sábado, 7 de maio de 2016

The Saker - Contrapropaganda à moda russa

6/5/2016, The Saker, Unz Review The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Quem acredite na mídia-empresa 'ocidental' tem a impressão de que o Kremlin controla toda a mídia-empresa russa com mão de ferro, e que não se permite nem uma palavra de crítica contra a Rússia, e contra Putin, então, nem se fala(ria). 


Essa situação está tão feia, que os anglo-sionistas puseram-se agora a prover fundos para novos esforços "de informação" para contra-atacar a máquina de propaganda russa e assegurar que o povo russo – que claramente não suspeita(ria) de que só lhe são fornecidas mentiras – receba a tão necessária "informação"; assim os anglo-sionistas cuidarão para que o povo russo só ouça verdades e opiniões 'do outro lado'.

De fato, nada mais longe da realidade.


Primeiro que, se alguns diretorados da KGB foram reorganizados e receberam novos nomes, o Diretorado encarregado de dissidentes, divulgadores de "outras ideias" e sortimento variado de "inimigos do Estado" (o 5º Diretorado Central) foi completamente desmontado e desmobilizado. Absolutamente não há "polícia ideológica na Rússia". Algumas modalidades de discurso são, sim, proibidas (que preguem o terrorismo, a violência, o ódio racista, o discurso de ódio em todas suas formas, etc.) e algumas específicas organizações, como o "Setor Direita" ou o "Mejlis" tátaro. Com exceção desses casos, o único controle que há na Rússia sobre a livre manifestação do pensamento depende de denúncia, devido processo legal criminal e sentença. Vale dizer que, na realidade, a Rússia não é o único Estado que assim procede: mais ou menos, com variação de detalhes, faz exatamente o mesmo que os demais estados europeus.

Além disso, há *MUITA* crítica contra Putin e o governo em geral na muito ativa RuNet (a internet russa), não só na Rússia, mas em todo o mundo (EUA, Canadá, Cazaquistão, Ucrânia, etc.). Parte das críticas provêm de uma pequena minoria pró-EUA; parte muito maior delas provêm do campo anti-EUA: nacionalistas russos, comunistas e críticos das políticas econômicas do governo, todos esses acusam Putin de ser fraco e de não desejar nenhum tipo de confronto com o Ocidente. Na Rússia – diferente do que acontece na Ucrânia – as empresas estrangeiras de mídia não estão banidas; nem seus programas de rádio e/ou de televisão.

Em terceiro lugar, grande parte da "elite dinheirista" com base em Moscou (impossível designá-la como "intelligentsia") simplesmente odeia Putin e não faz outra coisa que não seja amaldiçoar suas políticas. Essa gente nada tem de tímida, quando põe a boca no mundo contra o presidente. Se alguém quiser testar essa hipótese, basta conversar um pouco com turistas russos ricos, e qualquer pessoa imediatamente comprovará que eles de modo algum apoiam Putin. Como se sabe, "dinheiro fala alto", e grande parte do dinheiro russo está definitivamente no campo da oposição a Putin.

Nada disso significa que na Rússia não haja contrapropaganda. Há. E é muito efetiva. Novidade aí – e traço que a torna única no mundo – é o modo como opera a contrapropaganda na Rússia.

Acho que os modos fantasticamente errados e incompetentes pelos quais operava o 5º Diretorado Central da KGBpara tentar neutralizar os sentimentos antissoviéticos deixaram marca profunda na geração mais nova de funcionários da segurança do Estado, que aprenderam com aqueles erros e tomaram rumo diametralmente oposto: em vez de tentar calar a propaganda 'ocidental' – eles de fato a promovem!

Yup, é verdade. O Kremlin e os jornalistas claramente pró-Putin não medem esforços para garantir o máximo de espaço no ar, para os mais furibundos críticos anti-Kremlin, principalmente nos programas de entrevistas transmitidos pelas redes russas de TV.

Os mais populares programas de entrevistas da TV russa (Evening com Vladimir Soloviev, Time will Show com Petr Tolstoi, Right to Know com Dmitrii Kulikov, Politics com Petr Tolstoi e Alexander Gordon, Special Correspondent com Evgenii Popov, News.doc com Olga Skabeeva, Duel com Vladimir Soloviev) todos eles se dedicam atentamente a garantir que os seguintes grupos tenham o maior tempo possível de exposição:


– liberais russos;
– jornalistas norte-americanos fluentes em russo;
– funcionários públicos e jornalistas poloneses fluentes em russo; e
– nacionalistas ucranianos.

