15/2/2017, Pepe Escobar, SputnikNews
A espalhafatosa novela de Michael Flynn resume-se à CIA jorrando uma hemorragia de vazamentos para o jornalão a serviço do manda-chuva da cidade, tentando fazer acontecer o desejado fim de jogo: uma vitória retumbante das facções mais linha-dura dos neoliberais/neoconservadores do Estado Profundo dos EUA, numa específica batalha. Mas a guerra não acabou; de fato, está só começando.
Mesmo antes da queda de Flynn, analistas russos já discutiam avidamente se o presidente Trump é o novo Viktor Yanukovych – que não conseguiu pôr fim a uma revolução colorida ao pé da porta da própria casa dele. A revolução colorida Made in USA pelo eixo dos neoconservadores do Estado Profundo, neoliberais Democratas e mídia-empresa prosseguirá, incansável, 24 horas por dia, sete dias por semana. Mas mais que copiar Yanukovych, Trump pode estar realmente remixando o Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping: "atravessar o rio, sempre sentindo as pedras." Tipo atravessar o pântano, sempre sentindo os crocodilos.
Flynn fora pode ser interpretado como uma retirada tática de Trump. Afinal, Flynn pode voltar – na penumbra, mais ou menos como Roger Stone. Se o atual vice-conselheiro de Segurança Nacional K T McFarland for promovido – e apoiadores poderosos de Trump trabalham para isso – o teatro de sombras do equilíbrio do poder de Kissinger, na versão remix à século 21, resulta mesmo fortalecida; McFarland afinal é homem de Kissinger.
Essa mensagem não se autodestruirá em cinco segundos
Flynn trabalhou com as Forças Especiais; dirigiu a Agência de Inteligência da Defesa (ing. Defense Intelligence Agency, DIA); sempre lidou com informação sigilosa super top secret 24 horas por dia, sete dias por semana. Obviamente sempre soube que conversas suas em linha aberta não protegida são sempre monitoradas. Assim sendo, teria de se converter em encarnação cumulativa dos Três Patetas, para se pôr em posição na qual pudesse via a ser chantageado por Moscou.
O que Flynn e o embaixador russo Sergey Kislyak com certeza discutiram foi cooperação na luta contra ISIS/ISIL/Daesh, e o que Moscou pode esperar em troca: que as sanções sejam levantadas. A mídia-empresa dos EUA nem piscou quando a inteligência norte-americana admitiu que tinha transcrição dos muitos telefonemas entre Flynn e Kislyak. Assim sendo, por que não liberar as conversas? Imaginem o escândalo intergaláctico, se os dois homens conversassem, por telefone, sobre a inteligência russa espionar o embaixador dos EUA em Moscou.
Ninguém deu atenção às duas passagens chaves convenientemente soterradas no meio dessa história distribuída para/pela a mídia-empresa nos EUA. 1) "O funcionário da inteligência disse que ninguém dentro do governo achou qualquer coisa de ilegal no que Flynn fez". E 2) "…a situação tornou-se insustentável – não porque alguma questão tivesse sido ameaçada ou comprometida por ação dos russos –, mas porque ele [Flynn] mentiu para o presidente e para o vice-presidente."
Recapitulando: nada de ilegal; e Flynn não ficou comprometido por ação dos russos. O "crime" – segundo facções do Estado Profundo – conversar com diplomata russo.
O vice-presidente Mike Pence é peça chave no quebra-cabeças; afinal seu principal papel é de 'avalista' insider – no coração do governo Trump – dos interesses do Estado Profundo neoconservador. A CIA vazou. A CIA com toda a certeza espiona todos os operadores de Trump. Mas Flynn caiu sobre a própria espada. O húbris clássico. Seu erro fatal foi tecer estratégias por conta própria – já antes de se tornar conselheiro nacional de segurança. "Mattis Cachorro Louco", T. Rex Tillerson – os dois, vale lembrar, muito próximos de Kissinger – e Pence, principalmente, não gostaram nada-nada, quando ficaram sabendo.
"Homem de habilidades muito limitadas"
Flynn já estava comprometido por conta do livro muito incomodamente mal informado de que é coautor, com o neoconservador Michael Ledeen, e também por conta daquela iranofobia de adolescente pirado. Ao mesmo tempo, Flynn era o homem de ponta para o que teria, isso sim, mudado todo o jogo: pôr a CIA e o Comando do Estado-maior das Forças Conjuntas sob controle da Casa Branca.
Fonte altamente bem informada que em outra coluna chamei de "X", e que detalhou em conversa com Sputnik o modo como se desenrolará o governo Trump, diz com perfeita certeza que "essa decisão mostra um Trump independente. Nada mudará. Prossegue tudo conforme o script."
"X" destaca o modo como "a Agência Nacional de Segurança pode invadir qualquer sistema telefônico não seguro, em todo o mundo. Flynn mostrou-se como homem de habilidades muito limitadas, que falou demais. Na Inteligência ninguém jamais ouve falar dos poderosos reais, nem se sabe os nomes deles. Vê-se claramente no modo como Flynn aborda o Irã. Estava detonando um acordo de paz no Oriente Médio que envolvia Rússia, Irã e Turquia na Síria. Saiu, porque tinha mesmo de sair."
"X" acrescenta: "os russos não são estúpidos a ponto de falarem entre eles em linhas não protegidas; e assumiram que Flynn controlava os próprios telefones. Flynn foi removido não por causa dos telefonemas com os russos, mas por outras razões, algumas das quais têm a ver com o Irã e o Oriente Médio. Mesmo do ponto de vista só da inteligência, Flynn já estava agindo como maluco. Agora se trata de afastar as discussões, o mais possível, da verdadeira causa."
Em direta oposição a "X", outra linha analítica trabalha agora na hipótese de que haverá sangue; as hienas estão cercando; um Trump vulnerável perderia a potência; e teria também perdido sua política externa. Não. Ainda não.
No Grande Tabuleiro de Xadrez, a queda de Flynn mostra que um simples peão saiu do jogo, porque o Rei não o protegeria. A operação de "drenar o pântano" – a parte que corresponde à política exterior – só estará realmente condenada, se neoconservadores e neoliberais conservadores continuarem a agitar ensandecidamente; se os neoliberais não forem completamente expostos como cúmplices na ascensão do ISIS/ISIL/Daech; e se a muito falada e promovida possibilidade de uma détente com a Rússia realmente gorar.
Certo é que a guerra fratricida entre o governo Trump e as facções mais poderosas do Estado Profundo será terrível. A Equipe Trump só tem alguma chance, se conseguir mobilizar e usar aliados de dentro do Estado Profundo. No pé em que estão as coisas, no que tenham a ver com o grande projeto de Kissinger de quebrar a "ameaça" eurasiana ao momento unipolar, o Irã safa-se, por hora; a Rússia não é de viver de ilusões; e a China sabe com certeza que a parceira estratégica China-Rússia se fortalecerá. Ponto para o pântano.*****
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