendo as prateleiras de minha biblioteca, escolhendo volumes aqui e ali, e lendo só um ou dois parágrafos ao acaso. É dos meus maiores prazeres literários, embora desconfie que tenha contribuído para o meu modo caracteristicamente discursivo e desorganizado de pensar, cheio de citações disparatadas, fatos sem importância e piadas que só lembro até a metade.

Lembro (mal e porcamente) de ter lido em algum lugar que Thomas Jefferson jamais conseguiu ler República, de Platão, até o fim. Arquivei a informação no meu arquivo de trivialidades disparatadas. Acho que afinal achei a fonte da notícia nessa carta endereçada a John Adams (5/7/1814):


"Acabo de retornar de uma das minhas longas ausências, depois de cinco semanas na minha outra casa. Com mais tempo para ler do que tenho aqui, diverti-me a ler seriamente república de Platão. Mas erro se chamar aquilo de diversão, foi o serviço mais duro que algum dia tive de fazer. Vez ou outra antes já tentara alguns de seus outros escritos, mas praticamente nunca tive paciência para ler até o fim sequer um diálogo inteiro."


É reconfortante ver que homem tão lido achava difícil ler, não só República, que é livro longo, mas até mesmo os diálogos, curtinhos, rápidos, praticamente panfletos de bater o olho.

Não tenho dúvidas de que muitos leitores desse blog, como leitores, passam tempo considerável com os olhos postos em páginas, e gostaria de propor algumas perguntas sobre ler livros de cabo a rabo. Espero provocar respostas que ajudem a treinar o uso de palavras do grego e do latim antigos, mas respostas sobre livros modernos também servem.

As perguntas:

1.) Que livros você não conseguiu ler de cabo a rabo, apesar de repetidas tentativas?

2.) Que livro você não conseguiu ler até o fim, mas muito admira e sinceramente deseja conseguir ir da primeira à última página?

3.) Que livro você se obrigou a ler de enfiada até o fim, e sempre lastimou, desde então, o tempo que perdeu na empreitada?

Minhas respostas são as seguintes:

1.) Não importa quantas vezes e vezes eu tente, nunca consegui ir além dos primeiros poucos livros da História, de Tucídides. Descobri que a coisa fica bem chata depois de algum tempo e não vai. Outros candidatos são a Tebaida de Estácio (já tentei umas poucas vezes); e Núpcias de Filologia e Mercúrio de Marciano Capella.

2) Várias vezes tentei ir até o fim de A Natureza das Coisas de Lucrécio, e sempre fico entalado a meio caminho. Gosto sinceramente de Lucrécio, edeveria ser capaz de terminar pelo menos esse livro, sobretudo porque é comparativamente bem curto. Não vai. Por uma razão ou outra, sempre me distraio mais ou menos no mesmo ponto e abandono o livro por tanto tempo que me sinto obrigado a recomeçar sempre do "Mimosa Vênus, mãe da eneide Roma" [Canto 1, verso 1 (NTs)].

3) Consumi tempo considerável, certa vez, para ler a Farsala, de Lucano. Ainda recordo algumas citações graves do início, mas esqueci quase completamente tudo daquele assunto, apesar do meu empenhado esforço para me manter concentrado enquanto lia.

Pronto, Aguinaldo Silva. Agora, vá se catá. *****

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