12.05.2016 - Alastair Crooke, Conflicts Forum Valdai Discussion Club
A guerra financeira já não é novidade.
●●●●● tradução por btpsilveira
Um dos principais pensadores russos, conselheiro do presidente russo Vladimir Putin para assuntos econômicos e impulsionador da União Econômica Eurasiana, pergunta de forma retórica em artigo recente se haveria qualquer razão para que (os russos) tenham esperança no levantamento das sanções. Sua resposta foi um rotundo “não”: na realidade, as sanções dos Estados Unidos jamais tiveram a ver com a Crimeia ou mesmo a Síria, disse ele. Em vez disso, tem mais a ver com a crise econômica no coração do sistema financeiro ocidental e sua necessidade de compensar o esgotamento de seu núcleo através do saque dos recursos da periferia (onde se situa a Rússia). Ele antevê a perspectiva de uma intensa guerra híbrida dirigida contra a Rússia.
Bem, Sergey Glaziev age como um falcão quanto se trata do tema da volta da soberania russa, então poder-se-ia ter dúvidas se tal prognóstico preocupante de que a América do Norte está em um curso inevitável de conflito com a Rússia é ou não compartilhado por seus líderes. A resposta é também indubitável: sim, eles compartilham. A questão enfatizada por Glaziev é a de que a guerra híbrida tem que ser enfrentada, em todos os seus aspectos não só o militar – e para finalizar, propõe uma série de medidas para o Conselho Nacional de Segurança da Rússia como meios de reduzir a vulnerabilidade russa na guerra geofinanceira.
Um antigo diplomata canadense que serviu em Moscou, Patrick Armstrong, afirma que não há outra explicação racional para a reconfiguração do exército russo – aliás, o exército russo é outra instituição daquele país que leva muito a sério as ameaças dos Estados Unidos. O exército está sem dúvida se preparando para uma grande guerra, reconfigurando-se em oposição às pequenas e “ágeis” forças que tinha até agora e que eram destinadas a lutar em lugares como a Chechênia e a Geórgia. Escreve Armstrong: “você pode dizer muito sobre que tipo de guerra espera qualquer país, simplesmente entendendo a forma pela qual ela dispõe suas forças (as forças que o compõe): se o país vai apenas até a formação de brigadas ou grupos de brigadas independentes que, dependendo do que você quer fazer pode ter infantaria, tanques e batalhões de artilharia, bem como elementos de “apoio”, você está sinalizando que espera e está se preparando tendo em vista uma guerra de pequenas proporções. Mas se você continua até divisões, sinaliza que espera algo grande e se constrói corpos (exércitos, na terminologia russa), você está dizendo claramente a quem quiser ouvir que se prepara para uma grande guerra”.
E continua:
“O que significa tudo isso? Qual o tamanho da Guerra que você está prevendo? Uma pequena, uma grande ou uma realmente grande? Sua resposta determinará as formações que você deverá construir. Um detalhe decisório importante, o qual revelará sua resposta, é: você vai acrescentar outros tipos de armas de combate ou de elementos de apoio a nível de brigada (5.000 tropas) ou de divisão (10.000 tropas)?”
“Se for a nível de brigada, você tomou uma decisão baseado na expectativa de que a guerra que enfrentará será pequena e que tais formações – 5.000 pouco mais ou menos de soldados é tudo o que você necessita. Por outro lado, se você decide criar divisões – formações cerca de três vezes maiores – você mostra que está na expectativa de uma guerra maior. Caso você comece a combinar as divisões em corpos (exércitos) ou mesmo grupos de exércitos, significa que você estará esperando uma guerra realmente grande – e contra um inimigo de primeira classe. Na realidade, algo do tamanho da Segunda Guerra Mundial...”
“O antigo exército soviético era organizado para uma Guerra pesada: tinha divisões organizadas em exércitos (corpos na terminologia ocidental), os quais por sua vez eram organizados em fronts (exércitos na terminologia ocidental) – os quais seriam agrupados em TAMs ou Teatros de Atividade Militar (TVD na sigla em inglês para Theatres of Military Activity – NT) – grupos de exércitos na terminologia ocidental – todos apoiados por um sistema de conscrição e reservas, estoques quase inesgotáveis de armamentos e gigantescos depósitos de armamentos preposicionados. A União Soviética não pretendia lutar mais uma vez a apenas uma hora de carro de Moscou. Mas toda essa estrutura ruiu quando a URSS entrou em derrocada...”
