No brilhante livro que acabam de publicar(ing.) The Rise of the Right, [A Ascensão da Direita]* três criminologistas de renome Simon Winlow, Steve Hall e James Treadwell, dedicam-se a explicar o crescimento do nacionalismo de direita na Inglaterra.
Embora o livro se dedique principalmente à sociedade e à política inglesas, há ali lições valiosas para todos os leitores nos EUA e também no resto da Europa. De fato, posso até dizer que se a esquerda ocidental não ouvir com atenção o que Winlow et al têm a dizer, pode acontecer de ela ser varrida do palco para sempre.
A situação é realmente, muito, muito grave.
'O Horizonte Capitalista'
O problema básico identificado pelos autores é que a esquerda, que outrora punha as preocupações da vida diária dos trabalhadores no ponto central chave de seu programa, virou liberal.
Com o neoliberalismo tornando-se hegemônico, os principais partidos da esquerda e seus representantes tiraram os olhos da reforma econômica e passaram a combater 'guerras culturais'. Propriedade pública e o compromisso com igualitarismo genuíno saíram da pauta – e as políticas das identidades entraram. A conversa passou a ser só "tolerar" e "tolerar". Ninguém mais deu atenção à exploração e aos explorados.
"A esquerda perdeu o interesse no campo tradicional da economia política, e em vez dela, inaugurou novos teatros de conflito no campo da cultura. Falando em termos gerais, a esquerda aceitou o horizonte capitalista" – explicam Winlow et al. [BINGO! (NTs)]
A vida política na Grã-Bretanha tornou-se estéril, com Trabalhistas e Conservadores convergindo para promoverem uma agenda pró-capitalista, economicamente e socialmente liberal. A classe trabalhadora foi excluída desse consenso novo, aprovado na City, em Londres.
Nas eleições gerais de 2001, obrigados a escolher entre Tweedledum Tony Blair e Tweedledee William Hague, só 59% das pessoas deram-se o trabalho de sair para votar. Compare esse nível de engajamento e os 83,9% de comparecimento às urnas, em 1950. Mas naquele tempo, a classe trabalhadora estava adequadamente representada.
Os autores de Ascensão da Direita destacam que, embora a "dominação da classe trabalhadora pelo pensamento e pela política da classe média liberal não seja novidade" – basta pensar no papel que os Fabianos tiveram na história dos primeiros anos do Partido Trabalhista —, as coisas pioraram muitíssimo na era do pós-socialdemocracia.
Demonização do Socialismo
O ex-carpinteiro Eric Heffer, que morreu em 1991, é citado como "um dos últimos pesos pesados honestos e confrontacionais, classe-trabalhadora autênticos, que houve no Partido Trabalhista." Os autores explicam o modo como a CIA desempenhou o papel que lhe coube na destruição de toda a genuína esquerda socialista — como se lê no livro de H. Wilford, The CIA, the British Left and the Cold War: Calling the Tune?, citado no capítulo 3:
"Central nesse processo foi abandonarem a classe e voltarem-se para linguagem, identidade cultural e movimentos sociais (...) O hábito norte-americano liberal-progressivista de demonizar o socialismo, falando dele sempre no mesmo parágrafo em que falam do fascismo, foi importado para a Europa para garantir apoio mais sutil e mais atraente ao programa de demonização de que a direita conservadora passou a fazer meio de vida."
A CIA conseguiu exatamente o que queria.
Na era do neoliberalismo hegemônico, quem ouse desafiar a direita liberal, de um ponto de vista socialista, pode contar com ser denunciado/a pelos guardiões do Establishment como "Stalinista" ou, até, "de extrema direita." Até advogar um retorno às políticas econômicas muito mais justas de 1945-79 é visto como perigoso e absolutamente 'sem noção'.
A mídia-empresa 'liberal'
De volta aos anos 70s? Quando o fosso entre ricos e pobres na Grã-Bretanha foi o menor em toda a história, e o país ainda contava com uma base de manufatura — oh... você deve estar doido! Os parâmetros aceitáveis para o debate são hoje desesperadamente rasos, com a mídia-empresa "liberal" encarregada de manter todas as soluções alternativas, que beneficiariam as maiorias, "fora da conversa"
"A mídia-empresa liberal de direita e liberal de esquerda diferenciam-se porque têm ideias diferentes sobre Estado de Bem-Estar, multiculturalismo e impostos, mas é só pressentirem 'perigo', remoto que seja, de acontecer um retorno de qualquer coisa que se assemelhe a real política de esquerda... toda a mídia-empresa imediatamente se reúne e se apresenta como uma só voz" – dizem os autores.
Não pode portanto surpreender ninguém que, com as suas vozes persistentemente ignoradas pelos que antes se diziam seus representantes, a classe trabalhadora britânica tenha procurado outras vias?