Esses quatro grupos são literalmente o "feijão-com-arroz" desses programas de entrevistas, que oferecem aos públicos um fluxo praticamente ininterrupto de debates políticos que prendem todas as atenções. Por quê? Porque todos vivem de dizer e repetir o mesmíssimo bestialógico que costumam dizer e repetir em seus respectivos países. 


A diferença é que, se os públicos 'ocidentais' fora da Rússia absolutamente não sabem como responder àquela propaganda ensandecida, a conversa toda soa tão absolutamente inadmissível, mentirosa, frouxa e intragável para os públicos russos, que aqueles convidados quase sempre acabam literalmente destripados (discursivamente, claro) pelos interlocutores russos convidados aos mesmos programas.



E, para garantir que todos na Rússia 'capturem a mensagem', os principais programas semanais de notícias (News of the Week com Dmitri Kiselev, Postscriptum com Alexei Pushkov) sempre exibem longos excertos de noticiários da propaganda 'ocidental', com as declarações mais sanguinariamente anti-Rússia e anti-russos emitidas por políticos ocidentais.



Por exemplo: recentemente, a BBC distribuiu filme grotesco de propaganda intitulado "World War Three: Inside The War Room" [3ª Guerra Mundial: Dentro da Sala de Guerra], em que Putin aparece ordenando a invasão de um estado Báltico e um ataque nuclear contra um porta-aviões dos EUA. A mídia russa enfureceu-se. E longos excertos do filme da BBC, com efeitos especiais e tudo, passaram a aparecer insistentemente na TV russa. O povo russo assistiu a tudo aquilo, cada dia mais impressionado com a má qualidade e a estupidez do jornalismo ocidental.

Mais recentemente, a revista Foreign Affairs norte-americana postou um vídeo para anunciar a edição seguinte, sobre "A Rússia de Putin":


 Aqui, a capa daquela edição da revista:

Desnecessário dizer, os russos a-do-ra-ram. Não, é claro, a imagem, profundamente ofensiva ao povo russo, mas porque, afinal, a revista Foreign Affairs exibia tão claramente a sua verdadeira face: da mais psicótica russofobia, a Rússia pintada como urso bêbado, frustrado e ferido. Os russos perguntaram-se por que os ocidentais os veriam como urso ferido; e ferido por quem/o quê?

Também gostaram muito da frase "Fazer a América Grande Novamente" no alto da página – e esse, obviamente, era o objetivo de toda aquela ação de propaganda dos EUA: pintar uma Rússia ferida... para "fazer a América" parecer"grande novamente".

Acreditem ou não, tudo isso faz muitos russos gargalharem; também mostra muito claramente que o ocidente odeia a Rússia e os russos. "Só nos toleram se estivermos fracos, feridos e bêbados" – frase que se ouve hoje muito frequentemente na TV russa; e a blogosfera concorda plenamente.

Outra presença regular na TV russa que o público russo aprecia, como entretenimento e risadas garantidas, são os nacionalistas ucranianos. Esses, não só negam todos e quaisquer problemas que todos sabem que assolam a Ucrânia hoje ocupada por nazistas, e ainda insistem que haveria militares russos operando no Donbass, como, além disso, sempre aparecem 'equipados' com o obrigatório corte de cabelo tradicional ucraniano à moda "crista" e com a bandeira dos patriotas ucronazistas (vejam com seus próprios olhos)

É experiência extraordinariamente engraçada para os russos ouvir os noticiários da noite ao vivo e ver os filmes em vídeo que mostram o caos e a violência que desgraça a Ucrânia e, na sequência, assistir a esses palhaços ucronazistas explicar que 2+2=3, que preto é branco, que a água corre para cima. Não conheço modo mais efetivo para cobrir de ridículo o regime de Kiev.

E há também os nossos ex-"irmãos" leste-europeus, especialmente os poloneses. A principal fonte de orgulho deles é que agora são parte da OTAN e não se cansam de dizer e repetir abertamente. Admitem abertamente que "tínhamos medo da Rússia; agora já não temos medo da Rússia, porque somos 'da OTAN'" – o que os expõe como perfeitos idiotas (ninguém na Rússia acredita que a Rússia cogite de invadir país algum) e como covardes (de um ponto de vista russo, esse tipo de "esconder-se atrás do irmão maior" não é atitude que mereça respeito). 