Aparentemente, os gestores do exército russo por muito tempo foram incapazes de entender que tudo havia mudado – que a força extraordinária do exército russo tinha se esvanecido e que nunca mais seriam magicamente preenchidas com centenas de milhares de conscritos as suas “formações vazias”. Sucedeu-se que eles não sabiam de que maneira gerir um exército “pequeno”. Percebemos em conversações com o Comando Central do exército russo que o Estado não mais tinha condições de pagar as aposentadorias e pensões para alojamento às quais os oficiais tinham direito. Aos poucos, aquele exército uma vez poderoso, foi decaindo.
O fracasso na primeira guerra da Chechênia talvez tenha sido o fator que finalmente veio a convencer os quartéis generais da Rússia que o exército russo não funcionava bem como um “exército para grandes guerras” temporariamente reduzido. Começamos a ser informados de que estavam reprojetando o exército em brigadas independentes. Para quem lia os informes militares periódicos e os documentos de doutrina estratégica, começou a ficar claro que Moscou antecipava um período de conflitos militares menores, na escala de infrações fronteiriças ou uma guerra no porte da que acontecera na Chechênia, nas quais o inimigo seriam pequenas e ágeis formações levemente armadas. Para conflitos desse tipo, qualquer coisa maior que brigadas independentes adequadamente armadas seriam muito grandes e complicadas de gerir.
“Gradualmente, entre as duas guerras na Chechênia, as “divisões” (que às inspeções realizadas mostravam-se vazias de soldados e cheias de equipamentos com manutenção descuidada, realizada por oficiais de moral baixa e mal pagos) desapareceram, sendo substituídas por algo chamado de “bases de armazenamento”. Presumiu-se à época que foi a forma encontrada para evitar um projeto de lei de reforma em massa, dando aos oficiais alguma coisa útil para fazer. Simultaneamente, grupos de brigadas independentes começaram a surgir, primeiro no Sul, onde havia a expectativa de problemas. Esta é uma das principais razões pelas quais o exército russo foi vitorioso na segunda guerra da Chechênia...”
Resumindo, pelas doutrinas publicadas, por tudo o que nos foi dito em encontros, entrevistas e audiências e pela implantação de suas estruturas de formação, na virada do século os russos sinalizavam que não tinham intenções ofensivas contra a OTAN, nem da OTAN esperavam ataques. Viam perigo no Sul do próprio país.
Eis o que tínhamos com o Tratado sobre Forças Convencionais na Europa (CFE – Conventional Armed Forces in Europe em inglês – NT): os russos eram obrigados a nos dar uma lista de componentes com sua localização precisa e relacionamento com outras estruturas do exército, com o número de soldados que as compunham e seus armamentos principais; poderíamos ir até lá para verificar a veracidade das listas fornecidas quando quiséssemos. Graças a esse tratado, sempre soubemos o que os russos tinham, onde estava e como era organizado. Nossos inspetores jamais encontraram discrepâncias nas informações fornecidas. Mas os países membros da OTAN jamais ratificaram o tratado, adicionando continuamente novas exigências e, depois de alguns anos, a Rússia, que havia ratificado o tratado, abandonou-o e o denunciou. Dessa forma, todos perdemos (pois as obrigações eram recíprocas) um mecanismo de obtenção de confiança mútua baseado na transparência em sua divulgação com a possibilidade de verificação.”
Durante todo esse tempo a Rússia nos alertava de que a incessante expansão da OTAN, cada vez mais próxima de suas fronteiras era um perigo (опасность), embora tenham parado de denominá-la como fazem ao terrorismo, de ameaça (угроза); perigo você observa, já ameaça você tem que responder. Claro que a OTAN faz de conta que não é com ela, afirmando arrogantemente que a expansão na OTAN é na realidade ao mesmo tempo um “favor” para a Rússia e um “direito” da “nação excepcional” e de seus aliados.
Necessário ter em mente que as eternas acusações de que a Rússia estaria “militarizando tudo”, ameaçando a tudo e a todos, comportando-se “como se ainda estivéssemos no século 19”, invadindo, brutalizando, e cousa e lousa e a asa da maripousa... ocorre que as estruturas do exército russo desmentem essas acusações. Pequeno número de brigadas independentes, estacionadas principalmente no Sul do País, não são a forma correta de ameaçar os vizinhos localizados no oeste. Onde estão os círculos de bases, as frotas de navios de guerra no estrangeiro, os exercícios nas fronteiras? E, por último mas não menos importantes onde estão as forças de ataque? Não existem, pelo menos desde o fim da era soviética. Tudo o que os russos nos dizem, é exatamente o que fazem.
