quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Nova Estratégia de Defesa de Washington: Sufocar Rússia e China

24/1/2018, F. William Engdahl,[1] New Strategic Culture


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


O tópico "Brasil" é discutido nos termos seguintes
em incontáveis grupos internacionais em todas as redes:


"Pergunto: Haverá em curso alguma estratégia [dos EUA] para balcanizar o Brasil? Para Rússia e China, já se sabe que há. Para o Brasil seria muito mais fácil. A quem interessa? O golpe em curso [hoje (24/1/2018), ainda não está decidido] pode ser um ponto de partida, pq acho que o sul do país seja mais anti-Lula, e o norte, mais pró-Lula. Maduro já disse que invade o Brasil, se Lula for preso... Fato é que nem Rússia, nem China, nem os EUA podem perder o Brasil. E o que Aluisio Nunes foi fazer em Washington no dia seguinte, depois de votado o impícho?...

Em matéria de 'revolução colorida', parece que a CIA está tentando provocar no Brasil a "revolução amarela-de-vergonha" e/ou a "revolução verde-de-inveja" e/ou a "revolução cor de burro quando foge" [pano rápido].

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Uma coisa já se pode dizer sobre a Nova Estratégia de Defesa Nacional do Pentágono (ing.), documento que acaba de ser distribuído pelo Secretário da Defesa Jim Mattis. O documento não mente sobre o alvo da política militar dos EUA à caça do qual os EUA sairão daqui em diante. Toda a política militar de Washington visa confessadamente a manter China e Rússia bem longe de poderem desenvolver qualquer contrapolo alternativo para desafiar a supremacia militar e política dos EUA. O documento o declara bem explicitamente. Há detalhes notáveis, que mostra a confusão e o desarranjo em que Washington debate-se hoje, enquanto se desintegra o poder que sempre teve e exerceu sobre o mundo.

O documento merece leitura cuidadosa. Na versão pública aberta ao público, lê-se já na introdução:

"Hoje emergimos de um período de atrofia estratégica, cientes de que nossa vantagem militar estratégica competitiva foi erodida. Enfrentamos crescente desordem global, caracterizada por declínio na ordem internacional baseada na lei e que perdurou por tanto tempo, declínio que foi gerado:

— por um ambiente de segurança mais complexo e volátil que qualquer outro que tenhamos conhecido em tempos recentes. 
Hoje, a competição estratégica entre estados – não o terrorismo – é a principal preocupação da segurança nacional dos EUA."


Referir-se ao período como "de atrofia estratégica"não é perfeitamente acurado para a potência que fez guerras sem interrupção, diretamente, ou patrocinadas por ela à distância, da Ásia ao Oriente Médio, para operações clandestinas de mudança de regime em todo o planeta, desde que invadiu o Afeganistão em outubro de 2001. Mas, sim, é perfeitamente acurada a avaliação segundo a qual a vantagem militar competitiva estratégica dos EUA só fez 'erodir-se'.

A erosão, contudo, é consequência direta da erosão da economia dos EUA, e dos esforços cada dia mais inócuos e desesperados, dos EUA, para ditar o que o mundo teria 'de fazer', considerando só os desejos dos EUA, sem qualquer consideração à soberania de nações e povos.

A frase chave acima é "Hoje, a competição estratégica entre estados – não o terrorismo – é a principal preocupação da segurança nacional dos EUA." O que é essa " competição estratégica entre estados" que relega a chamada Guerra ao Terrorismo ao assento de trás da história?

É, dito em palavras simples, a emergência de potências significativas, no campo econômico, tecnológico e militar, e alianças que se sentem satisfatoriamente estáveis para afirmar, afinal, o próprio interesse nacional. Para o Pentágono, que opera sob a Doutrina Wolfowitz de 1992, rivais estratégicos que se ergam contra a dominação da única superpotência indispensável, os EUA, têm de ser dizimados.

Em 1992, a política do Pentágono passou a ser, não oficialmente, a que se conhece como Doutrina Wolfowitz. Durante o governo do presidente G.H.W. Bush, com Washington dedicada integralmente a saquear e destruir o que se conheceu como União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS, servindo-se, como veículo, de quadro da CIA chamado Boris Yeltsin, quando Dick Cheney era Secretário da Defesa, o subsecretário de Defesa Paul Wolfowitz, escreveu a Estratégia da Defesa para os anos 1990s. Uma das novidades que lá se lia foi: "Nosso principal objetivo é evitar a reemergência de qualquer novo rival, nem no território da extinta União Soviética nem em qualquer outro ponto (...) onde qualquer potência hostil venha a dominar região cujos recursos, sob controle consolidado, sejam suficientes para geral poder global. Essas regiões são, dentre outras, a Europa Ocidental, o Leste da Ásia, o território da ex-URSS e o Sudoeste da Ásia."


Atropelar as 'Regras da Estrada'

O novo documento estratégico de Mattis prossegue:


"China e Rússia minam hoje a ordem internacional por dentro do sistema, explorando seus benefícios, ao mesmo tempo em que atropelam os princípios daquela ordem e as 'regras da estrada'."


Esse parágrafo sugere que, aos olhos de Washington, se outras nações, seguindo as regras do atual sistema, inclusive as regras da ONU, "exploram" os próprios recursos em benefício nacional delas mesmas, cometeriam ato odioso, ou ato criminoso. A terminologia sugere que Washington sentiu o golpe; que China e Rússia estão ao volante do próprio papel no mundo, a velocidade tal que estão chacoalhando a posição da Única Nação Indispensável.

