segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Norte da Síria: EUA meteu-se entre a cruz e a caldeirinha

20/1/2018, MK Bhadrakumar, Indian Punchline


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




A guerra síria está passando por virada surpreendente, com uma grande operação militar turca na cidade de Afrin, norte da Síria, que começou no sábado. O presidente Recep Erdogan anunciou hoje que foi também deflagrada operação por terra, que se soma ao bombardeio pela artilharia e aos ataques aéreos. Disse que na sequência virá uma operação contra a cidade de Manbij, a cerca de 200 quilômetros para o leste (aqui se vê o Google map.)


Afrin e Manbij são atualmente controlados por curdos sírios aliados dos EUA. Os EUA, que têm cinco bases no norte da Síria, nos territórios controlados pela milícia curda, ajudaram diretamente na ocupação de Manbij pela milícia curda em 2016. Assim, a operação turca é desafio estratégico direto contra os EUA. Washington repetidas vezes 'exigiu' de Ancara que não iniciasse movimentos militares contra a milícia curda.

Mas o que afinal se comprovou decisivo parece ter sido o plano dos EUA para criar uma força curda de 30 mil combatentes no norte da Síria, com a intenção de usá-la como sua 'representante' local. Erdogan sente que os EUA estão prosseguindo no projeto de criar um enclave curdo no norte da Síria, ao longo da fronteira turca, como base estratégica para futuras intervenções na Síria e no Iraque. Claro que esse tipo de enclave curdo implica ameaça nacional de longo prazo contra a segurança estratégica da Turquia, que dará fôlego aos separatistas curdos anti-Turquia. Erdogan continuou pedindo a Washington que não se alinhasse com os curdos, sem qualquer resultado. Até que, agora, decidiu tomar as rédeas da situação.

O desenvolvimento de hoje pode levar a confronto entre os EUA e a Turquia. A porta-voz da Casa Branca disse diretamente à Turquia, na 5ª-feira, que não iniciasse qualquer operação militar. O secretário de Estado Rex Tillerson telefonou ao seu contraparte turco Mevlut Cavusoglu no sábado, no instante em que pareceu que as operações eram iminentes.

Crucial, agora, é saber das posições de Irã e Rússia. O Irã partilha das preocupações turcas quanto à aliança dos EUA com curdos (os quais também têm laços com Israel) e quanto a qualquer tipo de Curdistão na região. Daí que, embora talvez manifeste reservas quanto à operação turca (que em teoria implica violação da soberania síria), é pouco provável que o Irã aja contra a Turquia.

O foco do Irã está nos movimentos atuais do governo sírio na província Idlib, no noroeste, enormemente estratégica, dado a área litorânea no Mediterrâneo Oriental. A Rússia também está focada nas operações em Idlib, adjacente à província Latakia (também no litoral do Mediterrâneo Oriental), onde estão Tartus, base naval russa, e a base aérea de Hmeimim.

Pode-se supor que haja algum acordo tácito de que a Turquia não fará objeção (exceto, claro, verbalmente) a operações sírias (com apoio da milícia apoiada pelo Irã e da Rússia) para esmagar afiliados da al-Qaeda que ainda haja em Idlib e dar segurança à grande província. A mídia iraniana noticiou hoje que forças do governo sírio capturaram, na tarde de sábado, a base aérea, estratégica, de Abu al-Dhohour no sudeste de Idlib, que estava em mãos da Frente al-Nusra (afiliada da al-Qaeda).

Quanto à posição da Rússia, é significativo que Erdogan tenha mandado o comandante do estado-maior das forças turcas general Hulusi Akar, e o diretor da Organização de Segurança Nacional Hakan Fidan, a Moscou, na 4ª-feira, para reunirem-se com o comandante do estado-maior russo Valery Gerasimov e com a inteligência russa. Claramente houve alto grau de coordenação entre Moscou e Ancara, na decisão de Erdogan de ordenar a operação militar. Moscou manifestou preocupação com as operações turcas e pediu moderação, mas ao mesmo tempo afastou o pessoal russo que estava nos arredores de Afrin, para posição em que não ficassem expostos.

Não há razão concebível pela qual Moscou deva ajudar os norte-americanos – no contexto da Nova Guerra Fria. Interessante, o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov bateu duramente nos EUA na 6ª-feira, porque os EUA estariam balcanizando a Síria. Foi o que disse numa conferência de imprensa na sede da ONU em New York. Palavras de Lavrov: "Os EUA estão realmente implantando governos alternativos em grandes áreas da Síria, o que é o oposto de suas obrigações em relação à integridade territorial da Síria, e que os próprios norte-americanos reafirmaram e com o que se comprometeram, especialmente nas reuniões do Conselho de Segurança. Estamos preocupados com isso."

Dia 15 de janeiro, em conferência de imprensa em Moscou, Lavrov disse bem claramente:


·         "Vemos que o projeto não é pôr fim o mais rapidamente possível ao conflito (na Síria), mas ajudar que se disponham a dar passos práticos para derrubar o governo (...). As Ações, podemos ver agora, mostra que os EUA não quer manter a Síria territorialmente integrada. Ontem mesmo ouvimos sobre uma nova iniciativa, de que os EUA querem ajudar as tais chamadas forças democráticas sírias a organizar zonas de fronteira securitizadas. Na verdade, significa separar uma enorme área ao longo das fronteiras com Turquia e Iraque."

O que significa tudo isso? Pela minha avaliação, ambos, Rússia e Irã simplesmente assistirão de fora enquanto Erdogan avança e acaba com os principais 'agentes locais' dos EUA (a milícia curda) no norte da Síria. Verdade é que nada têm a perder se começar confronto grave entre EUA e Turquia, duas grandes potências da OTAN. Por outro lado, se a Turquia conseguir dar cabo da milícia curda, os EUA não terão alternativa, e estarão obrigados a escafeder-se do norte da Síria – o que também muito interessa a Rússia e Irã. Dito resumidamente, o governo Trump mordeu mais do que poderia mastigar, efeito da decisão pouco inteligente de manter indefinidamente uma presença militar na Síria, "para conter Assad, o Irã." Teerã sabe muito bem que se os EUA forem obrigados a sair da Síria, o projeto EUA-Israel contra o Irã virará piada de fim de feira no bazaar no Oriente Médio.

As próximas semanas serão cruciais. Se os EUA se mostrarem indiferentes enquanto a Turquia dizima os aliados dos norte-americanos na Síria, será terrível desmoralização para o governo Trump, no mínimo regionalmente. Entrementes, a Turquia está cooperando ativamente com a Rússia nos preparativos para um Diálogo Nacional Sírio (de representantes do governo e da oposição) que acontecerá em Sochi dias 29-30 de janeiro. A Rússia agora tem mais uma oportunidade para acelerar o acordo para a paz na Síria.*****

2 comentários:

carlos disse...

Excelente!

Anônimo disse...

https://senhorfblog.wordpress.com/