segunda-feira, 25 de julho de 2016

EUA-2016: A verdadeira 'luta de classes' Neoliberais Neoconservadores X Populistas Justiceiros

24/7/2016, Michael Hudson (vídeo) in The Real News NetworkTRNN


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

"É o que eu já disse. Trump passou a perna em Hillary, pela esquerda, pode-se dizer. Diz que quer dar nova vigência à Lei Glass-Steagall. E os Clintons são, precisamente, os que deram cabo dessa lei."



Na 6ª-feira, logo depois que o Congresso Republicano Nacional decidiu pela candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA, Paul Krugman do New York Times publicou coluna intitulada "Donald Trump: o Candidato Siberiano" [ing.Donald Trump: The Siberian Candidate]. No artigo, alertava para o perigo de, se eleito, Donald Trump vir as ser homem de Vladimir Putin na Casa Branca. Krugman dizia-se preocupado, por mais ridícula e ultrajante que a suposição seja, com o que fez recentemente a campanha de Trump, que levou especialistas a questionar, diz Krugman, que tipo de poder Putin terá sobre o candidato Republicano e que influência manterá, se Trump for eleito.

Hoje, aqui estamos para examinar essa preocupação com Michael Hudson, que nos recebe em New York. Michael é professor emérito de pesquisa em Economia da University of Missouri Kansas City. Seu livro mais recente é Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage Destroyed the Global Economy [Matar o hospedeiro: Como parasitas financeiros e a servidão da dívida destruíram a economia global]. Obrigada por nos receber, Michael.


MICHAEL HUDSON: Bom estar com vocês, Sharmini. Foi semana excitante.

PERIES: Comecemos então por esse artigo de Paul Krugman. O que está querendo com a análise do tal candidato siberiano?

HUDSON: Bem, Krugman alistou-se às fileiras dos neoconservadores, como muitos neoliberais, todos aterrorizados porque estão perdendo o controle sobre o Partido Republicano. Ao longo do último meio século, o Partido Republicano foi pró-Guerra Fria e a favor da livre iniciativa corporativa. Agora, Trump, na verdade, está revertendo isso. Está revertendo toda a plataforma tradicional. Isso realmente preocupa muito os neoconservadores.

Até o discurso de Trump, durante toda a Convenção Republicana, todos os oradores evitaram toda e qualquer questão econômica. Nenhum deles fez qualquer referência à plataforma do partido, o que não é bom. Todos só fizeram atacar Hillary. Aquela cantoria de "cercar Hillary". E os filhos de Trump, convocados para humanizá-lo, fazê-lo parecer um bom homem, que ama a família.

Mas afinal veio o discurso de Trump e, afinal, pela primeira vez, veio carregado de política. Em relação a Hillary, Trump está fazendo uma conversão à esquerda. Atraiu duas vezes mais eleitores de Bernie Sanders, e as duas grandes políticas que delineou no discurso romperam radicalmente com a posição de direita tradicional dos Republicanos. Diziam que ele estaria destruindo o partido pela direita, e Trump disse que não está destruindo o partido. Está é construindo o Partido Republicano e fazendo-o atraente para os trabalhadores, atraente para os interesses racionais que, sem ele, apoiariam Bernie Sanders.

Coerente com isso, disse que, em termos de segurança nacional, quer reduzir os gastos da OTAN. E disse bem claramente também "reduzir os gastos militares". Podemos gastar aquele dinheiro em infraestrutura, dando emprego ao trabalhador norte-americano. Disse também, no mesmo discurso, escutem aqui, não precisamos de bases militares fora dos EUA, gastando dinheiro fora dos EUA para defender nossos aliados. Podemos defendê-los da ação dos EUA, porque no mundo atual o único tipo de guerra que haverá será guerra atômica. Ninguém vai invadir país do vizinho. Não vamos mandar soldados invadirem a Rússia, se nos atacar. Ninguém nem fala disso. Temos de ser realistas.