A coisa fica ainda mais interessante. Na sequência, o documento da estratégia dos EUA descreve a China como, "concorrente estratégico que usa economia predatória para intimidar os vizinhos, enquanto vai militarizando o Mar do Sul da China." E a Rússia, por sua vez, "violou as fronteiras de nações próximas e usa o poder de veto contra decisões econômicas, diplomáticas e de segurança de seus vizinhos."

Mattis na sequência acusa China e Rússia de querer "modelar um mundo consistente com o próprio modelo autoritário – conquistando força para vetardecisões de segurança, econômicas e diplomáticas de outras nações. A "força para vetar" é clara referência aos repetidos vetos de China e Rússia, contra Resoluções redigidas pelos EUA na ONU e que, se aprovadas, já teriam destruído completamente a Síria, para atender os objetivos de Washington, de remodelar o Oriente Médio como mais lhe pareça vantajoso só para os EUA. Mattis diz que "a China está alavancando sua modernização militar, operações para influenciar e sua economia predatória, para forçar os países próximos a reordenar a região do Indo-Pacífico de modo que seja vantajoso para a China."

"Economia predatória"?! A cuidadosa seleção dos adjetivos visa a construir a imagem emocional, sem qualquer explicação ou conteúdo racional. O documento do Pentágono omite a história de décadas de muito ativa economia muito "predatória", praticada por Washington, quando os EUA escreveram as "Regras da Estrada" da Organização Mundial do Comércio, OMC, para as finanças, para a concorrência em geral, com vistas a garantir vantagens exclusivas às empresas multinacionais com base nos EUA. A isso os EUA chamam de "livre mercado".

Depois, em clara referência à Iniciativa Cinturão e Estrada e à grande estratégia da China, a nova Rota da Seda Econômica, o documento de política estratégica do Pentágono ataca:


[a China] "continua sua ascensão econômica e militar, firmando o próprio poder mediante estratégia de longo prazo inclusiva para várias nações".


Como se isso fosse crime e essa ação convertesse a China em organização criminosa! Ora essa! 

Seria desenvolvimento louvável se fosse Washington a promover qualquer investimento comparável ao dos chineses, em infraestrutura e acompanhado de "estratégia de longo prazo inclusiva para várias nações". É o tipo de investimento nacional em infraestrutura que ajudaria a sanar o descomunal déficit de investimento dos EUA a favor do próprio país e sem ação predatória contra outros países. Mas os EUA continuam sem conseguir construir qualquer ideia aproveitável sobre o que fazer, além de vagas promessas de "fazer a América grande outra vez".

O Pentágono só faz acusar a Rússia


[de buscar] "alcançar poder de veto sobre nações de sua periferia, em decisões governamentais, econômicas e diplomáticas, para destruir a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, e mudar as estruturas econômica e de segurança da Europa e do Oriente Médio a favor dos russos".


O Pentágono insiste sempre:


"O uso de tecnologias emergentes para desacreditar e subverter processos democráticos na Geórgia, na Crimeia, no leste da Ucrânia já seria suficiente preocupação para nós, mas quando somado ao arsenal nuclear russo em processo de expansão e modernização, a ameaça é evidente."


Convenientemente, o documento esconde (i) que foi Washington, em 2014, quem criou o que tem sido muito acuradamente chamado de "o golpe mais descarado em toda a história de golpes dos EUA", ao instalar um regime de oligarcas ladrões e neonazistas na Ucrânia e na Geórgia; e (ii) que os cidadãos da Crimeia decidiram, em referendum, por 93% dos votos, que desejavam ser reintegrados à Federação Russa, não à Ucrânia. 

A ideia de que a Rússia trabalha para "esfacelar" a OTAN oculta, convenientemente, que em 2003, Washington quebrou promessas formais que fizera aos russos, de que a OTAN não seria expandida para leste na direção da Rússia. Essa foi a condição sob a qual Moscou aceitou a unificação da Alemanha.

E também foi Washington que, em 2007, anunciou a implantação, desestabilizadora, de mísseis dos EUA na Polônia e em outros estados da OTAN, apontados para a Rússia, que eufemisticamente os EUA chamaram de "mísseis de defesa" dos EUA, e que configuram estado de real prontidão para um Primeiro Ataque nuclear dos EUA contra a Rússia. Sobretudo, foram a CIA e o Departamento de Estado que criaram as chamadas 'revoluções coloridas' na Geórgia e na Ucrânia em 2004, num vão esforço para levar a OTAN até Moscou.

Em suma, a Nova Estratégia de Defesa Nacional do Pentágono de Mattis (ing.) é uma declaração de facto de que os EUA, a superpotência falida e decadente como está, fará de tudo, em termos militares, para tentar bloquear o crescimento pacífico de Rússia e China na Eurásia e levar ao fracasso a cooperação econômica pacífica naquela região para construção de relações de energia e infraestrutura mais saudáveis. Os EUA também farão de tudo para impedir que prosperem quaisquer relações de cooperação para defesa que tenham qualquer chance de efetivamente conter as atividades terroristas naquela região.

O documento de Mattis não mente ao citar nominalmente China e Rússia como principais ameaça à continuação de alguma hegemonia que ainda reste aos EUA como superpotência. 

Mas as consequências de os EUA buscarem obcecadamente o confronto militar contra os dois países, China e Rússia, podem impor aos EUA em declínio econômico evidente o mesmo preço que o Império Britânico enfrentava às vésperas da 1ª Guerra Mundial. A dívida dos EUA, a base econômica deteriorada e a nenhuma solidariedade internacional a presidente que age e fala como ginasiano petulante, não são contexto que permita esperar por alguma "América grande outra vez".*****



[1] F. William Engdahl é consultor, analista de risco estratégico, graduado em Política pela Princeton University. É autoridade reconhecida e autor de vários livros sobre petróleo e geopolítica, e colaborador do periódico New Eastern Outlook, NEO.

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