segunda-feira, 17 de agosto de 2015

"Nova Guerra dos 30 anos" no Oriente Médio: Uma política ocidental de caos?

15/8/2015, Steven MacMillan,* Global Research




Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

O Oriente Médio vive num estado de caos já há 30 anos, e cada ano traz nova onda de instabilidade, carnificinas, sofrimento sem fim para os povos daquela região. Do Afeganistão ao Iraque, da Líbia à Síria, a política externa ocidental tem sido a causa direta de praticamente de todo o caos ou tem exacerbado praticamente todo o caos que se vê hoje na região, e sempre contribuindo para a instabilidade cada vez maior.


Oriente Médio: Guerra sem fim


Questão pertinente no nosso tempo, contudo, é se essa instabilidade e a desestabilização são resultado de estratégia inepta das nações ocidentais, ou se é estratégia calculada do ocidente, para deliberadamente criar o caos, balcanizar nações e estimular as tensões sectárias na região?

A "Nova Guerra de 30 anos"

Alguns indivíduos dentro do establishment dos EUA têm comparado o Oriente Médio de hoje e a Guerra dos 30 anos na Europa do século 17, dentre os quais, mais recentemente, o Prof. Larry Goodson da Escola de Guerra do Exército dos EUA. Ainda que os paralelos entre Europa e Oriente Médio não sejam de modo algum exatos, parece haver alguns detalhes que têm sido assunto na comunidade geoestratégia ocidental.

A Batalha de Rocroi, por Augusto Ferrer-Dalmau

A Guerra dos 30 Anos é período histórico complexo, que recobre várias guerras e confrontos entre vários blocos de poder, por várias razões. Segundo a Encyclopædia Britannica: "Embora as lutas que criaram a Guerra dos 30 anos tenham irrompido alguns anos antes, convencionou-se que essa guerra começou em 1618, quando o futuro Sacro Imperador Romano Ferdinando II, na função de rei da Boêmia, tentou impor o absolutismo Católico Romano nos seus domínios, e os nobres Protestantes da Boêmia e da Áustria rebelaram-se."


A guerra rapidamente espalhou-se e envolveu a maioria das principais potências europeias, as quais ou acreditaram que ali haveria uma chance para conquistar países vizinhos ou acabaram arrastadas para o conflito por exército que invadia suas terras – é considerada pelos historiadores um dos períodos mais destrutivos de toda a história europeia. Vilarejos, vilas e cidades foram atacados e saqueados por mercenários que lutavam a serviço de diferentes blocos ou alianças de poder, devastando o continente europeu.

A Guerra dos 30 anos foi encerrada quando uma série de tratados, conhecidos em conjunto como a Paz de Vestfália, foram assinados em 1648; a Paz de Vestfália estabeleceu uma nova ordem política na Europa, sob a forma de estados soberanos coexistentes (mas há discrepância entre diferentes interpretações, por diferentes historiadores, quanto ao significado da soberania vestfaliana). James Bissett, ex-embaixador do Canadá à Iugoslávia, Bulgária e Albânia, descreveu o sistema de Vestfália, em discurso que fez em 2007, como o sistema que "fixou os termos básicos da soberania: princípio da integridade territorial e de não interferência nos negócios dos estados nacionais (...) A ordem de Vestfália tem sido violada frequentemente, mas o tempo não afetou os princípios propriamente ditos."

Em julho de 2014, o ex-diretor de planejamento de políticas para o Departamento de Estado dos EUA e presidente do Conselho de Relações Exteriores, CRE [orig. Council on Foreign Relations (CFR)] Richard Hass, em artigo intitulado "The New Thirty Years War" [A nova Guerra dos 30 Anos], comparou o Oriente Médio de hoje à Europa do século 17. Para Hass, o Oriente Médio permanecerá igualmente turbulento no futuro, a menos que "surja uma nova ordem local":

"Por hora e para o futuro previsível – até que uma nova ordem local surja, ou que a exaustão se imponha – o Oriente Médio será menos um problema a ser resolvido, que uma situação a ser administrada."

