20/12/2018, Moon of Alabama
Traduzido pelo Coletivo Vila Mandiga
6ª-feira passada, o presidente Trump teve outra longa conversa por telefone com o presidente Erdogan da Turquia. Em seguida, desconsiderou o que lhe diziam todos os seus conselheiros e decidiu remover os coturnos norte-americanos que estão na Síria e também pôr fim à guerra aérea.
Foi a primeira vez que Trump tomou decisão em completa oposição aos borg, o establishment permanente neoconservador e intervencionista que reina na Casa Branca, os militares e o Congresso, que sempre determina a política exterior dos EUA. Foi decisão dele, e Trump não afastou-se do que decidiu, o que finalmente o tornou presidente efetivo.
O Conselheiro de Segurança Nacional de Trump John Bolton, seu secretário de Defesa ‘Cachorro Louco’ Mattis e seu secretário de Estado Pompeo eram todos contrários a essa decisão. O especialista que trabalha sobre Síria, o perfeito lunático (vídeo) representante especial para o engajamento dos EUA na Síria James Jefferey, e Brett McGurk, enviado especial do presidente para a coalizão global para derrotar o ISIS, foram, ambos, colhidos de surpresa. Os dois que tanto trabalharam para instalar uma presença permanente dos EUA num ‘estado curdo’ que operasse por procuração em nome dos EUA no nordeste da Síria.
Ambos tentaram, no primeiro momento, alterar a decisão de Trump, mas a resistência já acabou:
O secretário de Defesa James Mattis, o secretário de Estado Mike Pompeo e John Bolton, conselheiro de segurança nacional reuniram-se na 2ª-feira, quando se dizia que Trump decidiria formalmente sobre a retirada dos EUA, da Síria. Muitos funcionários dos EUA argumentaram contra qualquer retirada abrupta, mas soube-se que teriam desistido de conseguir que Trump mudasse de ideia. Funcionários dos EUA na 3ª-feira começaram a informar aos aliados quanto à decisão.
“A resistência nos Departamentos da Defesa e do Estado, e no Conselho de Segurança Nacional parou [na 3ª-feira] à noite” – disse um especialista regional que tem contato com o governo dos EUA, referindo-se aos dois Departamentos e ao CSN.
Em janeiro passado já explicamos por que o projeto dos neoconservadores, de criar um ‘estado curdo fake’ que operasse por procuração no nordeste da Síria já nasceu condenado ao fracasso:
Ilhan tanir @WashingtonPoint - 7:50 PM - 24 Jan 2018Esse mapa está sendo discutido todos os dias, de hora em hora na TV turca, como zona de segurança que a Turquia pensa implantar na fronteira síria. Declarada aprovada pelo secretário Tillerson, ninguém do lado norte-americano confirma coisa alguma
A mais grave preocupação de segurança de Ancara é a implantação de um ‘estado fake’ curdo no nordeste da Síria apoiado pelos EUA. Nenhuma “zona de segurança” [turca] ajudará os militares dos EUA a construir e a suprir uma “força de fronteira” curda capaz de invadir o baixo ventre macio no sudeste da Turquia – nem hoje nem amanhã nem em dez anos. A menos que os EUA ponham fim a esse projeto e se retirem da área, a Turquia continuará a trabalhar contra ele – se necessário pela força.
O povo turco apoia a luta contra os curdos apoiados pelos EUA e está disposto a pagar o preço desse apoio. Os líderes do YPK curdo deliram em suas demandas e superestimam a própria posição política. Os EUA não podem ter as duas coisas, a Turquia como aliada e também um estado curdo fake como procurador. EUA têm de se decidir.
Trump jamais quis que esse projeto avançasse. Sempre quis ‘declarar vitória’ contra o ISIS e sair da Síria. Os borg tentaram impedir esse desfecho e sempre promoveram o projeto ‘curdo’.
Mas há peixes geopolíticos mais gordos para fritar, que esse se imiscuir infindável no Oriente Médio. Trump sabe que o ‘momento unilateral’ dos EUA depois do fim da União Soviética, que deixou os EUA como única superpotência, já é passado. A Rússia está de volta e a China está em ascensão. Para Trump, a política a ser adotada para a situação de poder decrescente dos EUA é pôr fim à ‘globalização’ que permitiu o rápido crescimento da China. Trump quer dividir esse mundo geopolítico em duas esferas de influência. E elas serão separadas uma da outra nos reinos político, econômico, tecnológico e militar.
Nesse novo grande jogo, o nordeste da Síria é apenas um show de picadeiro lateral, que não vale envolvimento significativo. A Turquia, muito maior e aliada dos EUA na OTAN há 70 anos é muito mais importante. Se Trump não tomasse a decisão de pôr fim ao projeto dos neoconservadores na Síria e tirar os EUA daquele teatro, os EUA perderiam a Turquia:
Se eu fosse Erdogan, estaria muito mais tentado a deixar a OTAN e unir-me numa aliança com Rússia, China e Irã. A menos que os EUA mudem de rota e parem de tentar tolices com os curdos, a Turquia continuará a se afastar, cada vez mais, da velha aliança. O exército turco até aqui impediu o rompimento com a OTAN, mas agora até os oficiais mais empenhadamente anti-Erdogan já se alinharam com o presidente.
