segunda-feira, 9 de abril de 2018

De Ancara a Moscou, avança a integração da Eurásia, por Pepe Escobar

5/4/2018, Pepe Escobar, Asia Times


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Entreouvido na Vila Vudu:
Por mais que 'analistas' de TV e 'jornalistas' (só rindo) no Brasil ensinem que não, que o Brasil seria uma ilha no mundo, esses movimentos de integração da Eurásia têm influência direta e profunda sobre os movimentos do Império Anglo-sionista contra governos soberanos na América Latina, nesse início do século 21, século da guerra híbrida.
(Pessoal aqui saindo do trabalho para ir para São Bernardo do Campo, defender o presidente Lula. RESISTÊNCIA.)
_______________________________________


Imagem: Hassan Rouhani do Irã, Recep Tayyip Erdogan da Turquia e Vladimir Putin da Rússia, à saída de uma reunião sobre a Síria, dia 4/4. Foto AFP/Adem Altan

Ao mesmo tempo em que os presidentes Vladimir Putin, Hassan Rouhani e Recep Tayyip Erdogan encontravam-se em Ancara para uma segunda reunião de cúpula Rússia-Irã-Turquia sobre o futuro da Síria, Moscou realizava sua 7ª Conferência sobre Segurança Internacional, da qual participam ministros da Defesa de dúzias de países.

Difícil encontrar imagem mais explícita da crescente sincronia do movimento que avança na direção da integração da Eurásia.

Crucialmente importante, a China não mandou a Moscou só a delegação de alto nível; mandou também um recado, em claro e bom som. O general Wei Fenghe, novo ministro da Defesa da China, ao lado do ministro da Defesa da Rússia Sergey Shoigu, disse: "Os chineses viemos, para que os norte-americanos vejam o quanto são próximos os laços que unem as forças armadas de Rússia e China".* Shoigu, por sua vez, destacou o "caráter especial" da parceria Rússia-China.

Já antes da reunião, o Global Times chamara atenção para a evidência de que a incansável campanha de demonização da Rússia, combinada com a guerra comercial em curso dos EUA contra a China, só faria reforçar o "caráter especial" da parceria.

E então o ministro de Defesa do Irã brigadeiro-general Amir Hatami ampliou o cenário, ao dizer que "planos estrangeiros" relacionados à segurança no Oriente Médio falharão sempre inevitavelmente – e que todos os planos têm de ser concebidos e executados dentro do Sudeste Asiático.

O que aconteceu em Moscou tem de ser necessariamente cruzado com o que aconteceu em Ancara.

Compromisso mútuo

O primeiro encontro trilateral Rússia-Irã-Turquia sobre a Síria aconteceu em Sochi dia 22 de novembro do ano passado. Sochi levou à formação do Congresso do Diálogo Nacional Sírio e de uma forte comissão de 150 membros, que recebeu a tarefa de redigir nova constituição para a Síria. Todos esses procedimentos seguem essencialmente o que está estabelecido no processo de paz de Genebra, em 2012. Até a ONU elogiou o trabalho em Sochi, como "importante contribuição para um ressuscitado processo de conversações intra-sírios para a paz."

Agora, no início de abril, ministros de Relações Exteriores da Rússia (Sergey Lavrov), do Irã (Mohammad Javad Zarif) e da Turquia (Mevlut Cavusoglu) reuniram-se em Astana, no início de abril, para preparar o terreno.

A declaração conjunta é absolutamente clara, ao enfatizar o compromisso de todos com a soberania nacional, a unidade, a independência e a integridade territorial da Síria.

O fato de Ancara ser a primeira viagem internacional de Putin depois da reeleição, é eloquente. A estratégia Rússia-Irã-Turquia para a Síria, elaborada e desenvolvida também em Astana, estabeleceu um delicado equilíbrio de zonas de desescalada – Ghouta Leste, subúrbio de Damasco; Idlib; Homs e a fronteira sírio-jordaniana – e corredores humanitários, que permitam que multidões de civis deixem as zonas de guerra, especialmente no caso de Ghouta.