Como comentei há um ano, essa "nova ordem local" pode surgir na forma de uma União de Países do Oriente Médio [orig. Middle Eastern Union].

Fragmentar o Oriente Médio 

Por todos os lados veem-se evidências de que há uma agenda, seguida por, pelo menos, alguns estrategistas nos EUA, para destruir o estado-nação e balcanizar a região em inúmeros estados, microestados e miniestados todos falidos-falhados, tão fracos e tão desgastados pelas lutas entre eles mesmos, que não serão capazes de unir-se contra potências colonialistas estrangeiras – especialmente, incapazes de unir-se para resistir contra o assalto das empresas multinacionais ocidentais. 

Depois de prolongado período de destruição e caos na região, o povo do Oriente Médio estará tão desgastado pelos horrores da guerra que aceitará a ordem que o ocidente impuser, como meio para pôr fim aos combates, ainda que aquelas mesmas forças ocidentais cuja ordem o povo estará aceitando sejam as forças ocidentais que criaram todo ou quase todo, aquele caos intolerável.

Soldado Estadunidense enfrentando perigoso terrorista no Iraque

A estratégia de balcanização pode ser rastreada até os primeiros anos da década dos 1990s, quando o historiador britânico Bernard Lewis publicou na edição de 1992 da revista do CRE, Foreign Affairs, um artigo intitulado "Rethinking the Middle East" [Repensando o Oriente Médio]. Naquele artigo, Lewis antevê o potencial da região para desintegrar-se "num caos de seitas, tribos, regiões e partidos em lutas, combates, escaramuças uns contra outros." Apesar de Lewis escrever que essa seria apenas uma "possibilidade" dentre várias outras, é situação em tudo assemelhada à que vemos hoje no Iraque e na Líbia:

"Outra possibilidade, que pode até ser precipitada pelo fundamentalismo, é a que recentemente se tornou 'da moda' chamar de 'libanização'. Muitos estados do Oriente Médio – o Egito é exceção óbvia – são recentes ou artificialmente construídos e são vulneráveis a tal processo. Se o poder central é suficientemente enfraquecido, não há sociedade civil real que mantenha unida a cidadania, nem senso de identidade nacional comum, nem superior fidelidade ao estado-nação."

Lewis continua:

"O estado então se desintegra – como aconteceu no Líbano – num caos de seitas, tribos, regiões e partidos em lutas, combates, escaramuças uns contra outros. Se as coisas dão errado e os governos centrais faltam e colapsam, o mesmo pode acontecer, não só nos países do Oriente Médio existente, mas também nas repúblicas soviéticas recém-independentes, onde as fronteiras artificiais traçadas por ex-senhores imperiais deixaram cada república como um mosaico de minorias e reclamos, de um tipo ou de outro, uns vizinhos contra outros."

Em entrevista/conferência à Ford School, em 2013, o ex-secretário de Estado e membro do CRE Henry Kissinger revela seu desejo de ver a Síria balcanizada em "regiões mais ou menos autônomas", além de comparar a região à Europa da "Guerra dos 30 anos":

Henry Kissinger, criminoso de guerra e notório conspirador
"Há três possíveis resultados: vitória de Assad; vitória dos sunitas; ou um terceiro resultado, pelo qual as várias nacionalidades concordam entre elas em coexistir, em regiões mais ou menos autônomas, de tal modo que não se possam oprimir umas as outras. Esse é o resultado que mais me agradaria ver. Mas não é a visão popular (...). Penso também que Assad tem de ir, mas não penso que essa seja a questão chave. O que é chave é [como] na Europa depois da Guerra dos 30 Anos, quando os vários grupos cristãos continuaram a matar-se uns os outros, até que finalmente decidiram que tinham de viver juntos, mas em unidades separadas (Em 27'35, do vídeo).

Criar um "Principado Salafista" na Síria

Em maio de 2015, o grupo Judicial Watch divulgou uma série de documentos antes sigilosos, do Departamento de Defesa e do Departamento de Estado dos EUA, obtido por sentença em processo que moveram contra aqueles dois órgãos do governo dos EUA, para ter acesso aos documentos, nos termos da Lei de Liberdade de Informação [orig. Freedom of Information Act (FOIA)]. 