Em resumo, se os ucronazis exibem-se como palhaços, os funcionários poloneses são vistos como covardes e prostituídos. E, para não restar dúvidas de que todos recebem porção equivalente de atenção, a mídia russa cuida de relembrar regularmente ao público russo que os poloneses não se cansam de repetir a acusação cômica de que o acidente do avião do governo deles, que caiu perto de Smolensk foi (ninguém sabe explicar como) derrubado ou bombardeado pelos russos.


Depois, vêm os jornalistas norte-americanos, principalmente Michael Bohm – à direita na foto – que fala russo bastante bem; e Mark Knuckles – à esquerda na foto – (cujo russo é hilário, péssimo, e soa como caricatura, em filme ruim, de diretor de 'célula' da CIA da Guerra Fria). Oh boy, esses dois são, sim, muito, muito engraçados.


Dos dois, Michael Bohn é claramente o mais esperto, mas também é, de longe, o mais canalha. Por mais que tente disfarçar a conversa de propagandista típico pró-EUA, volta e meia ele erra a mão e põe-se a cuspir o mais repulsivo nonsense dos imperialistas norte-americanos. Também adora tentar negar os sucessos russos (os quais são todos "propaganda", na avaliação dele). 

O outro, Knuckles é estúpido e arrogante à maneira que só os norte-americanos são. Francamente, muito me surpreende que ninguém nos EUA tenha encontrado um jeito de tirá-lo da TV russa, antes de provoque dano ainda maior à imagem dos EUA na Rússia. Seja como for, os dois são engraçadíssimos de ver e ouvir, especialmente quando confrontados com jornalistas racionais, franceses, gregos, alemães e, mesmo, um ou outro jornalista norte-americano (aqui, um bom exemplo).

Por fim, mas não menos importantes, há os russos liberais. Para compreender, vocês têm de saber que, atualmente, palavras como "liberal" e "democrata" já são recebidas quase como insultos na Rússia. Aqui, uma típica piada russa, que ilustra bem o que o russo médio pensa de liberais:


Um professor novo apresenta-se aos alunos:

– Meu nome é Abram Davidovich, e sou liberal. Agora, cada um de vocês levante-se e apresente-se como eu fiz.

– Meu nome é Masha, e sou liberal …

– Meu nome é Petia, e sou liberal.

– Meu nome é Joãzinho, e sou stalinista.

– Joãzinho, por que você é stalinista?!

– Minha mãe é stalinista, meu pai é stalinista, meus irmãos são stalinistas e eu também sou stalinista.

– Mas Joãozinho, se sua mãe fosse corrupta, seu pai cocainômano, seus amigos todos estivessem na cadeia ou a caminho da cadeia... Você seria o quê, nesse caso?!

– Nesse caso, eu seria liberal.

Observe-se que o novo professor tem nome judeu, o que ilustra a crença que se alastra entre os russos, de que o "liberalismo" dos anos 1990 foi criação de Berezovsky ou Khodorkovsky, dentre outros judeus. Nada há aí de antissemitismo. É simples caso de revide – personagens que colhem a tempestade que plantaram.


Por tudo isso, quando os infelizes liberais russos aparecem para expor o ponto de vista deles na TV russa, eles não se veem obrigados só a defender ou, no mínimo, a justificar as odiadas políticas do Império Anglo-sionista: são obrigados também a ouvir, regularmente, a rememoração de todo o horror que a Rússia viveu sob governo daqueles "liberais", nos anos 1990s. Só por se apresentarem ao lado de norte-americanos, poloneses e ucranianos odiadores de russos, os liberais já estão desacreditados, sem chance de redenção.



De fato, nada mais engraçado que assistir aos liberais russos, norte-americanos, poloneses e ucranianos, a clamar todos os dias, em horário nobre, pela televisão... que não há liberdade de expressão na Rússia!



É preciso não esquecer que a mídia interna na Rússia é muito diferente do que se lê em inglês no jornal Russia Today (RT), cuja missão é expor um ponto de vista alternativo aos públicos ocidentais, motivo pelo qual são raros os russófobos furiosos convidados a se manifestar em RT. Mas dentro da Rússia, vê-se que há uma decisão clara, no sentido de mostrar ao público russo em geral a mesma propaganda à qual o público ocidental está exposto.



