terça-feira, 31 de maio de 2016

Atacar Rússia. Atacar China. Atacar Irã, por Pepe Escobar

28/5/2016, Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Não passa um dia sem que a Think-Tankelândia dos EUA faça o que faz de melhor: promover todos os tipos imagináveis de guerra fria – e quente – contra a Rússia, mais miríades de provocações/confrontos com China e Irã.

Combina com as Cinco Principais ameaças existenciais contra os EUA listadas pelo Pentágono, lista na qual Rússia e China têm o trono e o Irã aparece em 4º lugar – à frente do "terrorismo" do tipo falso "Califato" do Daech [a lista clássica do gen. Clapper: 1) Rússia, 2) China, 3) N. Korea, 4) ISIL (NTs)].

Aqui já reuni alguns fatos resumidos de realpolitik para contra-atacar a histeria – mostrando como a vantagem real dos russos com seus mísseis supersônicos torna inútil todo o constructo da retórica paranoica da OTAN.



O Sistema Aegis de defesa dos EUA foi transferido, de navios para a terra. O sistema de mísseis Patriot de defesa é imprestável. O Aegis é cerca de 30% melhor que o sistema THAAD; pode ser mais efetivo, mas também tem alcance limitado.

O sistema Aegis não é – por enquanto – ameaça alguma contra a Rússia. Mas, com o sistema recebendo um upgrade – o qual, sim, pode demorar anos para ter efeitos – pode vir a causar preocupação mais grave, com o Excepcionalistão, hoje, empurrando-se cada vez mais para o leste, aproximando-se das fronteiras russas.

Seja como for, a Rússia está anos-luz à frente, em mísseis supersônicos. O Pentágono sabe que, contra o sistema S-500, o F-22, o espantosamente caro F-35 e os aviões B-2 stealth – estrelas de um programa de aviões de combate de 1 trilhão de dólares – são totalmente obsoletos.

Então, já voltou ao velho meme de sempre: "agressão russa!", sem o qual o Pentágono não tem meios para lutar para manter o direito divino de ser abençoado com fundos ilimitados.

Washington tinha 20 mil especialistas em planejamento trabalhando antes do final da 2ª Guerra Mundial, focados na reconstrução da Alemanha. Washington tinha apenas seis em função correlata, depois de ter destruído o Iraque na Operação Choque e Pavor, de 2003.

Não foi incompetência; era o Plano A desde o início. A União Soviética era considerada ameaça gravíssima no final da 2ª Guerra Mundial – portanto, a Alemanha tinha de ser reconstruída. Iraque foi guerra de escolha, para roubar os poços de petróleo – misturado com implementar o capitalismo de desastre mais hardcore. Ninguém em Washington jamais pensou no caso, nem algum dia quis reconstruir algum Iraque.

"Agressão russa" não se aplica ao Iraque; só tem a ver com a Europa Oriental. O ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov, por via das dúvidas, já deixou bem claro que a implantação do sistema Aegis será respondida com estilo, adequadamente – e até a mídia-empresa dos EUA já começa a admitir que a economia russa já dá sinais de estar-se recuperando dos efeitos da guerra dos preços do petróleo.

Dê uma olhada no meu patrimônio líquido...

Já escrevi que a China não é Castelo de Cartas [orig. House of Cards]. Seja qual for a verdadeira razão dívida/PIB chineses – os números variam entre 23% e 220% – pouco significa para uma economia do tamanho da chinesa, especialmente porque a economia chinesa é integralmente controlada dentro da China.

A China mantém mais de $3 trilhões de dólares norte-americanos e outras moedas ocidentais em reservas, ao mesmo tempo em que, gradualmente, vai desconectando a própria economia do verdadeiro Castelo de Cartas: a economia do dólar norte-americano.

Nessas específicas circunstâncias, o que significa a dívida externa? Pouca coisa. A China poderia – embora ainda não tenha feito – produzir mais yuan e recomprar a própria dívida , mais ou menos como os EUA com o 'alívio quantitativo' [ing. quantitative easing (QE)] e o Banco Central Europeu (BCE) que pode a determinados 'países favoritos' (fortes apoiadores da OTAN) que produzam mais que a parcela de euros que cabe a eles.

