segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

“Só aparecem para destruir e matar!”

6/12/2018, Luis Casado, Politika, Chile

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Perigosíssimas, “vêm para destruir e matar...”

É o que anuncia o palácio do Eliseu, sobre os Coletes Amarelos, que já convocaram outra manifestação em Paris para sábado, 8/12: “Vêm para destruir e matar”. A campanha de terror substitui a lucidez e o raciocínio, vale dizer, a política, em sentido nobre. Como alguém ainda se surpreenderia com a ira que esse governo provoca? Com o quanto é furiosamente rejeitado?


Jornalista demais, além da conta, obedientes, perdem o controle sobre o que dizem e escrevem, e põem-se a ladrar histéricos, como lobos, pelas rádios e televisões. Toda a mídia-empresa na França está em mãos de não mais que uma dezena de empresários. Hoje pela manhã um jornalista anunciava “estupros e pogroms” (sic). Há quem preveja uma “guerra civil”. Não é o Apocalipse: é já diretamente o Armagedon.

Os mesmos jornalistas submissos – é preciso manter o cargo – insinuam as piores infâmias, e não dizem que os GAFA – Google, Amazon, Facebook e Apple – não pagam impostos na Europa. Um tímido movimento para tentar cobrar-lhes alguma coisinha, colidiu violentamente contra a decisão de Frau Merkel, assustada com as represálias gritadas por Donald Trump: “Cobrem de nós, e eu cobrarei tarifas de quem queira importar automóveis alemães”.

Também não dizem que combustível para iates nem os super-iates privados não pagam imposto algum; também as empresas de aviação não pagam imposto algum sobre o combustível que seus aviões consomem. Barcos e aviões contaminam tudo. Cobrar dos pobres o custo da “transição ecológica” não é plano que se apresente. Mas a França fabrica barcos de luxo, transatlânticos, porta-contêineres, iates e aviões...

Gérald Darmanin, ministro de Economia, o mesmo que chamou os Coletes Amarelos de “hordas marrons” [referência às camisas marrons dos soldados da SS nazista, aqui (NTs)], declara muito cheio de si: “A refeição num restaurante em Paris, sem vinho, custa em torno de €200 por pessoa” [cerca de R$800]. A maior parte dos aposentados recebe de € 500 a € 1.000 [c.R$2.000 a R$4.000] por mês. O salário mínimo mensal é de € 1.188 [c.R$5.250,00]. Quem pode comer num restaurante em Paris?”

As multinacionais, quando pagam, pagam coisa de 8% de impostos. Pequena empresa paga 30% e o Imposto sobre Valor Acrescentado está em torno de 20%. 

Para atrair os bancos que fugirão de Londres por causa do Brexit, Macron ofereceu-lhes substancial redução de impostos. A mesma oferta estende-se aos salários dos banqueiros, que se contam em centenas de milhares e até de milhões de euros.

O sentimento de injustiça fiscal e econômica transformou-se em indignação. “Em ódio” – dizem os jornalistas de meia em meia hora. E hoje, num telejornal matutino, François Ruffin, deputado do Partido França Insubmissa, de J.-J.Mélenchon, teve de responder à seguinte inteligentíssima pergunta: “O senhor odeia Emmanuel Macron?”

O Palácio Eliseu farejou o perigo. Ontem, Macron trocou a suspensão do aumento dos combustíveis e dos impostos por anulação pura e simples. Mas se recusa a restabelecer o Imposto sobre Fortunas. Algum motivo há para ser conhecido como “o presidente dos ricos”. Seu mentor, o ex-presidente François Hollande, corrigiu: “Não. É o presidente dos super-ricos”. Foi Hollande quem o tirou do Banco Rotschild, para convertê-lo no que hoje se vê.

À ameaça que são os Coletes Amarelos [fr. gilets jaunes], une-se agora o perigo jovem [fr. jeunes]: os estudantes mobilizam-se, e há centenas de colégios em greve, além de algumas faculdades. Uma das razões que mobiliza os universitários é o aumento brutal do custo das matrícula (a universidade é gratuita, mas cobra-se uma taxa de inscrição) para os estudantes... estrangeiros. Quem aí falou de internacionalismo?

O ministro do Interior, fugitivo do Partido Socialista encarregado da repressão, pode dizer o que bem entenda: a imensa maioria dos Coletes amarelos são cidadãos pacíficos que respeitam as leis. Que respeitam a República – como dizem eles mesmos. Mas, acrescentam, “o governo Macron quebrou o Contrato Social”. Ouvi aí “Jean-Jacques Rousseau”?

Entre as noções que todo mundo conhece e compartilha está o princípio que diz que os cidadãos respeitam as leis porque participam de sua elaboração. E aceitam pagar impostos que eles mesmos tenham aprovado. Aí está o rompimento do Contrato Social. Os cidadãos entendem que a 5ª República já não os representa. Foi convertida em ferramenta a serviço dos ricos e muito ricos. Todos só olham para cima. Ninguém olha para baixo. Para os milhões e milhões de assalariados, homens e mulheres, que tornam possível a França de hoje.

Macron, digo, Júpiter, não conhece os franceses: apenas os despreza. Como também os despreza essa elite que rouba para si a parte do leão, enquanto a imensa maioria da população contenta-se com migalhas. Os Coletes Amarelos, mais determinados que nunca, dizem que esse mundo vicioso tem de acabar. As mulheres, a maioria delas já não tão jovens, são um dos batalhões mais decididos dos Coletes Amarelos. Separadas por dois séculos, são as dignas herdeiras de Olímpia de Gouges.

A eleição de Macron produziu conversão massiva de quanto transeuntes políticos havia no Partido Socialista e entre supostos gaullistas. Agora, o naufrágio dessa jangada improvável produzirá – aposto meu bônus de fim de ano – a fuga precipitada das ratazanas. Não sem, antes, jogarem a carta da repressão e do caos.

Porque, para esses aprendizes de feiticeiro, os pobres só vêm a Paris “para destruir e matar”.*******



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