Se os EUA fizerem proposta real à Turquia e adotarem nova posição, podem conseguir mudar o rumo da Turquia e reencaminhá-la para seu nicho na OTAN. Será a Casa Branca de Trump capaz de desafiar as vozes pró-Israel e pró-curdos e voltar ao ponto de vista realista?
Se não conseguir fazer isso, a resposta correta à pergunta “Quem perdeu a Turquia?” será óbvia.
Trump decidiu que impedir a Turquia de deixar a OTAN e de se associar numa aliança mais profunda com Rússia, China Irã é mais importante do que zanzar por lá, pelas franjas do Oriente Médio. Essa é a decisão correta.
A ideia de um ‘estado fake’ curdo também levou a um conflito entre o Comando dos EUA na Europa (EUCOM) e o Comando Central dos EUA (CentCom). Turquia (e Israel) estão incluídos no EUCOM, e o Oriente Médio e a Ásia Ocidental, no CentCom. Ao longo de todo o ano, o EUCOM fez cada vez mais barulho sobre os planos do CentCom para a Síria:
Entre os críticos está o general Curtis Scaparrotti, comandante do Comando na Europa. [...] Durante viagem a Washington em março, Scaparrotti cercou Mattis para manifestar suas preocupações quanto às crescentes tensões nas relações EUA-Turquia, preocupações que o comandante da Europa também manifestou em vários encontros com o general Joseph Votel, seu contraparte no comando do Centcom.
A preocupação dentro do EUCOM e da OTAN era, na verdade, que a Turquia se aproximasse ainda mais da Rússia e, no final, deixasse a OTAN. Agora, já é pouco provável que aconteça. (Desde 1991 foi o CentCom quem teve papel mais amplo na política exterior dos EUA. O secretário da Defesa ‘Cachorro Louco’ Mattis é animal criado no CentCom. É bom ver o CentCom e Mattis, de asas cortadas.)
Mas se esperavam que a Turquia pusesse fim às relações com Rússia e Irã, o resultado pode frustrar. A Turquia depende do gás e dos mercados de exportação russo e iraniano. Depois da tentativa de golpe para derrubá-lo, Erdogan já não confia nos norte-americanos. Além do mais, a posição na qual tem maior flexibilidade e alavancagem é entre os dois ‘blocos’, os quais, ambos, continuarão a cortejá-lo. Erdogan continuará a oscilar entre eles, para obter o máximo dos dois lados.
Os elementos neoconservadores no governo e seus apoiadores sionistas perderam. Como Craig Murray descreve seus objetivos:
O caos dessa estratégica contraproducente e incoerente é, muito caracteristicamente, o que os neoconservadores realmente buscam. O objetivo deles é guerra perpétua e desestabilização no Oriente Médio. (...) Hoje, mantendo as populações árabes pobres e politicamente divididas, os neoconservadores creem que aumentem a segurança de Israel, e podem, isso sim, facilitar o acesso de empresas ocidentais ao petróleo e ao gás da região, como se vê no Iraque e na Líbia desestabilizados.
Os borg neoconservadores e intervencionistas ‘entregaram’ a tática, quando tentaram usar a posição temporariamente contra o ISIS, dos EUA na Síria, para empurrar Trump para um conflito com o Irã:
Alguns funcionários atuais e anteriores dos EUA criticaram o que viam como superdistensão pelos falcões iranianos dentro do governo Trump, especialmente o enviado dos EUA à Síria Jim Jeffrey e seu assessor, Joel Rayburn, vice-secretário de Estado para o Levante, que declararam publicamente que as forças dos EUA não deixariam a Síria antes da saída de todas as forças iranianas.
“O pessoal que trabalha para [Trump] — Bolton, Rayburn, agora Jeffrey — piorou ainda mais as coisas, acrescentando objetivos impossíveis na Síria [envolvendo o Irã] que sugerem permanência por tempo indefinido,” disse o mesmo funcionário dos EUA que classificou como catastrófica a decisão de Trump. O funcionário disse que essas discussões “não têm qualquer conexão com objetivos realistas para nossos militares” e vão “muito além” do objetivo de derrotar o ‘Estado Islâmico’ e impedir que ressurja.
Mas a presença iraniana na Síria é tão pequena e a posição dos EUA tão fraca, que essa ideia era estúpida, em todos os casos:
John Allen Gay, especialista em Irã e diretor executivo da John Quincy Adams Society, [..] diz que a decisão de Trump confirma o que todos admitiram sem dizer, pelo menos ao longo do ano passado: que manter forças dos EUA na Síria para fazer frente ao ISIS já começava a parecer um modo para os intervencionistas do governo ‘demonstrar’ que temos de enfrentar o Irã.
“Manter as tropas lá pós-ISIS era em parte expansão forçada da missão, mas também uma espécie de ‘apalpar o terreno’ para os falcões no governo que querem guerra contra o Irã,” disse ele a TAC.