“Eles se preparam para pequenas guerras, mas a OTAN continua a se expandir; eles questionam e a OTAN se expande, eles protestam e a OTAN não para de se expandir. Eles nada fizeram por anos. Pois bem, eles se moveram: a 1ª Guarda do exército blindado está sendo recriada. Este exército (ou corpo na terminologia ocidental), deverá ter duas ou três divisões de tanques além de uma ou duas divisões de fuzileiros motorizados, acompanhado de artilharia pesada, suporte de um corpo de engenheiros, helicópteros e mais o que for necessário.”
“A 1ª Guarda do Exército Blindado será implantada no Distrito Militar Ocidental para defender a Rússia contra a OTAN. Muito provavelmente será a primeira a receber a nova família de AFVs (Armored Fighting Vehicle – Veículo Blindado de Batalha – NT) ARMATA e será equipado com soldados profissionais, devendo receber as últimas inovações com o melhor da formidável indústria russa de defesa. Não será um Quartel General apenas no papel. Será real. Comandado, mantido, equipado, integrado, exercitado e pronto para a batalha... A decisão de criar esse exército de tanques é uma indicação clara de que a Rússia realmente teme um ataque do ocidente e está se preparando para se defender contra isso. Resumindo, a Rússia finalmente chegou à conclusão de que as agressões incessantes da OTAN significam que ela tem que se preparar para uma guerra de grandes proporções.”
Claro que as observações de Glaziev não são tanto sobre a preparação para uma grande e clássica guerra militar (lembrem-se de que ele é um economista), mas muito mais sobre os perigos de uma guerra híbrida, precipitada pelo esgotamento do modelo da Pax Americana, que é muito menos visível e entendida pelo grande público, embora perigosamente traiçoeira. Glaziev não tem dúvidas de que a dramática queda do preço do petróleo (armada pelos EUA em conjunto com a Arábia Saudita) em 1985/6 e seu impacto sobre a liderança soviética foi apenas um exemplo inicial de uma guerra híbrida efetiva praticada contra a Rússia: um exército, particularmente um grande exército completo pouca coisa pode fazer em tempos de implosão financeira – muito pelo contrário. O ponto aqui é que a reconfiguração das forças armadas russas evidencia que o ponto de vista de Glaziev de que a Rússia está sendo ameaçada pela escalação (norte)americana sobretudo em um modo híbrido encontra abrigo entre a liderança russa. Eles não estariam gastando dinheiro para reestruturar suas forças armadas se não pensassem que a ameaça que enfrentam é séria.
Não há novidade nesse tipo de Guerra (geofinanceira) à qual alude Glaziev. O professor Carrol Quigley, é antigo militante em Harvard, Princeton e na Escola de Relações Exteriores da Universidade de Georgetown. Ele também foi uma espécie de “insider” tornando-se amigo de Rockefeller e uma influência fundamental para seu aluno Bill Clinton (que acabou por se tornar importante patrono do establishment financeiro e de suas desmedidas ambições). Quigley escreveu detalhadamente em seu livro épico de 1964, “Tragédia e Esperança: Uma História Contemporânea” livro épico de 1964: Tragédia e Esperança – História Mundial Contemporânea (pg 324), como os homens (o establishment Anglo Americano) construíram nosso novo sistema monetário:
“…havia uma meta de longo prazo, nada menos que criar um sistema global de controle financeiro … capaz de dominar o sistema político de cada país e a economia mundial como um todo. O sistema deveria ser controlado ... por bancos centrais pelo mundo afora, agindo através de acordos secretos ... Cada banco central, nas mãos de homens como Montagu Norman (pelo Banco Central da Inglaterra) e Benjamin Strong (pelo Federal Reserve em Nova Iorque) ... procurando dominar seus próprios governos através da capacidade de controlar os empréstimos do Tesouro manipulando ao mesmo tempo o comércio exterior, para influenciar o nível da atividade econômica no país e políticos “cooperativos” com recompensas econômicas subsequentes no mundo dos negócios. País a país, o poder dos bancos centrais estava no controle do crédito e do suprimento de moeda.”
