segunda-feira, 14 de maio de 2018

Descomunal derrota eleitoral do 'ocidente': Hezbollah: o grande vitorioso no Líbano

9/5/2018, Brett Redmayne-Titley, Unz Review



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Cartazes da campanha política no Líbano

No que se deve descrever como descomunal derrota da influência ocidental no Líbano, o Hizbullah dobrou o número de assentos com votos no novo Parlamento libanês, resultado da primeira eleição em nove anos e da decisão dos libaneses de comandarem os próprios feitos eleitorais.


O desespero dos apoiadores ocidentais de Saad Hariri ficou patente no gigantismo de sua propaganda eleitoral, com imagens suas por toda a cidade, no esforço para fazer sumir os demais candidatos com os quais ele imaginava contar para constituir sua própria nova coalizão, que teria resultado em mais poder para ele mesmo e para os apoiadores ocidentais com os quais se reuniu há duas semanas em Paris. O mesmo desespero também apareceu muito visível, no escândalo da compra de votos – que a mídia-empresa ocidental ignorou –, outro expediente que visava a impedir a ascensão do Hizbullah.

Movimento de importância geopolítica, contudo, nos últimos dias de campanha da eleição para o Parlamento realizada domingo retrasado, essa acusação de compra de votos estava muito presente na mente dos libaneses (foram oferecidos $2000 por voto) que chegavam às urnas. O descontentamento dos eleitores ante essa tentativa para fraudar a primeira eleição depois de quase uma década, resultou numa derrota que condenou Hariri à lata do lixo político, depois de o seu grupo perder mais de 1/3 dos assentos que ocupavam no Parlamento; ao mesmo tempo, o Hizbullah dobrou o número de assentos com votos que tinha, chegando a 24 votos; e vários candidatos e grupos da mesma coalizão também obtiveram vantagens expressivas. Implica dizer que, como previsto, a coalizão do Hizbullah não será apenas uma barreira contra a influência ocidental que ainda resta no Parlamento libanês: a coalizão do "Partido de Deus" passa agora a ditar a agenda e, com a nova maioria, tem capacidade para influenciar fortemente a eleição dos três líderes mais importantes do país: o presidente, o presidente do Parlamento e o primeiro-ministro – cargo no qual é pouco provável que Hariri consiga permanecer.

Os problemas para Hariri começaram logo cedo, na manhã das eleições, quando, às 14h, o comparecimento dos eleitores às urnas mal chegava aos 24,7%, muito abaixo das expectativas. O atual presidente Michel Aoun foi para a TV para pedir que o Líbano se levantasse e fosse votar. Num tuíto logo depois, Aoun escreveu: “Reitero a convocação. Se o que vocês querem é mudança e nova abordagem, é indispensável que exerçam o direito de votar. Não percam a oportunidade que a nova lei oferece, de todos poderem ser eleitos ao Parlamento.”

Depois disso, começaram a surgir carros adornados com bandeiras dos partidos políticos pelas ruas, com alto-falantes conclamando os eleitores a ir votar. Carros de som faziam ouvir discursos dos candidatos pedinto votos também em frente às cabines eleitorais – o que configura infração à Regra 78 das leis eleitorais. Sami Gemayel, líder do Partido Kataeb e deputado, depois de votar em Metn, disse a repórteres que estava chocado com "tantos candidatos desrespeitando a lei de blecaute de todas as mídias no dia das eleições". O presidente da Comissão de Observação das Eleições, juiz Nadim Abdel Malek, distribuiu comunicado alertando que veículos que tivessem infringido a lei do silêncio no dia das eleições seriam denunciados à Corte competente.

Como fez sempre, desde o início da campanha, o Hizbullah manteve-se estritamente nos limites do que manda a lei. Os eleitores do Hizbullah são empenhados, muito bem organizados, pró-Líbano até o âmago e muito bem informados. Sabiam da importância daquela eleição e foram em massa às urnas. O baixo comparecimento às urnas dos demais candidatos favoreceu o sucesso do partido, porque os adversários desistiram das eleições. Além do mais, o Hizbullah não se envolveu nos golpes e falcatruas eleitorais, o que é consistente com o que o Partido de Nasrallah faz sempre, nos seus 18 anos de ascensão ao poder. Dentre outros fatores, o Hezbollah foi beneficiado pela fidelidade inalterada e reconhecida, à legalidade e à ética, exigência consistente com a doutrina xiita e o horror que a corrupção inspira aos xiitas. 

A doutrina xiita aparece como o perfeito oposto da corrupção flagrante e escandalosa e do divisionismo de Hariri e de outros partidos não xiitas. Depois do grande escândalo da compra de votos, só restaram aos eleitores duas escolhas: não votar, ou votar contra mais e mais corrupção. Nenhuma dessas vias favorecia Hariri, a escolha estreita reduziu o comparecimento dos seus eleitores às urnas, e o Partido do Movimento Futuro, de Hariri, sofreu derrota fragorosa.

Não se registraram incidentes sérios e os únicos problemas foram as longas filas, urnas trocadas por acidente, falta de privacidade na cabine eleitoral, acesso difícil para os portadores de necessidades especiais e para os mais velhos, reclamações de que as cédulas eleitorais eram grandes demais e acusações contra vários políticos, por violarem a Regra 78. Myriam Skaff líder do Bloco Popular disse, em conferência com jornalistas, que o Partido Forças Libaneses haviam atacado o carro dela com porretes, e criticou as Forças da Segurança Interna por não ter impedido o ataque ao carro no qual ela viajava, até que, afinal, o exército libanês espantou os agressores. A rede Al-Jadeed TV noticiou que o Exército Libanês deteve um homem que tentava furar, com seu carro, um bloqueio de estrada em Choueifat.