“Mas manter uns poucos milhares de soldados entre forças turcas de um lado, e iranianas, russas e sírias de outro, nunca será decisivo quanto ao papel regional do Irã, e veio com riscos reais e sem solução”, Gay acrescentou. “Simplesmente não acho que haja qualquer apetite no público dos EUA para grande guerra contra o Irã por coisa alguma, menos ainda pelo leste da Síria.”
O Departamento de Estado dos EUA já começou a retirar seu pessoal que está na Síria. Os 4-5 mil militares norte-americanos e fornecedores receberam ordens para fazer as malas e sair em 60-100 dias (algumas fontes falam de 30 dias, mas parece exagero).
Haverá coordenação com a Rússia. Conselheiros russos substituirão os Boinas Verdes dos EUA que comandam as forças curdas e tribais árabes contra o ISIS. Rússia tentará convencer a Turquia de que já não haverá necessidade de invadir o leste da Síria. Prometerá desarmar os curdos ou integrá-los no exército sírio. A força aérea russa substituirá os EUA e outros que atualmente bombardeiam os cerca de 2.000 combatentes do ‘Estado Islâmico’ que permanecem em áreas ao longo do Eufrates.
Os curdos na Síria terão de ser gentis com Damasco. Não têm outro lugar para onde correr. O sonho de um Rojava autônomo não passará mesmo de sonho. A Síria só pode sobreviver como estado de poder centralizado. Jamais se federalizará. As tribos árabes locais no nordeste provavelmente procurarão vingar-se da liderança curda que usou o apoio que recebeu dos EUA para alistar seus filhos para lutar contra o ISIS. A liderança do YPK provavelmente fugirá para o norte do Iraque para esconder-se com o PKK nas montanhas Quandil.
O exército sírio, que planejava desalojar a al-Qaeda do governorado de Idlib na próxima primavera, terá agora de deslocar parte de suas forças para o nordeste. Isolar o ‘Estado Islâmico’ no Eufrates perto da fronteira do Iraque e eventualmente eliminá-lo, passa a ser a nova prioridade. A milícia iraquiana provavelmente ajudará nisso. Recuperar os campos de petróleo e gás e outros ativos econômicos será outra também importante questão.
Muito dependerá de como Rússia e Irã consigam lidar com a Turquia. Com os EUA fora, e reduzindo-se o risco de haver uma entidade curda na Síria, talvez consigam convencer Erdogan a suspender seus planos de invasão.
É reconfortante ver que Trump afinal conseguiu livrar-se da ditadura dos borg. Ao tirar os EUA de dentro da Síria, Trump cumpriu uma de suas promessas eleitorais.
Donald J. Trump @realDonaldTrump - 11:42 utc - 20 Dec 2018Sair da Síria não foi surpresa. Trabalho para isso há anos e há seis meses, quando quis fazer, aceitei permanecer um pouco mais. Rússia, Irã, Síria & outros são os inimigos locais doISIS. Estamos fazendo trabalho deles. Hora de voltar para casa e reconstruir. #MAGA [Fazer a América Grande outra vez]
Os que elegeram Trump elogiarão o movimento. Deve-se esperar que o presidente consiga expandi-lo ainda mais, reduzindo a influência de Arábia Saudita e Israel em suas políticas.
Durante a campanha, Trump também falou a favor de melhorar as relações com a Rússia. Mas os borg empurraram suas políticas na direção oposta. Tirar os EUA da Síria é eliminar uma das questões em que Rússia e os EUA estavam em campos opostos. O que ainda não se sabe é que Trump usará a espinha dorsal que acaba de descobrir que tem, para derrotar outra vez os borg e finalmente trabalhar para melhorar as relações com a Rússia.
Hoje, ainda parece pouco provável. Mas a decisão da 6ª-feira foi grande surpresa. Permaneçam sintonizados, que outras surpresas podem acontecer.*******
3 comentários:
A administração não está terminando as guerras no Oriente Médio - está mudando a estratégia https://choldraboldra.blogspot.com/2018/12/a-administracao-nao-esta-terminando-as.html
Há controvérsias.
Putin sai fortalecido.
Internamente, Trump, também, sai fortalecido.
O jogo continua sendo jogado.
Trump busca tirar parte do poder do deep state.
Pelo histórico dos EUA em intervenções militares passadas e já bem conhecidas, nada leva a crer que cumprirão à risca, a tão dita "retirada" de tropas do território sírio.
Creio que, baseado em texto recentemente publicado na imprensa iraniana (através da PressTV), o que ocorrerá será uma realocação estratégica de tropas que antes cobriam militarmente as ações dos curdos, no nordeste sírio, para as regiões sensíveis que ficam próximas ao Rio Eufrates e fronteiriças com o Iraque. Afinal, tamanha presença não é de se desmontar quando há interesse direto na desestabilização do Irã.
Não preciso lembrar aqui, que a retirada gradual das tropas no Afeganistão, ocorre há pelo menos uns 10 anos! E recentemente, das 14.000 tropas (!) lá estacionadas, Trump aponta para que metade delas retorne.
Postar um comentário