A metade final de The Rise of the Right inclui entrevistas com trabalhadores e trabalhadoras que apoiam grupos de extrema direita como a English Defence League (EDL) [Liga Inglesa de Defesa]. Aqui fala Steppy, 39 anos, sobre por que não vota com os Trabalhistas:
Ascensão da Extrema Direita
"Aqueles brancos vagabundos (...) Tomaram conta do Partido Trabalhista. Estão tomando conta de tudo, por toda parte. E vejam o que estão fazendo. Primeira coisa, pegam os empregos dos patrões. Viram patrão e arranjam emprego para os amigos. Suas feministas são gente dessa raça. Falam de democracia, mas não há democracia aqui. Não nesse país…"
O preconceito antimuçulmanos é disseminado entre os entrevistados.
Muçulmanos converteram-se em bodes expiatórios para a ira, a frustração e a alienação que caracteriza a Liga EDL e outros grupos de extrema direita.
Mas o grande problema, como os autores demonstram, tem sido o sistema econômico voraz sob o qual vivemos, que é adversário absoluto dos melhores interesses das maiorias. O neoliberalismo destruiu completamente comunidades inteiras de trabalhadores, e o espírito de solidariedade que havia. Toda a solidão, toda a ansiedade foram criadas pelo neoliberalismo.
Tony, como vários outros entrevistados recordam com nostalgia a Grã-Bretanha de 40 anos passados:
"Tudo era muito melhor (...) Para pessoas como eu era muito melhor. Nos divertíamos na escola e, ora, tudo simplesmente parecia funcionar direito. Havia empregos. Todos trabalhavam. As pessoas viviam juntas."
De volta ao começo do jogo
Em vez de ouvir a trabalhadores como Tony, muitos representantes políticos da "esquerda" preferem seguir o mote ditado pelos colunistas da mídia "liberal" de classe média, e focar questões que aqueles colunistas daquela mídia creiam que seriam mas 'mais urgentes'. Se alguém ainda espera deter o crescimento da extrema direita, é preciso acabar com esse relacionamento doentio com a mídia-empresa.
No capítulo oito do livro, os autores argumentam que a esquerda "tem de recomeçar do começo, outra vez":
"Para nós a esquerda hoje têm de voltar à classe trabalhadora. Quem deve vencer a luta por justiça social e econômica são os trabalhadores, é a classe trabalhadora. Liberais de classe média não podem (de fato, jamais sequer tentarão) vencer aquela luta, 'em nome' dos trabalhadores mais pobres."
Os autores dizem que os 'de esquerda' têm de se dar conta de que o que conhecem como "contraculturalismo 'de tendência'" foi erro de proporções colossais. Em seguida, têm de começar a desfazer o dano que causaram.
Não se trata de abandonar a cultura, mas de "devolvê-la ao seu lugar não dominante". A prioridade tem de ser a reforma econômica, e em especial, pôr fim à ditadura do capital financeiro. Um banco de investimento nacional público, a renacionalização de indústrias chaves e a volta dos empregos – empregos adequados, de trabalho que faça sentido, bem pago, com contratos de tempo integral para áreas que hoje estão convertidas em terra abandonada, são itens que têm de voltar ao topo da agenda dos trabalhistas.
A ascensão da extrema direita não é inevitável, nem é irreversível. Mas a esquerda está condenada para sempre, a menos que reaprenda a fazer campanha pelas questões arroz-com-feijão das classes trabalhadoras, e se separe bem claramente do pensamento da elite que dá apoio ao neoliberalismo. Se o líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn ainda não encomendou um exemplar de The Rise of the Right, sugiro que o faça logo, o mais depressa possível.*****
* The Rise of the Right, English Nationalism and the Transformation of Working-Class Politics— Simon Winlow, Steve Hall and James Treadwell, fevereiro, 2017, Policy Press.
3 comentários:
Aqui no brazil, ocorre algo semelhante com a esquerda. As políticas identidárias estão cada vez tomando mais espaço nas bandeiras de alguns partido de esquerda. São importantes, mas são acessórias, são "secundárias".
A bandeira essencial de um partido de esquerda são os avanços sócio-econômicos da maioria da população menos favorecida, e não causas identidárias ( que, também, fazem do ideário progressista ).
O PSOL encarna bem essa prática. Prioriza assuntos de identidade, e pouco políticas sociais e econômicas.
É preciso que o PT, CUT, MST, MTST, etc.. coloque esta discussão e polêmica na pauta do dia.
Exatamente. A esquerda abraçou a luta identitária e largou a luta trabalhista. Cooptação? também. A CiA,, corporações trabalharam e trabalham com eficácia. Bancam causas ecológicas, de direitos humanos, homo-afetivas, igualdade de sexo e cooptam. Tragam , engolem tudo para o capitalismo. AFinal! A contra-cultura não foi tragada também?
Mas há uma luta que não conseguem tragar!! A luta pela TERRA. A luta agrária. Esta é a chave.
E é uma coisa cristalina. Em meu trabalho (que é com pessoas simples, do meio rural e economia solidária) repito sempre: em primeiro lugar resolver a questão do trabalho, da produção e da renda. Isto é qualidade de vida. Para debater misoginia, homoafetividade, ambiente, fauna e flora, gênero etc. primeiro tem que ter dinheiro no bolso. Tem que trabalhar adequadamente, saber se está tendo lucro (ou sobras), se está sendo eficiente e eficaz. Ainda é tempo.
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