domingo, 2 de setembro de 2018

EUA já marcaram a próxima agressão à Síria?

31/8/2018, The Saker, Unz Review


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Do que nos agrada, queremos mais / Bis repetita placent.
Horácio, Arte Poética

Bomb, Bomb, Bomb, Bomb, Bomb Iran!
John McCain

O Presidente Putin, Rússia e Irã são responsáveis por apoiar o animal Assad. Grande prêmio...
Donald Trump

E difícil dialogar com gente que confunde Áustria e Austrália. 
Vladimir Putin





Parece que o círculo se completa e voltamos ao início: os anglossionistas estão outra vez, ao que parece, preparando-se para usar os mesmos White Helmets (que também atendem por "terroristas do bem") para executar outro ataque químico sob falsa bandeira na Síria, para outra vez culpar as forças do governo. Os russos estão outra vez avisando o mundo sobre o que está para acontecer e, exatamente como da outra vez, (quase) ninguém deu atenção. 

E há até notícias de que os EUA estão, outra vez, considerando impor uma zona aérea de exclusão (totalmente ilegal) sobre a Síria (há tempos não ouvia essa, desde a campanha eleitoral de Hillary). E, precisamente como da primeira vez, parece que o objetivo dos EUA é salvar os "terroristas do bem", ameaçados por mais uma grande vitória do governo sírio.

Parece que minha predição de que cada "click" nos põe um passo mais perto do "bang!" está infortunadamente se confirmando. E, embora o Império pareça estar desistindo da noção de reconquistar a Síria em grande escala, os neoconservadores estão claramente promovendo uma ação que pode vir a ser ataque em grande escala de mísseis contra a Síria. 

O fato de disparar grande número de mísseis próximos ou sobre forças russas pode resultar em contra-ataque russo o qual, por sua vez, pode levar a ataque maior, possivelmente a uma guerra nuclear, não parece ter qualquer influência nos planos dos neoconservadores. Verdade, os neoconservadores são, na maioria, muito estúpidos (do tipo "focado no curto prazo"), com forte complexo de superioridade e visão messiânica sobre nosso mundo. Contudo, muito me impressiona que tão poucas pessoas nos EUA e na União Europeia deem sinais de preocupação com essa situação. De algum modo, a guerra nuclear tornou-se tão impensável, que muitos 'concluíram' que não pode acontecer e não acontecerá e pronto.

A outra coisa para a qual os neoconservadores parecem não dar qualquer importância é que a situação em campo na Síria não pode ser alterada a tiros de mísseis ou à bomba. Para começar, o mais recente ataque dos EUA provou, acima de qualquer dúvida, que os Tomahawks dos EUA são alvo fácil para as defesas aéreas (a maior parte das quais são antiquadas) da Síria. 

Claro, os EUA podem confiar em mais AGM-158 JASSM, muito mais difíceis de interceptar, mas – só para começar – não importa quais mísseis sejam usados, em nenhum caso eles degradarão com efetividade as capacidades militares da Síria, simplesmente porque é ínfimo o número de alvos lucrativos a serem atacados por mísseis na Síria. Considerando que os EUA sabem muito bem que não acontecerá ataque químico algum (e, até, que nem poderia acontecer ataque algum, dado que até os EUA declararam a Síria livre de armas químicas, em 2013), suponho que a Casa Branca considere a possibilidade de explodir uns poucos prédios vazios e declarar que "o animal Assad" foi castigado. 

Mas ainda que um ataque de mísseis dos EUA não enfrente nenhuma resistência ou defesa, nem por isso algum ataque de mísseis dos EUA fará qualquer sentido militar. É o caso, portanto, de perguntar: mas... atacar a Síria, para quê?! 

Infelizmente, a resposta bem evidente a essa pergunta é que o iminente ataque de mísseis dos EUA contra a Síria tem pouco a ver com a Síria, e tem muito mais a ver com a política interna dos EUA.

Opção russa e opção síria 

Mas também há algumas diferenças. A maior diferença é que dessa vez a força-tarefa naval dos russos no Mediterrâneo ocidental é muito maior que da primeira vez: 15 navios, incluindo duas fragatas avançadas – Admiral Grigorovich Admiral Essen (matéria detalhada aqui) e dois submarinos de ataque classe 636.3 avançados movidos a diesel. É muito poder de fogo antinaval, antiaéreo e anti-submarinos.

Mas, e ainda mais crucialmente importante, é também muita capacidade avançada para alerta precoce. Desde que as redes de defesa antiaérea de russos e sírios foram integradas por sistemas automáticos unificados de fogo, tudo isso significa que os sírios "verão" muito clara e acuradamente o que esteja acontecendo dentro e em torno do espaço aéreo sírio (o que é especialmente verdade com os russos mantendo ativada a patrulha com os A-50U AWACS [ing. AWACS, Airborne Warning and Control System, Sistema Embarcado Aéreo de Alerta e Controle], 24 horas/dia, sete dias/semana).