Mas Pequim não precisa realmente fazer tais coisas. China, Rússia e a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e o que restou dos BRICS (Brasil em suspenso, até, pelo menos, 2018) estão lentamente, mas firmemente, forjando a moeda interna própria, e o sistema de transferência de moeda (já operante internamente na China e na Rússia), para escapar ao sistema SWIFT e ao Banco Internacional de Compensações [ing. Bank of International Settlements (BIS)].

Quando estiverem prontos para abrirem-se e seus sistemas para que o resto do mundo una-se a eles, então a dívida externa baseada no dólar norte-americano já nada significará.

A Think-Tankelândia dos EUA, como sempre, continua sem qualquer ideia sobre o que fazer. Como explica uma das minhas fontes chinesas, "cada vez que algum falastrão ocidental menciona o 'problema' da dívida chinesa, fala de número tirado do nada; e soma todas as dívidas, central, provinciais, dos governos municipais, todas as dívidas estimadas de empresas, empréstimos tomados de bancos fora da China. E compara esse número total na China, com números que correspondem a países ocidentais e ao governo central do Japão".

A fonte acrescenta que "a China está operando com orçamento equivalente a $60 trilhões. Empréstimos de fontes externas, na casa dos $11 trilhões; e dinheiro e equivalente, na faixa dos $3,6-4 trilhões. Todo esse dinheiro – ou todo o patrimônio líquido – é a maior força discricionária, e está em mãos de líderes chineses; nada há que sequer se compare a isso, em mãos de qualquer outro governo ocidental".

Para nem mencionar que, em termos globais, Pequim está apostando no que o Fórum Econômico Mundial chama de Quarta Revolução Industrial. A China já é o entroncamento central para produção, oferta, logística e cadeia de valor. O que nos leva a Um Cinturão, Uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)]; todas as estradas levam às Novas Rotas da Seda puxadas pelos chineses e que conectarão, mais e mais profundamente, a economia da China e a infraestrutura por toda a Eurásia. OBOR simultaneamente expandirá o poder global da China, ao mesmo tempo em que contragolpeará, geopoliticamente, o – até hoje sem qualquer efeito – "pivô para a Ásia" – incluídas as provocações do Pentágono no Mar do Sul da China, melhorando a segurança da China no campo da energia.

Sanções, como os diamantes, são eternos

Outra das grandes narrativas ficcionais do Excepcionalistão é que os EUA estariam "preocupados" com a inabilidade dos bancos europeus para negociar no Irã. Perfeito nonsense; na verdade, o Departamento do Tesouro dos EUA só faz meter medo-pânico em todo e qualquer banco europeu que se atreva a negociar com Teerã.

Índia e Irã firmaram negócio histórico, de $500 milhões, para desenvolver o porto iraniano de Chabahar – nodo chave no que já se pode chamar de Nova Rota da Seda Índia-Irã, conectando a Índia à Ásia Central, via Irã e Afeganistão.

Imediatamente depois, o Departamento de Estado dos EUA tem o topete de anunciar que o negócio será "examinado" – porque os proverbiais senadores norte-americanos para os quais "1º Israel" (depois os EUA) insistem em que o negócio violaria as sanções eternas contra o Irã. E isso acontece paralelamente a uma narrativa oficial crescente sobre "instabilidades" que estariam contaminando repúblicas ex-soviéticas na Ásia Central – especialmente o Cazaquistão e o Tadjiquistão. Gente paga pela CIA com certeza conhece bem as fontes de "instabilidades" por ali – porque não há quem não saiba que a própria CIA lá está a fomentá-las.

A Índia a fazer negócios com o Irã é evento "muito suspeito". Por outro lado, a Índia está plenamente autorizada a formalizar um acordo histórico de cooperação militar com os EUA, chamado vagamente de "Acordo de Apoio Logístico" [ing. "Logistics Support Agreement"  (LSA)] – pelo qual militares dos dois países podem usar bases terrestres, aéreas e navais um do outro, para ressuprimento, reparos e outras "operações" vagamente definidas.

Assim sendo, todos os agentes e forças estão mobilizados por todo o Excepcionalistão para se opor à Rússia e à China, e impedir que aconteça qualquer normalização real com o Irã. Essas ofensivas localizadas – práticas e retóricas – em todas as frentes significam sempre e só uma única coisa: fraturar e romper, custe o que custar, o projeto Novas Rotas da Seda, de integração da Eurásia. Podem apostar: Moscou, Pequim e Teerã absolutamente não se deixarão enganar.*****

Nenhum comentário:

Postar um comentário