Foi o que bastou. "Ser realista" é coisa que enlouquece aquela gente. E não foi só Krugman que disse que Trump "segue política pró-Putin à custa dos aliados dos EUA", e Krugman falava da Ucrânia, basicamente. Nisso, fez-se de lobbyista a favor do complexo industrial militar. Mas no Washington Post lá estava Anne Applebaum, que chamou Trump de "O Candidato da Mandchúria", em referência ao filme de 1952, e rejeitando a loucura dos neoconservadores. Tudo isso enlouqueceu aquela gente, porque têm medo de, com Trump, estarem perdendo o Partido Republicano.

Na política econômica, Trump também se opõe à Parceria Trans-Pacífico e à Parceria Trans-Atlântico e à tomada do poder pelas corporações [inaudível], com a Europa bloqueando qualquer tipo de controle público sobre comércio e investimentos. Essa foi outra das grandes bandeiras da campanha de Bernie Sanders contra Hillary, do que Trump sabe muito bem. As alas corporativo-empresariais dos dois partidos, dos Republicanos e dos Democratas, temem que a empenhada oposição de Trump ao NAFTAe ao acordo da parceria TPP impedirá os Republicanos de sitiar o governo Obama, depois das eleições de novembro. O combinado é que, tão logo as eleições estejam superadas, Obama reunirá todos os Republicanos e fará aprovar a plataforma Republicana na qual vem trabalhando ao longo dos últimos oito anos. O acordo comercial da Parceria Trans-Pacífico com a Europa e as demais políticas neoliberais.

E agora que Trump tenta reconstruir o Partido Republicano, todos esses arranjos estão ameaçados. Então, na página da face Republicana do New York Times, lá está David Brooks narrando "A morte de Partido Republicano" [ing. The death of the Republican Party]. Quando Trump fala em renascimento do Partido Republicano, está falando da morte do Partido Republicano reacionário, pró-empresas, corporativo, conservador, contra o trabalhador.

E Brooks escreve "Trump está dizimando tudo por que os Republicanos sempre lutaram: a OTAN, reforma da previdência... Daí que é quase cômico, se se observa o que está acontecendo."

E Trump também reverteu a tradicional política republicana de 'responsabilidade fiscal', de 'austeridade'. Com Trump acabou-se a conversa sobre orçamentos equilibrados. E Trump diz que vai implantar política de gerar empregos para o trabalhador norte-americano em obras de infraestrutura. É o que eu já disse. Trump passou a perna em Hillary, pela esquerda. Diz que quer dar nova vigência à Lei Glass-Steagall. E os Clintons são, precisamente, os que deram cabo dessa lei.

Pode até ser só encenação, ele chamar Hillary de candidata de Wall Street, mas tudo isso é, na verdade, um ataque contra Wall Street. O gênio de Trump foi virar pelo avesso os ataques iniciais de que seria empresário de passado comprometedor. Ele disse, ora, vejam aqui, ninguém conhece o sistema melhor que eu. E só eu sei como consertar as coisas. Basicamente, significa que, como empresário e homem de negócios, ele conhece os meandros mais secretos do mecanismo pelo qual o povo está sendo arrochado. É como declarar que só alguém como ele saberá lutar contra Wall Street. Afinal, Trump é o homem que há anos dá muito trabalho aos bancos de Wall Street [inaudível]. E agora pode lutar pela população, na luta dela contra Wall Street, fazendo o que sabe fazer muito bem: arrochar os bancos e forçá-los a comer na mão dele.

Por tudo isso é que digo que chega a ser cômico. Por um lado, temos Republicanos que gritam que querem ver Hillary na cadeia. E Hillary esbraveja que joguem Trump no calabouço. E a eleição se aproxima, e...

PERIES: Podíamos aproveitar a onda e metê-los todos no calabouço. Michael, o que vai ficando cada dia mais claro é que há muita, muita inconsistência no Partido Republicano. Cada um diz uma coisa. Você ouve Mike Pence, candidato a vice-presidente, e depois ouve Donald Trump, e depois ouve Ivanka Trump falar, e cada um diz coisa diferente dos demais. É como uma pauta para cada grupo de pessoas. E acho que em matéria de marketing e marquetação, áreas em que Trump é mestre, tudo isso faz perfeito sentido. Tapinhas nas costas de todos, para que se sintam representados e lembrados, e todos os problemas estarão atendidos e resolvidos.

