17/2/2018, Alastair Crooke, in Conflicts Forum
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
"Israel empinou o nariz", escreveu Alex Fishman (o veterano Correspondente da Defesa Israelense) no diário israelense, Yedioth Ahronoth, mês passado, "e aproxima-se com passos de gigante de uma 'guerra por escolha'. Sem meias palavras: Israel iniciou uma guerra no Líbano." No artigo de Fishman, lê-se: "Contenção clássica acontece quando se ameaça um inimigo, para que não agrida dentro do território de quem ameaça; mas nesse caso Israel 'exige' que o inimigo nada faça dentro do território do próprio inimigo, ou Israel o atacará. De um ponto de vista histórico e da perspectiva da legitimidade internacional, são magras as chances de que essa ameaça seja percebida como esforço de contenção e leve à cessação de atividades do inimigo aqui, no território de Israel."
Ben Caspit também escreveu sobre a clara possibilidade de uma "guerra por escolha"; e também um editorial do jornal Haaretz – explica o professor Idan Landau num blog jornalístico israelense: "O governo israelense deve portanto aos cidadãos israelenses uma explicação precisa, pertinente e persuasiva de por que uma fábrica de mísseis no Líbano teria mudado de tal modo o equilíbrio estratégico a ponto de exigir que Israel vá à guerra. Deve expor ao povo israelense as estimativas oficiais do número de mortos que se deve esperar aqui, dos danos previsíveis à infraestrutura civil e o custo econômico a ser pago por israelenses, no caso de o país ir à guerra, comparados ao risco que representaria a construção da fábrica de mísseis no Líbano."
Vivemos hoje tempos perigosos no Oriente Médio – seja no presente imediato e, também, no médio prazo.
Semana passada assistimos ao primeiro lance para 'mudar o jogo', que só por um triz não empurrou toda a região para a guerra: um dos aviões de guerra mais modernos de Israel, um F16i, foi derrubado. Mas nessa ocasião, como Amos Harel, nota: "O presidente Vladimir Putin da Rússia pôs fim ao confronto entre Israel e Irã na Síria – e os dois lados aceitaram a decisão dele (...) Na tarde de sábado, depois da segunda onda de bombardeios (...) altos oficiais israelenses ainda assumiam discurso bélico e tudo sugeria que Jerusalém considerasse insistir na ação militar. Toda aquela conversa acabou pouco depois de um telefonema entre Putin e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu" (itálicos nossos).
E aquela recente declaração foi a segunda 'virada no jogo'. Nos 'bons velhos tempos', como Martin Indik chamou aquele passado, Israel ter-se-ia voltado reflexivamente na direção dos EUA. Dessa vez, não. Israel pediu que o presidente Putin mediasse os contatos. Parece que Israel crê que o presidente Putin é hoje 'a potência indispensável'. E em termos de espaço aéreo no norte, sim, ele é. Como Ronen Bergman escreveu no New York Times: "Na Síria, Israel não poderá continuar a agir sem limites"; e, além disso, "caso alguém ainda não tenha percebido, que anote: a Rússia é a potência dominante na região ".
Assim sendo, do que, afinal, se trata? Para começar, não se trata de algum drone que, talvez sim, talvez não, teria invadido a área que Israel chama de Israel, e que a Síria chama de 'Golan ocupado'. Tudo isso deve ser deixado de lado. Se preferirem, pensem no 'efeito asas da borboleta' da Teoria do Caos, aquelas asinhas quase invisíveis que mudam 'o mundo'. Pensem como preferirem, são vários os sinais de alerta de uma guerra que estaria iminente, precipitada pelo sucesso do Estado sírio – que derrotou a insurgência jihadista montada contra ele.
O sucesso da resistência na Síria mudou o equilíbrio regional de poder – e hoje vemos a reação daqueles Estados, contra a derrota de alta importância estratégica que sofreram.