Quigley relata que os acontecimentos seguiram este roteiro porque o objetivo era criar o Federal Reserve dessa maneira. Acontece que o início do plano esteve repleto de dificuldades: o então presidente dos Estados Unidos, William Taft se recusou a encampar o projeto das elites de criação de um banco central nos Estados Unidos. Taft foi então devidamente derrubado – a crise financeira de 1907 foi “trabalhada” no sentido de criar um clima mais “favorável” ao estabelecimento de um Banco Central (norte)americano. Em seguida, um presidente Wilson mais maleável assinou rapidamente o ato de criação do Federal Reserve.
No entanto, Quigley faz notar que “não se deve pensar que os presidentes dos bancos centrais pelo mundo fossem eles mesmos os detentores do poder, financeiro ou político. Eles não eram. Na verdade, não passavam de técnicos, ali colocados pelos verdadeiros dominantes: os banqueiros particulares de cada país, que, por ter colocados esses “técnicos” no poder, também detinham o condão de manda-los embora quando quisessem. Os poderes substantivos reais no mundo estavam nas mãos desses banqueiros investidores que comumente ficavam nas sombras, enclausurados em seus próprios bancos particulares. Estes banqueiros formavam assim um mundo subterrâneo de cooperação e dominação que permanecia nas mãos privadas, mais poderosas e mais secretas que os seus agentes nas presidências dos bancos centrais.”
O que é mais intrigante sobre os ensaios de Quigley é o seu conhecimento, proximidade e compreensão sobre a maneira de funcionamento dos instrumentos não oficiais do poder no ocidente, e mais especificamente um grupo que evoluiu do que chamava de “establisment Anglo Americano” como fez em um manuscrito anterior para o que denominamos atualmente de “estado profundo” (em sua manifestação mais abrangente). Quigley escreveu: “eu conheço das operações dessa rede porque a tenho estudado por duas décadas, e me foi permitido por dois anos o acesso a seus documentos e registros secretos. Não lhe tenho aversão e nem aos seus métodos e tenho, por grande parte de minha vida, estado perto dela e da maioria de seus instrumentos.”
Plus ça chance, plus c1est la meme chose! (expressão francesa que significa: “quanto mais muda, mais é a mesma coisa!” – NT) Os nomes podem até ter mudado – Goldman Sachs; Rochefeller – no entanto por outro lado, o sistema (continua) intacto. Porém o que mudou realmente foi a auto aclamação do “excepcionalismo” (norte)americano depois dos ataques ao World Trade Center em 9/11. Isso de fato turbinou as ferramentas da Guerra geofinanceira. Com a justificativa da erradicação do terrorismo e/ou lavagem de dinheiro e a implementação em escala mundial das sanções “aprovadas” pelos Estados Unidos contra os “maus meninos”, os EUA estenderam suas reivindicações de jurisdição legal, cobrindo virtualmente todo o sistema financeiro global. A imposição de sanções secundárias contra terceiros países, pesadas multas arbitrárias impostas contra bancos estrangeiros, a ameaça de expulsão do sistema financeiro global, corridas de derivativos contra moedas como aconteceu com o rublo (tudo orquestrado pelos EUA) em 15 e 16 de dezembro de 2014; jogos financeiros que brincam com a desvalorização ou valorização artificial do dólar, que acabam por impactar o valor do débito denominado em dólar fora dos Estados Unidos – todas estas medidas agregadas e combinadas causam mais danos que as armas convencionais; são mais poderosas, em alguns casos, que um exército.
Se houvesse necessidade de mais provas, bastaria olhar a dominação das políticas externas e domésticas da União Europeia, conquistada por Washington através da capacidade do Tesouro (norte)americano de espalhar completamente o terror no coração dos bancos europeus, de reduzir à impotência os dirigentes (Alemanha) e, em coordenação com o Banco Central Europeu derrubar líderes europeus (Berlusconi) e paralisar governos populistas (Grécia).
Como ressalta o eminente economista, professor Michael Hudson, a respeito da subjugação financeira dos países europeus:
“Não há parâmetros para a inscrição de débitos devidos ao FMI, ao Banco Central Europeu ou a governos credores (norte)americanos ou europeus. Desde os anos 1960s, nações inteiras têm sido subjugadas pela contração econômica e pela austeridade (trata-se na realidade de arrocho – NT) que as tornam cada vez menos capazes de escapar da armadilha da dívida. Os governos credores são implacáveis e o FMI e o Banco Central Europeu agem para beneficiar aos obrigacionistas – sendo assim ideologicamente capturados por operadores financeiros antitrabalho e antigoverno.”