A guerra em Ghouta contra uma galáxia de jihadistas está praticamente decidida a favor do Exército Árabe Sírio, com apoio dos russos, que contribuem com um mix de força aérea e competências para negociar e, significativamente sem participação de comandantes militares iranianos. O que resta dos chamados "rebeldes moderados" foram mandados para Idlib. Damasco volta a estar protegida contra bombardeios. Foi a maior vitória do EAS desde a libertação de Aleppo, em dezembro de 2016.

Mas o norte da Síria continua a ser questão muito mais difícil, dado que há ali uma subtrama de facto, com OTAN versus OTAN; tropas turcas versuscurdos do YPG que são agentes 'locais' dos EUA.

O fato de a ofensiva EAS-russos em Ghouta Leste ter acontecido paralelamente à Operação (orwelliana) "Ramo de Oliveira" turcos no cantão curdo de Afrin deixa ver um complexo acordo Rússia-Irã-Turquia montado em Astana – como diplomatas confirmaram para esse Asia Times.

Teerã, que está irritada com as incursões militares turcas na Síria, a ponto de ter ordenado que os comandantes militares iranianos não interviessem em Ghouta Leste e Afrin, cuidou de garantir que Ancara não pusesse a perder o extermínio e/ou a transferência dos jihadistas que ameaçavam Damasco.

A discussão chave na reunião trilateral em Ancara girou em torno do que acontece depois de Idlib – agora o derradeiro refúgio dos jihadistas "rebeldes moderados", onde Hayat Tahrir al-Sham, que tem conexões com al-Qaeda, luta contra uma Frente de Libertação Síria apoiada pela Turquia, que também acolhe jihadistas de linha duríssima, como Ahrar al-Sham.

Tudo dependerá de se Ancara conseguirá persuadir sua congregação de bandidos, de que a guerra realmente acabou. Sem isso, o Exército Árabe Sírio, com apoio aéreo dos russos, entrará em mais uma campanha de bombardeio, o que pode acrescentar outras centenas de milhares de refugiados aos 3,5 milhões que já se acumulam dentro das fronteiras turcas.

Certo é que Ancara não se sente inclinada a deixar, por enquanto, as áreas do noroeste e centro-norte da Síria. Como reagirão Moscou e Teerã – para nem falar de Damasco – é questão (explosiva) ainda em aberto.

Entregue sem atraso os meus S-400s

A parceria Rússia-Turquia é negócio, do começo ao fim, centrado num triângulo crucial de energia, questão nuclear e armas.

A Rússia, "no início da criação da indústria nuclear na Turquia", segundo um assistente do presidente Yury Ushakov, começará a construir a primeira usina nuclear da Turquia em Akkuyu, ao custo de $20 bilhões. O primeiro reator deve estar pronto em 2023, e a Rússia será proprietária da usina.

Nos termos de um contrato assinado em dezembro, Moscou também entregará a Ancara, antes de 2020, o sistema S-400 de defesa terra-ar, antes do previsto, "a pedido de nossos amigos e parceiros turcos" – nas palavras de Putin. Não se pode dizer que a OTAN esteja contente.

E há ainda o gasoduto "Ramo Turco", de $12 bilhões, que é obra-em-progresso – o segmento de superfície está perto de conseguir, de Ancara, o alvará de construção. Não se pode dizer que vários países da União Europeia estejam muito contentes.

Tudo isso mostra a diplomacia russa fortalecendo cuidadosamente relações com estados-membros da UE-OTAN. Ainda que a meta final possa ser convencer a OTAN a desescalar das fronteiras ocidentais da Rússia, ou da Cortina de Ferro da Guerra Fria 2.0 do Báltico ao Mar Negro, há um longo caminho ainda a percorrer antes de que se veja a Turquia realmente superar a OTAN.