Um dos importantes documentos então divulgados, daquele conjunto de documentos, foi um relatório da Agência de Inteligência da Defesa (AID) [orig. Defense Intelligence Agency (DIA)], de 2012, pelo qual se fica sabendo que as potências que estão apoiando a 'oposição' síria – "países ocidentais, os Estados do Golfo e a Turquia" – planejam criar um "Principado Salafista" no leste da Síria, com o objetivo de isolar o regime sírio:

"Forças da oposição estão tentando controlar áreas do leste (Hasaka e Der Zor), adjacentes às províncias ocidentais do Iraque (Mosul e Anbar) e próximas das fronteiras turcas. Países ocidentais, Estados do Golfo e Turquia apoiam esses esforços (...) Se a situação desdobrar-se, há possibilidade de estabelecer-se um principado salafista, declarado ou não declarado, no leste da Síria (Hasaka e Der Zor), e isso é precisamente o que as potências que apoiam a oposição querem, para isolar o regime sírio, considerado como aprofundamento estratégico da expansão xiita (Iraque e Irã)" (p.5).

O documento acrescenta:

"O Estado Islâmico do Iraque (EII) [orig. Islamic State of Iraque, ISI] pode também declarar um Estado Islâmico, se se unir a outras organizações terroristas no Iraque e Síria" (p.5).

Balcanizar o Iraque

Fragmentar o Iraque em três regiões separadas é o objetivo de muitos no establishment dos EUA, desde a invasão em 2003, embora a Turquia, membro da OTAN, tenha-se manifestado contra a criação de um estado curdo no norte. Em 2006, um mapa potencial, de um futuro Oriente Médio, foi distribuído pelo tenente-coronel Ralph Peters, que mostrava o Iraque dividido em três regiões: um Iraque sunita a oeste; um estado árabe xiita no leste; e um Curdistão Livre no norte.

Embora esse mapa não reflita a doutrina oficial do Pentágono, dá ideia do que anda pela cabeça de alguns dos principais estrategistas militares e corrobora o que outras vozes ocidentais têm dito sobre a estratégia para o Iraque. Como o analista estrategista Eric Draitser observou, em artigo recente para New Eastern Outlook, o presidente emérito do CRE, Leslie Gelb, já dizia, em artigo de 2003 para o NY Times, que o resultado mais viável seria "uma solução de três estados: curdos no norte, sunitas no centro e xiitas no sul."

O "Projeto para o Novo Oriente Médio"

No mapa, vê-se a Síria ainda como país não dividido, o que se explica porque a guerra 'por procuração' que o ocidente faz até hoje contra a Síria só começou anos depois. E nas próximas décadas, Israel também pode vir a ocupar mais terras.

País diferente, mesma estratégia 

O mesmo padrão de balcanização e caos que se vê no Iraque e Síria é também visível na Líbia. Depois da guerra da OTAN em 2011, naquele país do norte da África, o país mergulhou num abismo de caos e foi, de fato, dividido em três: a Cirenaica no leste, o oeste dividido em Tripolitania no noroeste e Fezzan no sudoeste. A Líbia é hoje estado falhado-falido, sem governo central e devastado por guerras tribais, com milícias que começaram a luta lado a lado e hoje combatem entre elas. 

A "Balcanização" da Líbia

O acordo nuclear do Irã pode marcar um recomeço na estratégia geopolítica ocidental no Oriente Médio, com os iranianos talvez trabalhando com as potências regionais para que promovam estabilidade e não insistam em intervenção militar (direta ou por ação de terceiros). Esperemos que aconteça assim, e que o ocidente ponha fim à enorme quantidade de programas de desestabilização em que sempre os mesmos países trabalham há anos.

Mas o cenário mais provável será o prosseguimento da estratégia de balcanização que já todos parecem esperar. É isso... ou "uma nova ordem social" – a ser concebida pelo ocidente, para atender aos interesses do ocidente, é claro. ********

* Steven MacMillan é escritor independente, pesquisador e analista de geopolítica e editor de The Analyst Report, especialmente para a revista online New Eastern Outlook.

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