segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Os mísseis S-400s não resolvem o dilema geoestratégico da Índia, por Pepe Escobar

7/10/2018, Pepe Escobar, Asia Times

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga



“Com aquele dramalhão demente que rola no Brasil, essa notícia pode ter-se perdido na confusão, mas é MUITO importante.

Em resumo, aí estão os contornos do jogo geoestratégico de apostas altíssimas que os três (B)*RICS/OCX – Rússia, Índia, China – estão jogando na relação com o Excepcionalistão.”
Pepe Escobar, pelo Facebook, 8/10/2018





A cúpula de 2018 Índia-Rússia pode ter resultado em encontro histórico, que terá efeitos por eras. As negociações, vistas da superfície, centraram-se na possibilidade de a Índia confirmar ou não a compra de cinco sistemas S-400s russos, de mísseis de defesa, por $5,43 bilhões.

O negócio foi fechado imediatamente depois que o primeiro-ministro Narendra Modi da Índia, e o presidente Vladimir Putin da Rússia, deram por encerrada a conversa em Nova Delhi. As negociações começaram em 2015. Os S-400s serão entregues em 2020. 

E agora? Acontece o quê? O governo Trump sanciona a Índia nos termos da Lei de Resposta aos Adversários da América mediante Sanções [ing. Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act (CAATSA)? 

Ah! Bom seria se esse evento, que muda todo o jogo geopolítico, fosse assim tão simples.

É negócio de compra e vendas de armas que envolve Rússia, Índia... e China – uma trinca, se não a trinca chave dos países (B)RICS e da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). A nova realidade é que todos esses estados membros de (B)RICS/OCX são agora capazes de se servir de altamente efetivos sistemas S-400s.

Mas não significa que dois deles – Índia e China – tenham necessariamente de usar S-400s um contra o outro, no caso de ataque unilateral.

Putin foi perfeitamente claro ao destacar que a Rússia vai turbinar a cooperação bilateral a Índia, não só no nível da OCX mas também no nível da ONU e do G20. Modi, por seu lado, reafirmou que ambos os países, Índia e Rússia são a favor de mundo multipolar.

Modi espera que a Rússia ajude a Índia a desenvolver seu programa espacial – que inclui a possibilidade de Nova Delhi enviar astronautas indianos ao espaço em 2022. Diz que a Rússia sempre “se postou ombro a ombro com a Índia no setor de energia e nossas metas.”

“Nossas metas” incluem, crucialmente, Rússia e Índia sincronizadas com vistas a preservar o chamado ‘acordo nuclear iraniano’ (JCPOA). Consequência inevitável é que a Índia não deixará de comprar gás e petróleo iranianos, mesmo que seja ameaçada por sanções norte-americanas.

O governo Trump pode até levantar sanções que haja contra a Índia, se – nos termos da Lei de Autorização para Defesa Nacional [ing. National Defense Authorization Act] – o presidente decidir que Nova Delhi não comprometeu interesses estratégicos dos EUA, ao comprar mísseis russos.

O veredito, claro, permanece absolutamente aberto.

Decida-se, Nova Delhi

No Fórum Comercial Rússia-Índia, o ministro do Desenvolvimento Econômico Maksim Oreshkin afirmou que Índia e Rússia estão decididas a aumentar o comércio e os investimentos até uma “turnover comercial de $30 bilhões (...) com aumento de investimentos até $50 bilhões, em 2025.”

Nova Delhi sugeriu mês passado que se crie uma Zona Econômica Especial, ZEE [ing. special economic zone (SEZ) para negócios com os russos – além de um já discutido “corredor verde” para comércio em menor escala.

Tudo isso se encaixa no quadro de relações tradicionalmente cálidas entre Rússia e Índia. Mas o Grande Quadro é muito mais nuançado, e chama atenção para os pontos mais refinados do equilíbrio estratégico na Eurásia entre os três grandes parceiros (B)RICS/OCX.

Putin e Xi Jinping já decidiram que, em vários fronts, se fundirão as Novas Rotas da Seda, conhecidas como Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) e a União Econômica Eurasiana (UEE).

Com isso, Nova Delhi ficará sem par. A Índia não está alinhada à ICE, e abertamente se opõe a um dos principais projetos da ICE, o Corredor Econômico China-Paquistão (CECP) [ing. China-Pakistan Economic Corridor (CPEC)]. Nada que Pequim não possa resolver, por exemplo quando fizer a sintonia fina da rota do CECP que margeia a Caxemira.

Moscou e Pequim, por seu lado, sabem muito bem que a Índia pode ser usada por Washington como um Cavalo de Tróia para minar a integração da Eurásia.

Prova disso são, dentre outras: o recente Acordo de Compatibilidade e Segurança das Comunicações (ACSC) [ing. Communications Compatibility and Security Agreement (COMCASA) o qual, de fato, converte Nova Delhi em aliado militar dos EUA; o novo status da Índia, como único “grande parceiro de defesa” de Washington; e o papel da Índia no renascimento, no governo Trump, do “Quad” (ao lado de Japão e Austrália), movimento que Pequim interpreta como tentativa para cercar a China no Mar do Sul da China.

O problema é que os hindus ultra nacionalistas no partido BJP de Modi apoia, na verdade o cerco e/o a contenção da China. A jamais explicitada razão chave é econômica. Se a Índia unir-se à ICE chinesa, o partido BJP teme que um massacre de produtos Made in China venha simplesmente a destruir as indústrias domésticas indianas – mais ou menos o que aconteceu a alguns setores industriais do Brasil, dos (B)RICS* e principal parceiro comercial da China na América Latina.

O que Pequim e Moscou querem é que a parceria estratégica ampla que os liga – e a sinergia – façam avançar um processo de integração da Eurásia puxado pela ICE e pela UEE. Não se sabe ainda claramente se essa seria prioridade estratégica também para a Índia.

A prioridade estratégica de Washington é bem clara: dividir para governar, a qualquer custo, o movimento concertado de ICE-UEE-(B)RICS-OCX rumo à integração da Eurásia e à multipolaridade global.

Assim, já fechado o negócio dos S-400s, a bola está realmente no campo de Nova Delhi. Uma muito louvada política oficial de “multialinhamento” ainda deixa sem resposta a questão geoestratégica fundamental: tenderá a Índia na direção do estilo Dividir-e-Governar à moda EUA, ou tenderá a favor de um impulso multipolar de integração da Eurásia?*******



* NOTA DOS TRADUTORES: Nessa tradução escreveremos "(B)RICS" (o Brasil entre parênteses), para fazer lembrar que desde 2/12/2015 o Brasil vive sob golpe. Ninguém deve pressupor que, por estarem presentes a reuniões dos (B)RICS, as autoridades brasileiras que lá apareçam tenham qualquer legítima representação democrática, ainda que tenham sido eleitas, agora ou em qualquer tempo. Em tempos de golpe, a primeira vítima é o voto bem instruído dos cidadãos (a segunda é a verdade).

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