segunda-feira, 30 de abril de 2018

Nicarágua, 2017: Mais uma 'mudança de regime' à moda CIA

23/4/2018, Tortilla Con Sal, in Telesur, Venezuela


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:
Não sei se a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa.
O que sei é que quando a história acontece exatamente idêntica, ao mesmo tempo, na Ucrânia, na Síria, na Líbia, na Costa do Marfim, na Venezuela, na Nicarágua, em Brasília-DF, não é tragédia nem farsa: é projeto e ação da CIA. [Pano rápido]
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O padrão é similar ao que se viu na Líbia, Síria e Venezuela [e no golpe no Brasil-2016], onde minorias políticas de extrema direita conspiraram com elites estrangeiras para derrubar governos legítimos e o status quo nacional.

Eventos na Nicarágua ao longo da semana passada seguem claramente o modelo do projeto liderado pelos EUA e conduzido pela OTAN que se viu em operação na Líbia, na Costa do Marfim e na Ucrânia, mas que, até aqui, já fracassou na Tailândia, Síria e Venezuela [no Brasil do golpe de 2016, a luta prossegue]. Num nível nacional, os protestos têm sido liderados por grupos do setor privado, que defendem seus lucros contra as políticas socialistas que defendem os trabalhadores de baixa renda e aposentados e pensionistas.

O que está acontecendo[1]

Desde 18 de abril acontecem protestos violentos em toda a Nicarágua. Os protestos começaram poucos dias depois de o governo anunciar suaspropostas de reforma do sistema de previdência social, que acumula deficit anual de cerca de US$75 milhões. O governo anunciou sua proposta de reforma depois de terem sido suspensas as conversações que se realizavam no Consejo Superior de la Empresa Privada, Cosep, da Nicarágua [a Fiesp da Nicarágua]. As reformas, que ainda podem ser modificadas, devem entrar em vigor dia 1º de julho próximo.

Nos protestos da 6ª-feira, 10/4, morreram dez pessoas e mais de 80 ficaram feridas, incluindo no mínimo 30 policiais. O maior número de mortes aconteceram por tiros com munição viva disparados por agentes provocadores de direita. A mídia ocidental que cobriu o fato noticiou que – longe de terem sido pacíficos – as manifestações foram marcadas por violência letal de grupos de choque de extrema direita, cujo objetivo é desestabilizar a Nicarágua, exatamente como já se viu acontecer na Venezuela. Reação àqueles ataques, trabalhadores e estudantes que apoiam o governo sandinista da Nicarágua mobilizaram-se contra as provocações violentas pela oposição.

Os protestos mais graves começaram na capital da Nicarágua, Manágua, dia 18 de abril, e rapidamente se espalharam para centros importantes no interior do país, como Leon no oeste, Granada no sul e Esteli no norte. Os protestos foram provocados por mensagens incendiárias distribuídas pelas redes sociais e por manipulação deliberada pela mídia-empresa de direita. Alguns canais de TV a cabo, ativamente militantes a favor da direita, deixaram de operar. Ao que tudo indica, os sinais parecem ter sido derrubados deliberadamente – ainda não há qualquer explicação independente verificável.

Além dos mortos e feridos nos protestos violentos da oposição ao governo de Daniel Ortega, também houve danos à infraestrutura, como nos escritórios locais do INSS; instalações de prédios municipais em Esteli e Granada; instalações das universidades em Manágua e Leon; instalações do Partido Sandinista em Chinandega e Masaya e instalações do governo nacional em Manágua. Ali também gangs de oposição ao governo sandinista tentaram invadir e depredar o estádio 'Denis Martinez' de basebol, recentemente inaugurado; o Hospital Fernando Velez Paiz também recentemente inaugurado; e a sede central, na capital, do INSS nicaraguense. As gangues também atacaram a maioria das rádios alinhadas com o governo sandinista, inclusive a Nuevo Radio Ya e a Radio Sandino, que sofreram tentativa de incêndio, felizmente controladas.

Um grupo de mais de 100 alunos que protestavam contra as reformas precisaram retirar-se da principal área universitária em Manágua e refugiaram-se na catedral católica da capital. A Polícia os manteve lá até que foi negociada a saída pacífica de todos. Em Nueva Guinea, na direção da Costa do Caribe da Nicarágua, uma gangue de oposição ao governo sandinista atacou um evento cultural de apoio ao governo, ferindo várias pessoas que participavam do ato. Em vários locais, gangues de delinquentes oportunistas infiltraram-se nas manifestações, que também envolveram ataques a prédios comerciais, veículos e pessoas não envolvidas nos protestos.

Embora a Cosep tenha convocado 'manifestações pacíficas', extremistas das organizações políticas de direita Cidadãos pela Liberdade eMovimento de Renovação Sandinista estiveram sempre à frente dos protestos mais violentos. Essas organizações trabalharam ativamente pelas redes sociais divulgando acusações falsas e incendiárias, para confundir e desorientar as pessoas, especialmente os mais jovens – que pouco ou nada sabem das reformas na Seguridade Social –, e que foram usadas como mero pretexto para protestos violentos orientados para desestabilizar um governo que conta com apoio eleitoral da maioria dos nicaraguenses.

Líderes e autoridades de religiões neoevangélicas e da hierarquia da Igreja Católica manifestaram-se para pedir calma e pregar a necessidade de mais diálogo. 