“Tudo isso não resulta, como se pretende, em uma “economia de Mercado Livre”, nem representa um estado de direito econômico racional. Um Mercado Econômico genuíno seria capaz de reconhecer a realidade financeira e não inscreveria débitos além da capacidade de pagamento. Ocorre que as dívidas intergovernamentais atropelam o Estado e se recusam a admitir a possibilidade de um recomeço livre de amarras financeiras. A teoria financeira seguida atualmente – e apoiada pelos especuladores de dívidas podres – é que não importa o tamanho do débito, ele pode ser pago pela simples redução do salário e pensões dos trabalhadores e do padrão de vida, bem como pela venda dos bens de domínio público das nações – sua terra e suas reservas de petróleo e gás natural, distribuição de água, reservas minerais, infraestrutura de estradas e transportes de modo geral, instalações de energia e até sistemas de esgoto, ou qualquer tipo de infraestrutura pública.”
“… o objetivo político imediato dessa Guerra financeira contra a Grécia é substituir um governo democraticamente eleito e referendado por uma notável votação de 61 a 31 votos – pelo controle de credores estrangeiros, “tecnocratas”, quer dizer, lobistas de bancos, títeres e antigos diretores do Goldman Sachs. O objetivo de longo prazo é impor uma guerra contra o trabalho – na forma de austeridade (é arrocho) – e contra o poder dos governantes de determinar soberanamente sua própria política de tributos, financeira e de regulação pública” (grifo nosso).
Não é de se admirar, portanto, que na oportunidade em que uma guerra híbrida característica se manifesta em nova rodada de demonização do Presidente Putin, proveniente dos assim chamados “Panama Papers” (embora Putin não seja ali mencionado), a questão seja colocada: “há realmente razão para se esperar um levantamento das sanções europeias contra a Rússia?” Aparentemente, a resposta é não. Preste atenção na maneira que o Tesouro dos Estados Unidos está anulando o levantamento das sanções contra o Irã forçando os bancos europeus a ignorar qualquer tentativa de financiamento do comércio ou infraestrutura iranianas – isso apesar de reconhecer o total cumprimento pelo Irã de todas as suas obrigações com o JCPOA (mais conhecido como acordo iraniano). Às questões levantadas pelos iranianos, o presidente Obama se limitou a responder que os benefícios do levantamento das sanções só se tornariam efetivos quando o Irã se tornasse mais integrado aos objetivos dos EUA para a economia mundial, mudasse suas convicções financeiras e se tornasse mais “amigável para os negócios” (ou seja, quando o Irã concordasse totalmente com a hegemonia financeira mundial dos Estados Unidos).
Mas… Por outro lado, o presidente Obama quer “tranquilidade” na Síria (e nos resto do Oriente Médio, diga-se de passagem) pelo menos durante a duração da atual campanha presidencial, e a dominação política de Angela Merkel sobre aquele assunto (sanções contra a Rússia) está diminuindo a olhos vistos como resultado da hostilidade generalizada contra suas colocações em relação aos refugiados. A política europeia está bastante confusa, mas se torna claro dia a dia que a rebelião contra o prolongamento das sanções contra a Rússia está ganhando tração.
Em determinado sentido, estas últimas objeções simbolizam o debate de bastidores que está em curso na Europa, centrado na forma pela qual os abusos jurídicos (norte)americanos contra o setor bancário europeu estão adversamente prejudicando os próprios interesses estrangeiros europeus (não se esqueçam que o Euro foi uma “ferramenta” concebida originalmente para escapar das garras de Greenspan). E – tão importante quanto – como o “novo governo econômico” do Banco Central Europeu, somado ao Bundesbank, controlados por um punhado de operadores do norte europeu (muitos deles egressos das entranhas de Goldman Sachs) está arrasando o sul da Europa, a ponto de provocar revolta popular. Resumindo, o “estado profundo” (talvez não seja apropriado continuar a chamá-lo de Anglo Americano, já que hoje é mais cosmopolita que isso) quer simplesmente abafar quaisquer lampejos de soberania ao sul da Europa na intenção de forçar a introdução da governança financeira global e europeia – como explicou o antigo funcionário que era responsável pelo sistema monetário europeu e política monetária europeia.