Israel, que patrocinou os derrotados, quer conter as próprias perdas. Teme as mudanças que já estão acontecendo no terço norte da região: o primeiro-ministro Netanyahu várias vezes tentou arrancar do presidente Putin garantias de que o Irã e o Hizbullah não teriam 'licença' para usufruir das vantagens estratégicas obtidas na vitória na Síria que viessem a resultar em desvantagens para Israel. Putin, como já parece bem claro, nada prometeu e não lhe deu qualquer 'garantia'. Putin disse a Netanyahu que, embora reconheça e considere interesses da segurança de Israel, a Rússia tem seus próprios interesses – e também ressaltou que o Irã sempre foi "parceiro estratégico" da Rússia.
Na prática, não há qualquer presença efetiva de iranianos ou do Hizbullah em qualquer área próxima de Israel (e fato é que ambos, Irã e o Hizbullah, já reduziram substancialmente as respectivas forças na Síria como um todo). Mas parece que Netanyahu queria mais. Assim, para alavancar os próprios interesse e obter da Rússia alguma garantia de que a futura Síria será livre de qualquer presença 'xiita', Israel pôs-se a bombardear a Síria praticamente uma vez por semana, lançando repetidas ameaças de 'guerra' contra o Líbano (sob o pretexto de que o Irã estaria construindo 'sofisticadas fábricas de mísseis' naquele país, e na prática 'disse' ao presidente Putin que, 'se você não nos der garantias firmes de que não haverá Irã nem Hizbullah na Síria, destruiremos os dois países...'.
Ora, o que aconteceu é que Israel já perdeu um F16, inesperadamente derrubado sobre território sírio pelas defesas aéreas sírias. A mensagem é a seguinte: 'Estabilidade na Síria e Líbano interessa à Rússia. E reconhecemos, sim, os interesses de segurança de Israel. Mas que Israel não se meta com os interesses da Rússia. Se querem guerra com o Irã, problema dos israelenses, e a Rússia não se envolverá; mas não esqueçam que o Irã e Rússia continuam a ser parceiros estratégicos'.
Eis a Grande Barganha de Putin: A Rússia pode vir a assumir uma determinada responsabilidade pela segurança de Israel. Mas nada assumirá se Israel inventar guerras por escolha contra o Irã e o Hizbullah, ou se deliberadamente perturbar a estabilidade no Norte (incluindo o Iraque). E os ataques gratuitos no norte, que visam a perturbar a estabilidade regional, também têm de acabar. Porém, se Israel quiser guerra com o Irã, a Rússia não se intrometerá.
Agora Israel já conhece o gosto do 'porrete' russo manobrado pelo presidente Putin. A superioridade aérea de Israel no norte já foi 'beliscada' pelas defesas sírias. Putin já disse com toda a clareza: Você, Israel, perderá tudo se tivermos de acionar nossos sistemas S400s russos de defesa aérea. 'Pensem nisso'.
Caso restem dúvidas, que Israel considere essa declaração em 2017, do Comandante do Estado-maior das Forças Aeroespaciais da Rússia, major-general Sergey Meshcheryakov. Disse ele: "Hoje foi implantado na Síria um sistema unificado integrado de defesa aérea. Construímos e implantamos a interconexão informacional e técnica entre os sistemas russo e sírio de reconhecimento aéreo. Todas as informações sobre a situação no ar partem de estações de radar sírias diretamente para pontos de controle do grupamento da força russa".