Pode-se dizer portanto que a técnica de contrapropaganda russa é uma espécie de vacinação intelectual: o corpo é exposto ao agente patogênico, para disparar uma resposta de imunização. O corpo é infectado, pode-se dizer, mas não em grau que leve à morte. Resultado disso, as seguintes associações já se implantaram profundamente na consciência coletiva, na Rússia:


Liberais russos → 'são' o horror daqueles terríveis anos 1990s;

Jornalistas norte-americanos → 'são' a agressão imperial pelos EUA;

Funcionários e jornalistas poloneses → 'são' a russofobia encarnada; e

Nacionalistas ucranianos → 'são' o horror implantado no Banderastão nazista.


É muito, muito efetivo. A melhor prova disso é que esses grupos têm apoio de, no máximo, 3-6% da população russa. Sólidos 95%+ opõem-se firmemente a eles e não querem que tenham voz ou qualquer influência sobre o futuro da Rússia.


Como ex-guerreiro da Guerra Fria que sou, eu mesmo lembro muito bem o quanto soava ridícula a propaganda pró-soviéticos e o quanto ninguém a levava a sério, nem no ocidente, nem na União Soviética. Agora, a roda girou, e o que ninguém absolutamente leva a sério é a propaganda pró-EUA (quero dizer, ninguém... exceto, talvez, na Polônia e nos estados do Báltico). A propaganda pró-EUA acaba minando o que ainda reste de credibilidade aos porta-vozes do ocidente.



A propaganda do Império é simplesmente contrafactual e totalmente ilógica – o que aparece muito claramente, muito obviamente, aos olhos dos públicos russos. Por isso, a última coisa que o Kremlin jamais fará será impedir que os russos sejam expostos àquele amontoado de bobagens.*****



Nota dos tradutores: No Brasil, o quadro é completamente diferente. No Brasil, a mídia-empresa manda completamente no Estado brasileiro, Judiciário, Legislativo e Executivo. 



Já mandava em 1954, e nesses mais de 50 anos, com a concentração dos veículos e inchaço dos monopólios, a situação agravou-se. Em situação como a que vivemos hoje – de golpe contra o Estado de Direito –, é que se pode avaliar a gravidade dessa distorção.



Os públicos audientes no Brasil NÃO SÃO EXPOSTOS incansavelmente à fala e aos discursos de fascistas como o Deputado Bolsonaro, de alucinados como o Deputado Malafaia, de entreguistas pelegos como o senador Aluysio Nunes, de golpistas notórios como o Deputado Cunha ou o vice-presidente Temer. De fato, a maioria da população brasileira foi surpreendida – e assustou-se! – ao ouvir pela primeira vez a voz de praticamente todos aqueles deputados que votaram a favor do golpe, naquela famigerada sessão da Câmara de Deputados.



No Brasil, a experiência muito esclarecedora e de conscientização profunda que advém do contato direto com essas vozes do atraso, é neutralizada; é, pode-se dizer, despotencializada, pela intermediação dos jornalistas empregados dos poucos grupos empresariais que controlam toda a informação no Brasil. 



Os agentes do golpe e, de modo geral, da desdemocratização da discussão social no Brasil não falam aos cidadãos, senão em 'declarações' que aqueles agentes distribuem (cronometradas para 'aparecerem' no Jornal Nacional) e que jornalistas acanalhados recolhem, com ânsia de doente que treme e baba à espera da 'próxima dose'. 



Uma coisa é ouvir falar ao vivo o pervertido Deputado Bolsonaro; outra, muito diferente, é ouvir falar D. Leilane Neubarth. Uma coisa é ouvir o engomado Deputado Malafaia; outra, muito diferente, é ouvir Sandra Annemberg. Uma coisa é ouvir o já condenado Deputado Cunha; outra, é ouvir D. Eliane Cantanhede – mesmo que, em 100% dos casos, todos esses digam rigorosamente a mesma coisa.



Para avaliar o sentido do que se expõe e discute-se nesse artigo, o público brasileiro tem de imaginar noticiosos e jornais televisivos, nos quais o deputado Bolsonaro falasse durante horas; ou o vice-presidente Temer. Importante no caso do Brasil é que, se se considera o que Temer tenha dito (por escrito não conta; cartas não contam) durante todo o golpe, há alta probabilidade de Temer ser mudo, ou gago total. Fato é que o homem saiu do mais total anonimato e em algumas semanas está chegando à presidência do Brasil... sem que NINGUÉM jamais o tenha ouvido falar pela televisão [pano rápido].*****

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