segunda-feira, 18 de junho de 2018

Europa na encruzilhada: Sistema atlântico cai aos pedaços, por F. William Engdahl

15/6/2018, F. William Engdahl, New Eastern Outlook, NEO


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

Entreouvido na Vila Vudu:

Inscreve-se nesse quadro o golpe no Brasil-2016 – quando a CIA, operando com políticos-empresários corruptos do 'agronegócio', das 'comunicações', da Bíblia e das finanças de São Paulo e Rio de Janeiro e do crime organizado estabelecido no Congresso-BR, derrubou governo democrático eleito; e em seguida meteu na cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato preferido dos eleitores em todas as pesquisas de intenção de voto para as eleições desse ano. Lula jamais cometeu qualquer crime, mas jamais desistiu de combater a brutal desigualdade social – desigualdade que, hoje
até o FMI está obrigado a dizer que combate!

Problema, aí, é o seguinte: 
CIA e seus políticos-empresários alugados têm muito mais medo de governos populares igualitaristas – que chamam em tom de desprezo de "populistas", como se ser popular fosse crime –, do que temem governos soberanistas.
O governo democrático do Brasil que a CIA derrubou sequer era soberanista no sentido bélico da disputa. No máximo, em matéria de soberanismo, era governo bolivariano, quer dizer, queria a integração latino-americana. Nosso governo Lula-Dilma não foi derrubado por ser bolivariano.

Nosso governo Lula-Dilma foi derrubado porque era igualitarista – simplesmente popular igualitarista; de fato, apenas muito docemente popular igualitarista, como Lula nunca negou, escreveu e assinou na "Carta ao povo brasileiro", em 2002.

Mas governos populares igualitaristas sejam como forem, até os mais doces, quando prosperam, estabelecem-se e criam condições objetivas efetivas para se manterem no poder. Se conseguem, pode acontecer de se tornarem cada vez mais igualitaristas e +homogeneamente bem-sucedidos e, por isso, cada vez mais elegíveis... O que pode ajudar a demonstrar – pelo menos no plano lógico-teórico libertário otimista – que democracia que realmente vise a se reproduzir democraticamente, com vistas sempre a mais ampla democratização, sempre tende ao igualitarismo.

Diferentes de governos soberanistas – que podem ser 'disciplinados' à bomba e à bala ou com Hollywood e televisão, universidades liberais e uma gangue de bispos de imbecilizamento por TV –, governos igualitaristas bem-sucedidos são praticamente invencíveis ou, no mínimo, não se deixam explorar tão facilmente, nem se deixam derrubar sem resistência.

Sem conhecer o estado terminal em que está hoje o 'sistema atlântico' que gravita em torno do EUA-dólar e do assalto às periferias do planeta, a favor 'do centro', não se pode compreender suficientemente:

(a) a ameaça existencial que as democracias nacionais igualitaristas impõem, em tese, a todo o sistema de exploração global atlanticista que gira em torno dos EUA; nem

(b) a ameaça existencial que 
um governo democrático igualitarista no Brasil (praticamente 'uma China' implantada no quintal dos EUA) impõe, muito concreta e diretamente, ao tal 'sistema atlântico'.

Em liquidação terminal, os EUA e seus financistas sionistas puseram-se a atirar para o lado da América Latina (depois, claro, de terem destruído parte considerável do Oriente Médio, mas não todo o Oriente Médio).

Os demais (B)RICS defenderam-se adequadamente. A Síria derrotou o 'ocidente' em armas, com luxuoso auxílio dos russos. A Venezuela bolivariana resiste, com auxílio luxuoso de russos e chineses. E os iranianos 
não são "liberais como Allende e Mossadegh, que a CIA derruba quando quer", como disse o aiatolá Ali Khamenei, hoje supremo líder do Irã, durante a crise dos reféns em 1979mas vale até hoje, 39 anos depois.

Nesse contexto sobraram Brasil, Argentina, Colômbia, cujos governos, mesmo quando aconteça de serem mais igualitaristas, ainda são liberais do tipo que "a CIA derruba quando quer". Então, hoje, o estado norte-americano e seus financistas sionistas dedicam-se a tentar destruir o Brasil, como destruíram a Palestina, a África, o Iraque, a Líbia, o Iêmen... 
E como também já destruíram, como se lê bem explicado, adiante, também os próprios EUA!

Afinal, os EUA foram país de imigrantes, potencialmente igualitarista, pelo menos em tese, na origem. Foram. Até serem desgraçados pelo soberanismo hegemonista ensandecido dos sionistas que ocuparam o bas-fond do fundo do poço do esgoto do estado profundo dos EUA, para onde trouxeram a grana  roubada de europeus brancos pobres (judeus, ciganos e outros pobres), grana que foi pra Wall Street e prôs cassinos e virou bancos e 'empresas de comunicação' os quais, juntos, partiram pra inventar Israel. Ao sistema assim criado e que começa agora a ruir, chama-se "Sistema Atlântico".