Duas coisas se depreendem disso: primeiro, que a Rússia sabia exatamente o que estava acontecendo quando o F16 israelense foi recebido com mísseis das forças de defesa aérea da Síria. Como observou Alex Fishman, decano dos correspondente da Defesa israelense no jornal Yediot Ahoronot(em hebraico) dia 11 de fevereiro:
"Um dos aviões [israelenses] foi atingido por duas barragens de 27 mísseis terra-ar sírios, o que foi embaraçoso para a Força Aérea de Israel, dado que os sistemas de guerra eletrônica que revestem o avião deveriam ter garantido proteção contra barragem de mísseis (...) A Força Aérea de Israel terá de realizar profunda investigação técnica e de inteligência, para responder a seguinte pergunta: os sírios possuem sistemas capazes de penetrar os sistemas israelenses de alarme e neutralização de ataques aéreos? Os sírios terão desenvolvido técnicas das quais a Força Aérea de Israel não tem conhecimento? Foi noticiado que os pilotos não comunicaram por rádio qualquer sinal de que o avião estaria sob mira de míssil inimigo. Em princípio, teriam de ter comunicado evento desse tipo. Teriam de saber, antes de serem derrubados. Mas a possibilidade ainda mais grave é que tenham sido postos sob mira de míssil inimigo sem que os pilotos soubessem de que míssil vinha o alerta. — Isso levanta a questão de como é possível que os pilotos não tenham sabido e só se tenham dado conta da gravidade da situação depois de o avião já ter sido atingido e os pilotos se verem obrigados a ejetar os assentos."
E segundo: que os informes israelenses posteriores, de que a Síria já teria sido castigada por Israel; que Israel teria destruído 50% do sistema de defesa aéreo sírio, devem ser recebidos com desconfiança. Não esqueçamos o que disse Meshcheryakov: tratava-se de sistema plenamente integrado, unificado –, o que equivale a dizer que o sistema carregava uma bandeira russa. (Aquele informe inicial dos israelenses já foi desmentido pelo porta-voz do exército de Israel, como se vê aqui).
Em resumo, depois da derrubada do F16, Putin disse a Israel que pusesse fim às atividades para desestabilizar a Síria. Nada disse sobre o drone sírio que patrulha a fronteira sul (prática rotineira entre os sírios, que assim monitoram a ação de grupos insurgentes no sul).
Outra mensagem bem clara, dos russos: Israel pode contar com algumas garantias de segurança que a Rússia oferece, sim. Mas em troca Israel perde a liberdade de ação. Sem a dominação aérea (que a Rússia já capturou e já não pertence a Israel) e sem a pressuposta superioridade sobre os estados árabes vizinhos – que Israel há muito tempo converteu em parte de seu inconsciente coletivo –, Israel está com as asas cortadas.
A pergunta é se Israel conseguirá digerir culturalmente essa barganha? Teremos de esperar para ver se os líderes israelenses aceitam que já não existe a tão propalada superioridade aérea do Estado Judeu sobre Líbano ou Síria. Ou, como comentaristas israelenses alertam e reproduzimos acima, a liderança israelense optará por uma 'guerra por escolha', numa tentativa para impedir que chegue ao fim a dominação dos céus, pelo Estado Judeu.
Claro que sempre há a opção de Israel correr para o colo de Washington, tentando cooptar os EUA para que force a saída do Irã, de território sírio. Mas nossa avaliação é que Putin discretamente já pôs Trump a par de seu plano, com antecedência. Quem pode saber?
Resta perguntar: E de algum modo seria factível ou realista, do ponto de vista das Forças de Defesa de Israel, uma guerra preventiva, para tentar recompor a superioridade aérea de Israel? É questão muito discutível.
Um terço dos israelenses são culturalmente e etnicamente russos, e muitos admiram o presidente Putin. E seria razoável, para Israel, esperar que a Rússia não use seus próprios mísseis S400 de defesa, ultra sofisticados, estacionados na Síria, para proteger o pessoal militar russo ativo em toda a Síria?