Haverá sem dúvida impasse grave, se uma ofensiva de sedução Rússia-China levar Erdogan a considerar os benefícios de se integrar à Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Ancara está aprofundando seus laços comerciais com ambos: o Paquistão, que é membro pleno da OCX; e o Irã, que tem hoje status de observador, próximo de se tornar membro pleno.

Rússia, China e Irã são três vetores chaves da integração da Eurásia, que inclui tudo do Oleogasodutostão em redes de conectividade comercial. Erdogan não anseia pelo papel de espectador de show lateral.

E funcionando como relógio, um nodo extra de integração Rússia-Irã pode ser somado, dado que se espera que Teerã una-se à União Econômica Eurasiana (UEE) antes do final do ano. A UEE, zona de livre comércio – hoje reúne Rússia, Cazaquistão, Belarus, Quirguistão e Vietnã –, está atraindo o interesse de todos, de China, Índia e Indonésia a Sérvia, Israel e nações sul-americanas. Não há dúvidas de que Erdogan está prestando muita atenção.

E agora é tempo de reconstruir 

Desde o início, a Síria foi guerra no Oleogasodutostão. Um objetivo chave era impedir a construção do gasoduto Irã-Iraque-Síria, de $10 bilhões – o primeiro memorando de entendimento foi assinado em 2011 –, e substituí-lo com outro gasoduto, do Qatar à Turquia, para o quê se tornava indispensável derrubar o governo de Bashar al-Assad na Síria.

Qatar e a Casa de Saud acabariam por perder todas as disputas geopolíticas em que se envolveram na Síria. O bloqueio que os sauditas tentaram impor ao Qatar fracassou miseravelmente. A nova equação mostra o Qatar – apoiado por Omã e Kuwait – aproximando-se do Irã e mais ainda, da Turquia.

Ancara opera a base militar Tariq bin Ziyad no Qatar. Irã e o Qatar aprofundam a cooperação em Pars Sul – o maior campo de gás do planeta. Aconteceram coisas mais estranhas do que antever um gasoduto finalmente completado em futuro próximo, levando o gás do Irã-Qatar e atravessando a Turquia; Rússia e China permaneçam ativamente envolvidas na indústria de gás do Qatar.

Com a possibilidade de reconstruir a Síria realmente bem próxima, Pequim super turbinará seus planos para converter a Síria em um nodo realmente chave da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE).

No front russo, o ministro de Energia Aleksandr Novak confirmou que gigantes da energia Lukoil e Gazprom Neft já estão focados no processo de reconstrução – e desenvolvimento – da infraestrutura de energia da Síria, muito gravemente atingida, seguindo um mapa do caminho de cooperação assinado em fevereiro último.

As empresas russas foram convidadas para modernizar a refinaria Baniyas e para reconstruir uma nova refinaria em parceria com Irã e Venezuela. Damasco e Moscou criarão uma linha direta de marinha mercante para facilitar e o comércio; e criaram um banco controlado pelos próprios bancos centrais.

Segundo o primeiro-ministro sírio Wael al-Halqi, já estão assinados acordos no valor de quase US$1 bilhão, em empreendimentos de energia, comércio e finanças. Antes, o embaixador sírio à Rússia Riyad Haddad prometera que as nações que ajudaram a Síria a combater o terrorismo "terão o direito de ficar à frente" dos empreendimentos para restaurar a economia do país. Significa essencialmente Rússia, Irã e China. Falta saber que papel – se houver algum – representará o novo otomanismo de Erdogan.*******



* Ministro da Defesa da China, hoje, em Moscou: "Estamos aqui para que EUA saibam o quanto são próximos os laços militares que nos unem à Rússia", 4/4/2018, RT (com matéria da Reuters).

2 comentários:

  1. Caro General Wei Fenghe, Ministro da Defesa da China, sua fala é IRRETOCÁVEL.

    ResponderExcluir
  2. "...curdos do YPG que são agentes 'locais' dos EUA." Penso que considerar a luta do povo curdo como um braço da política estadunidense no local é deixar de lado o histórico do YPG e, ainda, do PKK pela criação de um Estado curdo livre.

    ResponderExcluir