Nesse ponto estamos hoje. Segue a luta.
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Os eventos do mundo em dias recentes são muito mais significativos do que a divisão que todos veem no bloco das nações industrializadas, G7. Se imaginamos o planeta como um campo gigante de força elétrica, as linhas do fluxo estão em processo dramático de reordenação, com o sistema global pós-1945 baseado no dólar já entrado numa caótica fase final. As elites políticas da Europa estão hoje divididas entre a racionalidade e a irracionalidade. Os desenvolvimentos para o oriente contudo acumulam cada vez mais e mais força, e estamos assistindo às fases iniciais do que se pode descrever como uma reversão da polaridade geopolítica dentro da União Europeia, do Ocidente para o Oriente. Os desenvolvimentos mais recentes na Eurásia, incluindo Oriente Médio, Irã e principalmente entre Rússia e China estão ganhando importância – e Washington só oferece guerra, seja guerra comercial, guerra de sanções, guerra de terror ou guerra cinética.


O espetáculo de um presidente dos EUA tuitando sobre um tradicional aliado na OTAN e país limítrofe, o Canadá [ver também sobre esse evento, "Da defecação pública como arma", 11/6/2018, John Helmer, Dances with Bears, traduzido em Blog do Alok], chamando o primeiro-ministro do Canadá, sem meias palavras, de "desonesto e fraco", e ameaçando impor novas tarifas aos carros importados do Canadá, absolutamente não parece 'loucura' de um presidente errático na Casa Branca, mas, isso sim, estratégia calculada para desequilibrar todos os aliados dos EUA. Vem depois de Washington ter-se desligado unilateralmente do acordo nuclear, para grave preocupação de toda a Europa, Rússia e China, além do Irã. Como se não bastasse, os EUA anunciaram novas tarifas comerciais sobre o alumínio e o aço da União Europeia, em flagrante violação de acordos da OMC.


Acabou o 'bom-mocismo'


Se se tomam essas ações como sintomas de algo mais profundo, basta examinar os níveis explosivos da dívida norte-americana, como já observamos. A mais regente legislação tributária de Trump trará déficit orçamentário federal estimado em $1 trilhão para a próxima década, que se somará aos atuais $21 trilhões da dívida federal. O endividamento das famílias está em níveis mais altos que antes da crise financeira de 2007. A dívida das empresas, incluindo papéis-lixo ou de empresas "sem grau para investimento" já chega à estratosfera, efeito de uma década de juros próximos de zero garantidos pelo Fed.

Há mais um elemento na atual situação econômica dos EUA que é pouco observado. Segundo estudo recente do Gabinete de Proteção Financeira do Consumidor dos EUA, enquanto a renda familiar média comparada a vários outros países parece nominalmente alta, a realidade dos custos fixos, como alimento, moradia, seguro-saúde obrigatório, gerou um tipo novo de pobreza. A pesquisa concluiu que perto de 50% dos norte-americanos têm dificuldades para pagar as contas mensais; e 1/3 dos norte-americanos passaram por situação de não ter dinheiro para comer ou para morar decentemente ou para receber tratamento médico adequado. Estudo recente estimou que só os custos do atendimento à saúde para uma família de quatro membros custa mais de 28 mil EUA-dólares/ano, metade da renda familiar média.

Para agravar ainda mais a terrível situação das famílias norte-americanas, o Conselho de Administração do fundo de seguro médico estatal, Medicare, anunciou que suas reservas se esgotarão em oito anos. Como o Fundo de Assistência Social, que pela primeira vez desde 1982 anunciou que – dado o grande número de filhos do Baby Boom pós-guerra que chegam à idade de aposentadoria e o número declinante de jovens trabalhadores que contribuem para o fundo –, fechará 2018 com déficit, agravado pelo declínio das taxas de fertilidade e de aumento populacional. E como o Estado de New Jersey, que acaba de congelar todos seus gastos, ante a possibilidade, que aumenta, de desastre financeiro. E com o Fed, que aumenta 'preventivamente' a taxa de juros, já pré-programando uma reação em cadeia de calote nas dívidas de empresas e famílias.

Em resumo, a economia norte-americana foi sangrada até a exaustão pelo 1% mais rico. Enquanto o mercado de ações nos EUA festeja novos picos de ganhos, efeito de uma década de dinheiro fácil, a realidade econômica subjacente dos EUA é, para dizer o mínimo, precária. 

Em termos de preservar o poder de Única Superpotência sobre todo o planeta, só há, cada dia mais claramente, duas vias possíveis: guerra ou nova crise financeira global pior que a de 2008, imprescindível para que os EUA retomem o controle sobre os fluxos mundiais de capitais.

O fato de o presidente dos EUA ser forçado a disparar táticas como guerras comerciais contra nações tradicionalmente aliadas do G7 sugere fortemente que se preveem as medidas mais desesperadas. De fato, guerreia-se pelo futuro da União Europeia, especialmente da Alemanha.