Nesse sentido, Trump falou, como você disse, também aos seguidores de Bernie Sanders, quando se manifestou contra os acordos comerciais das 'parcerias'. Trump tem falado do NAFTA, das parceria TTIPTTP... Essas são áreas que tradicionalmente aparecem na esquerda, até na extrema esquerda. Agora estão aí, Trump é o homem mais contra as parcerias que surgiu nos EUA. E vai trazer de volta os empregos que foram deslocalizados para outros pontos do mundo. O que significa isso?

HUDSON: Bem, você tem razão ao dizer que há uma confusão política dentro do Partido Republicano. E acho que se fosse marketing, seria a ideia de fazer todos ouvir o que querem que todos ouçam. E se ouvem as ofensas contra os gaysque vêm do governador de direita do estado de Indiana e o que Trump diz sobre os LGBTQ, todos, de um modo ou de outro, encontram seu nicho e podem alinhar-se.

Mas prestei atenção ao que o governador Pence disse sobre defender as posições de Trump sobre a OTAN. E é ambíguo, escorregadio, tão liso, que traduziu o que Trump disse em termos dos quais nenhum conservador Republicano poderia discordar. Acho que foi boa escolha para a vice-presidência, porque... obviamente, ele concordou com dizer o que Trump diz, e ele, que é advogado, sabe fazer as coisas parecerem muito mais razoáveis do que na expressão de Trump.

Para mim, a principal, a maior contradição é outra, e você pode ver, no modo como a convenção começou, com o governador Christie. Acusar Hillary de ser pró-Rússia, quando ela até já ameaçou entrar em guerra contra a Rússia, e criticá-la por não ter ajudado os ucranianos, quando foi Hillary quem mandou Victoria Nuland para lá, para fazer acontecer o golpe, em aliança dos EUA com os neonazistas, e deu a eles $5 bilhões de dólares. Até que Trump inverteu tudo o que Christie disse e mostrou que não, não, não... Eu não sou anti-Rússia: sou pró-Rússia. Não vou defender ucranianos. Comigo é exatamente o contrário.

E é óbvio que os Republicanos se alinharam em duas frentes, ou com um, ou com o outro. Tudo está dividido... Os irmãos Koch dizem que vão dar dinheiro a Trump. Os Republicanos dizem não, estamos apoiando Hillary. A Câmara de Comércio diz que não apoiará Trump, porque ele não é a favor de que as empresas tomem conta de todo o comércio exterior. Por isso, a Câmara diz que está apoiando os Democratas, não os Republicanos.

Aí é que vejo realmente a luta de classes. É a guerra de classes entre Wall Street e o setor empresarial dos Democratas, contra Trump, pelo lado popular. E sabe-se lá, mas é possível que Trump realmente diga o que realmente pensa, quando diz que é a favor dos trabalhadores e quer reconstruir as cidades norte-americanas, pôr o trabalho novamente a trabalhar e ganhar a vida. E quando diz que é favorável a negros e hispânicos terem acesso ao trabalho em condições de igualdade com os brancos, sabe-se lá, talvez esteja sendo sincero. Por que, com certeza, esse é o único caminho pelo qual será talvez possível reconstruir os EUA de modo positivo.

E a coisa interessante é que tudo o que ele obtém dos Democratas são ofensas e denúncias e ataques. Por isso, quero ver como Bernie Sanders vai lidar com tudo isso na Convenção dos Democratas semana que vem.

PERIES: Ok, Michael. Há muito para continuar a discutir. Muito obrigada por conversar conosco, e já estamos esperando por nosso próximo encontro, daqui a uma semana. 

HUDSON: Muito bom estar com vocês, nesses tempos trepidantes. – FIM DA TRANSCRIÇÃO (Despedidas) –


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