A Cosep [a Fiesp da Nicarágua] insistiu em que as manifestações se mantivessem pacíficas e quer reabrir o diálogo com o governo sobre a reforma da seguridade social. O Exército e a Polícia apoiam firmemente o governo eleito, e a Polícia agiu com prudência, ante a evidência de provocação armada. Sindicatos e a principal organização de estudantes da Nicarágua condenaram a violência e reafirmaram o apoio ao governo de Ortega e às reformas que o governo propôs, do INSS local. 

O Sindicato dos Adultos Idosos, que trabalha a favor de aumento nas aposentadorias, pensões e benefícios de atendimento à saúde dos mais velhos também apoia as propostas, que incluem dedução de 5% nas pensões dos idosos, em troca de direito pleno à mesma assistência à saúde que têm os trabalhadores da ativa.

Contexto: Sistema de Seguridade Social da Nicarágua

Depois que partidos da direita venceram as eleições nacionais em 1990, os governos modificaram os programas do Instituto de Seguridade Social (INSS), reduzindo coberturas e benefícios. Durante aquele período, milhões de dólares de fundos do INSS foram transferidos ilegalmente para empresas do setor privado e para pagamentos ilegais a indivíduos. Quando um novo governo sandinista voltou ao poder, com o presidente Daniel Ortega em janeiro de 2007, o fundo de seguridade social enfrentava situação deficitária insustentável e base de contribuição muito reduzida.

Desde então, o INSS aumentou o número de pessoas cobertas pela segurança social e também estendeu os benefícios oferecidos pelo sistema. Atualmente o sistema cobre procedimentos de hemodiálise, terapias oncológicas, cirurgias de medula, oftalmologia, neurocirurgia, implantes de próteses de quadril e joelho, transplantes de rim e outros caros procedimentos de alta especialização.

Apesar de ter aumentado o número de pessoas que contribuem para o sistema, o INSS da Nicarágua ainda enfrenta deficit de cerca de US$75 milhões. 

A disputa que se trava hoje entre o governo e o setor privado tem a ver com como financiar esse deficit. O setor privado quer reduzir custos; e apresentou, para essa finalidade, o seguinte plano neoliberal:


·  Aumentar a idade de aposentadoria, de 60 para 65.
· Eliminar a pensão reduzida paga a aposentados que não puderam completar as 750 contribuições semanais exigidas para que o empregado se qualifique para receber a pensão integral.
·  Eliminar a pensão mínima que garante que ninguém receba pensão inferior ao salário mínimo garantido aos trabalhadores industriais.
· Eliminar o bônus anual de Natal, equivalente a um mês de aposentadoria.
·  Desancorar o valor da aposentadoria e a moeda nacional, para compensar a redução anual de 5% aplicada pelo Banco Central.
· Duplicar o número de contribuições semanais exigidas para que o trabalhador faça jus à aposentadoria, de 750 para 1.500.
· Privatizar as clínicas médicas hoje mantidas pelo INSS.

O governo quer proteger o sistema social de assistência à saúde e aumentar os benefícios e a cobertura da segurança social, definida como bem público. Propõe as seguintes medidas:


· Aumento gradual da contribuição dos empregadores, a partir de 3,25%.
· Aumentar a contribuição dos empregados, em 0,75%.
· Aumentar a contribuição do Estado para os trabalhadores do setor público, em 1,25%.
· Remover o teto proporcional ao salário, de modo que os que recebem salários mais altos passem a contribuir conforme a própria renda.
· Deduzir 5% nas aposentadorias atualmente pagas, em troca de os aposentados passarem a receber os mesmos benefícios de trabalhadores em atividade (atualmente não é assim).
· Manter em 750 o número de contribuições semanais mínimo para a concessão da aposentadoria.
· Manter a pensão reduzida e a pensão mínima.
· Manter o bônus de Natal.
· Manter o valor das aposentadorias, contra a desvalorização anual de 5%.
· Manter a propriedade pública de todas as clínicas de saúde do INSS.

Desenvolvimentos recentes

O presidente Daniel Ortega confirmou que o governo continuará a negociar com a Cosep, que representa os empresários do setor privado, e com as demais organizações que participam do diálogo sobre como defender a sustentabilidade do INSS. Os distúrbios prosseguem em várias regiões da Nicarágua, com notícias de mais mortos e feridos. Representantes da igreja, líderes do empresariado e políticos têm conclamado os grupos a porem fim à violência. 

Para os grupos de direita que provocam e fomentam a violência, a questão da reforma do INSS é simplesmente o pretexto de momento. Mas ainda não se vê com clareza se há planos para provocar desestabilização de longo prazo.

O padrão é em tudo idêntico ao que se viu na Líbia, na Costa do Marfim, na Síria, na Ucrânia, na Tailândia e na Venezuela [e em Brasília, Brasil, 2015-2016). Nesses países, minorias políticas de extrema direita conspiraram com elites estrangeiras – principalmente dos EUA e Europa – para derrubar o governo nacional eleito e o status quo constitucional e tomar o poder. 

Na Nicarágua, uma pequena minoria de direita que fazia oposição ao governo abertamente buscou apoio financeiro e político nos EUA e na Europa explicitamente para minar até a total desestabilização o governo nacional sandinista. É óbvio que na Nicarágua se reaplica o modelo já tentado na Venezuela. 

As próximas poucas semanas dirão se a Nicarágua sofrerá mais uma intervenção dos EUA, com tudo que isso implica para o povo do país e da região.*******



[1] Interessante, para conhecer a discussão tensa que se trava dentro da esquerda mundial e também dentro da esquerda na Nicarágua sobre o governo sandinista de Daniel Ortega é "Daniel Ortega traiu a revolução sandinista", de 2016, de Miguel Urbano Rodrigues, conhecido dos brasileiros e falecido ano passado [NTs].

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