09.03.2017, Dmitry Sedov - Strategic Culture
tradução de btpsilveira
São espantosas as coisas que os políticos europeus são obrigados a ouvir de Recep Tayyip Erdogan! Depois de 14 anos de sua administração, o carismático líder turco foi anotando uma lista enorme de pecados cometidos pela União Europeia. Prometeu e cumpriu encontrar sempre um jeitinho de fazê-la pagar o preço devido a cada um deles.
Os políticos europeus nem se recuperaram ainda dos traumas espirituais que Erdogan lhes infligiu com seus insultos no ano passado. Erdogan foi direto ao ponto ao espicaçar a condenação dos líderes europeus à dura repressão turca na sequência da tentativa de golpe de 2016 em Ancara. Além disso, a Alemanha apanhou como vaca na horta por causa da resolução do Bundestag reconhecendo o genocídio armênio no início do século 20.
Agora, para acrescentar ódio ao escárnio, surge mais uma bomba. Desta vez, o presidente turco se superou, colocando mais uma vez a Alemanha na sua alça de mira. Os líderes alemães estão sendo acusados de agir como nazistas!
No último domingo, em um comício onde se reuniram milhares de pessoas em Istambul, ele pontificou: “quero conscientizar o mundo inteiro! Alemanha, você não age como uma democracia, e as suas atitudes não diferem em nada daquelas que os nazistas praticavam antigamente. Você quer dar lições de democracia, mas não deixa que nossos ministros falem livremente no país. Queremos discutir as ações da Alemanha em um Fórum Internacional onde envergonharemos você aos olhos do mundo inteiro. Não queremos mais nazistas governando a Alemanha. Pensávamos que isso era coisa do passado, mas parece que não é. Irei para a Alemanha na hora que quiser e se vocês não quiserem deixar que eu entre, farei o mundo inteiro se levantar contra vocês!”
O que detonou essa agitação toda foi o referendo turco marcado para 16 de abril, para a transição de um regime parlamentar para o presidencial. A ideia desse referendo não tem tanto apoio assim na Turquia, onde se pensa que Erdogan quer mesmo é consolidar seu próprio poder.
A considerável diáspora turca tem importância crucial neste período que antecede o referendo. Eles mantêm laços bem próximos com os seus parentes da Turquia e alimentam a oposição no país. Cerca de 1.5 milhões de turcos étnicos estão estre os eleitores que exercerão direito de voto no referendo. Existem cerca de 6 milhões de turcos étnicos com variadas posições jurídicas a viver na União Europeia que, como outros muçulmanos, em grande parte não foram assimilados. Uma geração de “turcos europeus” cresceu dentro do continente e entrou na política. Na Alemanha, um dos líderes do Partido Verde é Cem Ozdemir, filho de imigrantes turcos, e outros políticos populares da mesma origem estão fazendo nome na política alemã: são eles: Vural Oger, membro do SPD; Aygul Ozkan, ex ministra de Política Social, Mulheres, Família, Saúde e Integração no Estado da Baixa Saxônia; além de parlamentares do Partido da Esquerda: Hakki Keskin, Huseyin Kenan Aydin, Hakan Tas, Sevim Dagleden e outros. No Bundestag, já existe um total de 11 deputados de descendência turca.
Fica fácil entender a vontade de Erdogan de conquistar os votos da diáspora turca na Europa – e assim, subitamente, os ministros turcos estão aparecendo amiúde nos países europeus, conclamando a população turca local a votar “sim” na reforma constitucional proposta.
No entanto, os europeus não estão assim tão entusiasmados com as mudanças constitucionais que surgirão do referendo e vivem demonstrando preocupação com o quadro dos direitos humanos na Turquia. O Chanceler austríaco Christian Kern pressiona por uma proibição em nível continental da campanha dos ministros turcos, enquanto a Áustria e a Holanda já declararam que a motivação dessas visitas é indesejável. Na Alemanha os governos locais decidem se permitem ou não os discursos de autoridades turcas em público, mas Berlim já tomou medidas para assegurar o cancelamento de grande número de comícios. “Aqueles que querem falar aqui... devem respeitar nossas regras” declarou o Ministro de Relações Exteriores Sigmar Gabriel. “As regras da lei e também as regras da decência. Além disso, moderação faz parte do respeito mútuo”.
O Ministro da Justiça turco Bekir Bozdag foi proibido de falar em Baden-Wurttemberg alegadamente por motivos “de segurança” e um discurso do Ministro da Economia Nihat Zeybekçi foi proibido em Colônia e Frechen. Tais medidas levaram Erdogan a uma explosão de indignação, e ele então não hesitou em lançar a acusação de ressureição do regime nazista na cara da Alemanha.
Até agora, Angela Merkel respondeu apenas com seu costumeiro silencio, mas membros de seu partido responderam duramente. Falando ao canal televisivo ARD, o líder da facção CDU do Parlamento Alemão Volker Kauder afirmou: “é incrível e inaceitável para um presidente de país membro da OTAN falar dessa maneira sobre outro país membro, especialmente alguém (o líder de estado), com problemas significativos com o Estado de Direito em seu próprio país... Se ouvirmos mais declarações desse tipo mais uma vez, nossa reação será tornar claro que não toleraremos tal coisa em solo alemão.” E a antiga presidente do CDU, Julia Klockner, falou ao jornal Bild: “O senhor Erdogan está reagindo como uma criança birrenta que não pode ser contrariada. A comparação com os nazistas leva seus delírios a novos níveis. Isso é uma vergonha”.
Os alemães também ficaram ultrajados por outras duas declarações de Erdogan: quando acusou o correspondente do jornal Die Welt, Deniz Yucel, de ser um agente alemão que representaria o Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), e quando afirmou que as autoridades da Alemanha estavam incentivando o terrorismo internacional ao proibir os discursos de autoridades turcas na Alemanha.
Além disso, o Ministro de Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Çavuşoğlu, disse que os políticos turcos continuarão sim, a falar em público na Alemanha: “nenhum de vocês podem nos impedir. Vamos a qualquer lugar onde quisermos para encontrar com nossos cidadãos.”
Tradicionalmente, os alemães não toleram esse tipo de comportamento. Ao acusar a Alemanha contemporânea de Nazismo, Erdogan cobriu o Bundestag – mesmo que apenas figurativamente – de penas e alcatrão. O ressentimento está crescendo na Alemanha. Os bávaros mais uma vez tomam a iniciativa de ditar o tom a resposta. “Desaprovo veementemente a campanha eleitoral turca em solo alemão”, disse Joachim Herrmann, Ministro do Interior da Baviera.
O escândalo continua a ferver. A Alemanha inteira recebeu um tapa na cara. Em público. Goste ou não, Angela Merkel tem que dar uma resposta. Na realidade, há uma resposta que poderia ser dada. A azeitada máquina de propaganda alemã poderia ser acionada para responder a Erdogan de forma efetiva, se fosse tomada a decisão política de acioná-la. Mas dificilmente Merkel tomará esse passo: afinal de contas, a posição da Turquia na OTAN e a legião de refugiados na Alemanha são fatos que simplesmente têm que ser encarados. É improvável que seja dado o sinal para um contra-ataque, o que – em um ano eleitoral – será mais um golpe duro de relações públicas para Merkel.
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