Contraste com a Eurásia


Deve-se observar com especial atenção, quanto a isso, as recentes visitas da chanceler alemã Merkel aos dois, ao presidente Vladimir Putin e ao presidente Xi Jinping da China. Deve-se presumir que discutiram bem mais que o acordo nuclear iraniano. O paradoxo de o governo alemão apoiar oficialmente sanções impostas à Rússia, no mesmo momento em que a Alemanha faz ver que precisa da Rússia como aliada em algumas áreas, expõe a espécie de esquizofrenia política que acomete hoje a União Europeia. 

Economicamente, é cada dia mais claro que mercados em crescimento estão na Ásia, especialmente na vasta Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), da China, extensíssima rede transeurasiana de trens de alta velocidade e portos de águas profundas e os vastos potenciais econômicos de Rússia e também do Irã.

Rússia, apesar da imposição de novas sanções draconianas por Washington, acaba de realizar seu mais bem-sucedido Encontro de Cúpula Internacional Econômico de São Petersburgo [ing. St. Petersburg International Economic SummitSPIEF] ao qual compareceram chefes de governo e grandes empresários, em maior número do que jamais antes, para discutir cooperação econômica. No contexto das conversações no SPIEF, o presidente da Empresa Estatal de Ferrovias da Rússia anunciou os planos russos para participar da construção da ferrovia trans-países do Conselho de Cooperação do Golfo [ing. Pan-GCC rail network] que acompanha o litoral sul do Golfo Persa, do Kuwait a Omã. Quando completada, a ferrovia criará o elo indispensável para relações econômicas muito mais estreitas entre Rússia, Arábia Saudita e China. China já tem contratados com a Arábia Saudita investimentos no valor aproximado de $130 bilhões; o que se vê é que, apesar de seus muitos defeitos, parece que até o príncipe bin Salman deseja integrar a Arábia Saudita num nodo econômico tricontinental afro-eurasiano.

O encontro de São Petersburgo foi seguido imediatamente por outra reunião em Pequim, entre Putin e Xi Jinping, quando a China condecorou o presidente Putin com a mais alta condecoração chinesa para não chineses, a "Medalha da Amizade", e Xi declarou que Putin é seu "melhor, mais íntimo amigo". Depois, foi a reunião ampliada da Organização de Cooperação de Xangai em Qingdao,[1] pela primeira vez incluindo Paquistão e Índia como membros plenos, e o Irã como observador. Agora, são estados da Organização de Cooperação de Xangai o Paquistão, a Índia, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão, o Uzbequistão, a Rússia e a China.

Numa reunião tripartite dos líderes de Rússia, China e Mongólia, Putin anunciou planos para gastar $260 milhões até 2020 para modernizar a ferrovia Rússia-Mongólia Ulaanbaatar e sessões adjacentes. Observou que o volume do tráfego de contêineres na rota China-Mongólia-Rússia rumo à Europa aumentou 2,7 vezes em 2017 e quatro vezes nos três primeiros meses de 2018.

Tudo isso em agudo contraste com os desentendimentos e tensões que marcaram o G7. Como Putin observou, o G7 deve "parar com essas invencionices sem sentido e dedicar-se a questões concretas relacionadas à cooperação real, efetiva". Putin não expressou qualquer interesse em q Rússia ser 'reincluída' no G7, como Trump sugeriu. É mais uma indicação de que o centro de gravidade econômica e política do mundo já se inclinou na direção do oriente.

O potencial econômico da Eurásia emerge agora como alternativa viável ao colapso do sistema atlântico baseado no EUA-dólar, e que foi minado pela dívida. Com Rússia e China acumulando reservas dos respectivos bancos centrais em ouro a passo muito rápido, usando moedas nacionais, em lugar do dólar vulnerável a sanções, emergem agora novas possibilidades de multipolaridade. E a expansão dos projetos de infraestrutura da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) começa a fazer-se ver. Estudo recente do Dutch ING Bank estima que a ICE tem potencial para elevar em 12% ou mais os níveis de comércio global. A economista Joanna Konings observou que "o comércio entre Ásia e Europa (...) corresponde a 28% do comércio mundial; facilitar esses fluxos comerciais tem impactpotencial muito grande."

Com o euro em estado crítico, com a crise bancária na União Europeia ainda sem solução, e a recessão econômica em todos os países do perímetro externo, de Itália a Portugal e Grécia, a possibilidade de unir-se para construir novo espaço econômico, novos mercados para os produtos da União Europeia em toda a Eurásia, é a única alternativa realista à guerra comercial e à guerra financeira com os EUA, e a outras coisas ainda piores. As linhas de força vão-se deixando ver dramaticamente claras. Sem demora os países da União Europeia terão de decidiu entre o sistema atlântico e uma alternativa eurasiana que está emergindo. Quanto mais agressivas as pressões de Washington, mais próximo o momento de decidir.*******



[1] Sobre essa reunião, ver também "Vem aí o ciclone do petróleo", 7/6/2018, Pepe Escobar (pelo  Facebook), traduzido no Blog do Alok.

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