Acrescente-se aqui outro grande “mas…” o caso é que neste instante, não são apenas os bancos os considerados “grandes demais para falir” – o próprio mercado se tornou muito influente (e muito grande) para ruir. ‘Deve’ ser apoiado (não importam as consequências nem meios) para que seja mantida a ilusão de “crescimento” e de aumento de riqueza para um público que a cada dia acredita menos nisso (tanto o público leigo quanto o especialista). Resumindo, a necessidade imperiosa de manter a estabilidade do mercado a qualquer custo está, em Nova Iorque, ultrapassando o uso do sistema como uma arma financeira a ser usada contra todos os problemas no estrangeiro e para prejudicar qualquer concorrente, como, por exemplo, a emergente China. O cálculo histórico está sendo mudado pelos excessos da bolha.
Mas (como ressalta o blogueiro de finanças Hugh Smith) impulsionar “a psicologia de Mercado” requer que se lide continuamente com grandes extremos: dívida extrema, uso cada vez maior de instrumentos comerciais esotéricos, alavancagem decidida e avaliações cirúrgicas. Todos esses extremos, por si só, já deixam o mercado desestabilizado “primeiro às escondidas, depois escancaradamente”. A situação é agravada pelo surgimento de novas tecnologias (particularmente aquela denominada High Frequency Trading [literalmente Comercialização de Alta Frequência, uma plataforma de negociações automatizada e servida por computadores poderosos que permitem a quem domina a técnica efetuar milhares de negociações em segundos, dando enorme vantagem às corporações que dominam o processo- NT]) e o largo uso de robôs (para conduzir as comercializações) que possuem potencial para derrubar globalmente o mercado. Em resumo, as estruturas econômicas e políticas dos Estados Unidos e da Europa estão quase totalmente dependente de continuidade, e mesmo de “acomodação” (no Brasil, diríamos “um jeitinho” – NT) pelo Banco Central respectivo para evitar uma guinada brusca que deixe o mercado em “desamparo”. Recentemente, a China mostrou que, se quiser pode fazer oscilar a taxa de câmbio de sua moeda (Yuan) no intento exato de “deixar em desamparo” o mercado, o que fez o Federal Reserve provocar rapidamente um recuo na valorização do dólar, ameaçando com esta medida provocar uma fuga de capital da China.
O paradoxo que aqui se observa é que a cambaleante bolha financeira e creditícia e sua atual vulnerabilidade a choques de qualquer natureza no epílogo de um longo ciclo de crédito, está tornando cada vez mais arriscada a posição do Tesouro dos Estados Unidos e do FED (como ficou evidente com o apelo do Secretário do Tesouro dos EUA Jacob Lew para que o Tesouro tenha mais sensibilidade no uso de suas assim chamadas “Bombas de Nêutrons” [o uso de sanções econômicas como a ‘bala de prata’ financeira contra países que os EUA consideram rivais comerciais – NT]). Mas o que Lew esqueceu de dizer é que esta nova “sensibilidade” não é decorrente de uma descoberta de um “estadista” (norte)americano, mas sim o fato cru que o Tesouro e o FED não podem correr o risco de ver a bolha exaurindo por medo de entrar em colapso representado por uma grande deflação. A China se aproveitou com sucesso dessa fraqueza.
Este é o mesmo “buraco da agulha” pelo qual tem que passar a Rússia se quiser obter um levantamento das sanções da União Europeia. O “mercado” é muito sensível a qualquer distúrbio, e neste instante, o presidente dos Estados Unidos está vulnerável a perturbações externas durante o processo de eleições presidenciais. Poderá a cooperação Rússia na Síria – especialmente neste momento delicado quando a cessação das hostilidades se desintegra – fornecer as circunstâncias ideais para um “grande acordo” e um levantamento das sanções? O “buraco” da agulha é realmente muito estreito, levando em consideração a força das dinâmicas históricas que decorrem da OTAN e do que Quigley chama de Establishment Anglo Americano.****
O Coletivo de Tradutores da Vila Vudu acompanha o trabalho e o pensamento de Sergei Glazyev há muito tempo. Ver "Aliança anti-dólar; "Entrevista com SG"; "Plutocracia ocidental"; "A mais nova arma letal da Rússia"; "Moscou firma o pé diante de Washington", dentre outros artigos traduzidos.
Agradecemos muito a oportunidade de colocar aqui os links dirigidos a vários artigos traduzidos pela Vila Vudu.
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