A chefe da Missão de Observação das Eleições enviada pela União Europeia, Elena Valenciano disse que os 131 observadores, distribuídos por todo o território libanês, tiveram impressão "muito positiva" do processo eleitoral, em 98% dos casos observados. "A gestão do processo de votação prossegue normalmente, com alto profissionalismo" – disse Valenciano. Valenciano evidentemente excluiu de suas 'observações' a fraude eleitoral que estava na cabeça de todos. O líder do Movimento Livre Patriótico, candidato ao Parlamento e atual ministro de Relações Exteriores Gebran Bassil tratou com mais precisão o problema. Falou de uma "brutalidade financeira" focada em comprar votos e a consciência dos cidadãos, o que é sempre perigoso". Bassil disse que seu partido está "limpo". (...)

Às 22h32, o Ministério do Interior do Líbano corrigiu a contagem inicial de comparecimento às urnas, para 46,88%. É comparecimento frustrante, depois de nove anos de espera, inferior aos 55% da eleição anterior.

O que a eleição significa para o Líbano

Na 2ª-feira, o líder do partido vencedor Hassan Nasrallah falou de uma grande vitória política e eleitoral para a "Resistência". Disse que o Hezbollah comprovou que todos os que duvidaram do apoio que as bases garantiriam aos seus candidatos erraram.

O grupo bloco só de candidatos xiitas emergiu mais forte do que antes. Xiitas contrários ao Hezbollah e seus aliados no Movimento Amal no sul são tão poucos, que suas listas eleitorais nem ultrapassaram a cláusula de número mínimo de eleitores para apresentar candidatos.

Além de ampliar a representação dos xiitas em geral, o Hezbollah conseguiu ampliar sua base parlamentar, tomando assentos de sunitas e católicos aliados em Beirute e no Vale do Beqaa Ocidental.

"O Hezbollah é o grande vencedor nessa eleição" – disse a Middle East Eye Kassem Kassir, autor do livro Hezbollah between 1982 and 2016. Acrescentou que o partido e seus aliados diretos terão um bloco de 50 deputados dos 128, sem contar a antiga coalizão sua aliada, do presidente Michel Aoun.

Cartaz, no sul de Beirute, com fotografia de Nasrallah e o slogan "Estaremos onde tivermos de estar" [Middle East Eye]

O Movimento Futuro do primeiro-ministro Saad Hariri perdeu cadeiras em vários distritos nos quais sempre reinou sem força que o ameaçasse. Seu partido perdeu 1/3 do total de assentos que tinha no Palamento, para os atuais 29 deputados.

Em Trípoli, o Movimento Futuro perdeu cinco dos 11 assentos que tinha na Assembleia Distrital para rivais sunitas, e o ex-primeiro-ministro Najib Mikati obteve quatro, enquanto Faisal Karameh, ex-primeiro-ministro e herdeiro de uma dinastia política no norte, chegou afinal ao Parlamento. Enquanto isso, o ex-ministro da Justiça Ashraf Rifi amargou dura derrota em sua cidade natal Tripoli, o que pôs fim à tentativa para substituir Hariri na liderança sunita.

O grupo cristão Forças Libanesas, de direita, deve ampliar a própria presenta no Parlamento, de oito para 15 deputados, o que fará dele a maior força política cristã no Líbano. FL opõe-se furiosamente ao Hezbollah e diz que as armas do Partido de Deus são ilegais – o que não passa de hipocrisia política, dado que o grupo comandou uma milícia terrorista brutal na guerra civil de 1975-1990, e foi banido da vida política durante os anos em que a Síria controlou o Líbano até 2005.

Trabalhadores no Distrito 1, em Beirute, em campanha de apoio ao Hizbullah 

Com Aoun no palácio presidencial, seu Partido Patriótico Livre procurou pelo menos manter seu grande bloco parlamentar de apoio ao presidente. Mas o PPL deve perder alguns de seus 27 assentos com voto. Gebran Bassil, ministro de Relações Exteriores, genro de Aoun e presidente do PPL, chegou afinal ao Parlamento, depois de duas tentativas fracassadas em 2005 e 2009. Mesmo assim o PPL perdeu votos parlamentares em Monte Líbano e no norte, principalmente por efeito da representação proporcional, e agora tem de enfrentar oposição ainda mais forte de Geagea, que concorria, ele mesmo, à presidência. (...)

Depois de fechadas as sessões eleitorais e de já se conhecerem os resultados, na 2ª-feira o ministro Machnouk do Interior elogiou as eleições como "um festival democrático". (...)

O líder do Hizbullah, Hassan Nasrallah, também elogiou a eleição como "um sucesso", e cumprimentou o governo e o presidente Aoun pelo sucesso do pleito eleitoral.

O futuro do Líbano está agora firmemente nas mãos desses novos parlamentares que são sinceros no desejo de ver o Líbano prosperar e chegar a um novo tipo de futuro, que seja de inclusão e de paz. 

Agora que o Líbano começa a se organizar para mudar o próprio país, a eleição que acaba de ser concluída não deixará que a 'troika' europeia esqueça a lição – que é sinal do que está por vir em outras eleições em todo o mundo: trapaceiros enganam muita gente, mas não enganam sempre, nem enganem todos.*******

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