O que mais me preocupou e preocupa são as matérias (como essa) que dizem que o secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo disse ao ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov semana passada que "Moscou será responsabilizada" se acontecer algum ataque químico. 

Se por "Moscou será responsabilizada" os doidos em Washington DC pensaram que diziam "moralmente responsabilizada", é apenas mais da mesma imbecilidade. Mas temo que doidos varridos feito Bolton e Pompeo que estão no governo estejam pensando em atacar o pessoal russo na Síria (não necessariamente nas bases Khmeimin ou Tartus, que são bem defendidas). Esses caras podem atingir facilmente várias instalações ou unidades militares sírias nas quais se sabe que há pessoal russo, e declarar que não tinham o objetivo de atacar russos e que russos atingidos estariam "claramente envolvidos" com as forças sírias das armas químicas. Os EUA já atacaram cidadãos russos com sequestros e prisão, e podem começar agora a matar cidadãos russos para, em seguida, tentar jogar a culpa pelas mortes sobre o Kremlin. Parece-lhes impossível? Basta lembrarem "Skripal" e verão que a possibilidade não está longe da realidade verificada.

Claro que, sim, os russos têm opções. Uma das coisas que podem fazer é pôr em prontidão para ação rápida seis MiG-31s modernizados no sul da Rússia (ou, ainda melhor, no Irã) e manter um par deles em patrulha para combate aéreo sobre a Síria (ou sobre o Irã). Combinados com os "olhos" do A-50U, esses MiG-31s garantem aos russos capacidade formidável, especialmente contra o US B-1B alocado no Qatar ou em Diego Garcia. Até aqui, os MiG-31s ainda não viram ação na Síria, mas se a missão for interceptar grande número de mísseis cruzadores, nesse caso eles podem oferecer força muito mais flexível e capaz, que o pequeno número de Su-35 e Su-30 atualmente baseados em Khmeimin.

Mas a chave para proteger a Síria é ampliar as capacidades sírias para defesa aérea e alerta precoce, especialmente com sistemas móveis avançados de defesa aérea, especialmente muitos sistemas entre curto e médio alcance como o Tor-M2 e o Pantsir-S2. Até que essa meta seja alcançada, EUA e Rússia continuarão no mais perigoso "Mexican standoff" [lit. "impasse mexicano"], no qual os dois lados envolvem-se no que chamo de "jogo da franga nuclear" [ing. "nuclear game of chicken"[1]], com cada lado ameaçando o outro e apostando na própria capacidade nuclear para impedir contra-ataque significativo ou ataque de retaliação. 

É situação extremamente perigosa, mas há pouco que a Rússia possa fazer para impedir os governantes dos EUA de voltarem sempre à mesma estratégia, outra e outra vez. Até aqui os russos têm mostrado extraordinário autocontrole, mas se forem provocados excessivamente, o passo seguinte será retaliar contra os EUA de um modo que assegure à Rússia o que a CIA chama de "negabilidade plausível" [ing."plausible deniability" (opção que já discuti há mais de um ano, nesse artigo)]. 

Se atacados diretamente e abertamente, os russos, claro, não terão alternativa e terão de revidar. E embora seja verdade que as forças russas na e em torno da Síria sejam significativamente menores que as forças de EUA/OTAN/CENTCOM, os russos têm vantagem massiva sobre os EUA em termos de mísseis cruzadores de longo alcance (ver a análise de Andrei Martyanov, "Rússia’s Stand-Off Capability: The 800 Pound Gorilla in Síria" para discussão detalhada desse tópico).

Nada do que escrevi acima é novidade, o mundo está preso nessa situação já há mais de um ano e ainda não parece haver fim à vista. Infelizmente, só posso concordar com Ruslan Ostashko: só derrota militar massiva ou colapso econômico não menos massivo conseguirão deter gente que "confunde Áustria e Austrália" e pôr fim à sua busca insana por hegemonia mundial, pela violência.*******



* Essa é a tradução que o Saker oferece, para a expressão latina. Mas há quem traduza a expressão de Horácio noutra direção: "O que é repetido nos agrada", no sentido de "rima", sons que se repetem para criar um efeito especial, prazeroso. Fica aqui essa nota, para registrar [NTs].
[1] Expressão da teoria dos jogostraduzida quase sempre como "jogo da galinha". Essa tradução nos parece fraca, porque apaga o traço mais importante do jogo, que são as variantes do medo, desde a precaução recomendável, até a mais vergonhosa covardia [traços semânticos que se recuperam na palavra 'franga' (gíria, bras.)] (NTs).


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