As próprias tensões israelense-sírio-libanesas, elas mesmas, tampouco ajudam a reduzir os riscos hoje associados à Síria. Na mesma semana, a Turquia perdeu um helicóptero e seus dois pilotos, derrubados por forças curdas em Afrin. Na Turquia, o sentimento contra os curdos do YPG e do PKK volta a crescer; o nacionalismo e o Neo-Otomanismo estão em alta; e os EUA estão sendo furiosamente pintados como "inimigo estratégico" da Turquia. O presidente Erdogan não para de repetir que as forças turcas varrerão as forças dos YPG/PKK desde Afrin até o Eufrates. Mas um general norte-americano diz que os soldados dos EUA não arredarão pé e impedirão o avanço de Erdogan no meio do caminho, em Manbij. Quem piscará primeiro? E essa escalada poderá continuar sem levar a uma ruptura grave nas relações entre Turquia e EUA? (Erdogan já observou que o orçamento da defesa dos EUA para 2019 prevê recursos de $550 milhões para o YPG. O que, exatamente, os EUA dizem com essa 'providência'?).
Além disso, a parte da liderança militar dos EUA que continua interessada em reencenar uma neoguerra do Vietnã – com a diferença de que, dessa vez, os EUA vencem (e assim 'comprovariam' que a derrota no Vietnã foi efeito não merecido contra as forças dos EUA) – aceitará o fim da ocupação da Síria, projeto tão agressivamente concebido e iniciado, no leste do Eufrates, o que arranhará ainda mais o já frágil prestígio e baixa credibilidade dos EUA? E bem quando restaurar a credibilidade e o poder militar dos EUA é o mantra dos generais da Casa Branca e do próprio Trump)? Ou a insistência em renovar a 'credibilidade' militar dos EUA degenerará num "jogo da franga" [ing. chicken game], montado por forças dos EUA contra o Exército Árabe Sírio – ou mesmo contra a própria Rússia – que veem a ocupação pelos EUA na Síria como gravíssima perturbação da estabilidade regional que a Rússia tenta estabelecer?
A competição no 'grande quadro' entre estados em que se disputa o futuro da Síria (e da região) – é visível. Mas quem está por trás dessas outras provocações, que também podem levar à escalada e muito facilmente podem empurrar a região na direção do conflito?
Quem forneceu o míssil terra-ar portátil que derrubou o jato SU25 russo – e cujo piloto, cercado por jihadistas, escolheu valentemente suicidar-se com a própria granada, em vez de deixar-se prender vivo?
Quem 'facilitou' o grupo terrorista que disparou o lança-mísseis portátil? Quem armou os curdos de Afrin com armamento sofisticado antitanques (que destruíram cerca de 20 tanques turcos)? Quem forneceu os milhões de dólares para construir os túneis e bunkers dos curdos de Afrin, e quem pagou pelas armas e treinamento dessa força armada?
E quem esteve por trás do enxame de drones, armados com explosivos, enviados contra a principal base russa em Khmeimim? Os drones foram maquiados para serem confundidos com armamento improvisado de fabricação doméstica, que qualquer força insurgente poderia montar.
Mas, o exército russo de especialistas em guerra eletrônica conseguiu assumir o controle sobre seis daqueles drones e os pousou, os russos puderam examinar os drones. Nem foi preciso muito para ver que o interior nada tinha a ver com a parte de fora, mascarada para parecer improvisada. Os dronestransportavam equipamento sofisticado de contramedidas eletrônicas e sistemas de orientação GPS. Em resumo, a parte externa 'rústica' não passava de camuflagem. Trata-se de arma sofisticada, que mostra, isso sim, a mão de alguma agência estatal. Quem? Por quê? Alguém estará tentando pôr Rússia e Turquia em guerra um país contra o outro, os dois lados com os dentes na jugular do outro?
Não sei. Mas é muito claro que a Síria é objeto de disputa entre poderosas forças destrutivas que podem ser incendiadas, propositalmente ou não, para destruir o país – e – potencialmente todo o Oriente Médio. Como escreveu no último fim de semana o correspondente do Departamento de Defesa de Israel Amos Harel, "estamos a um fio de cabelo de nova guerra".*****
Bom artigo!!!
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