10/12/2015, Pepe Escobar, RT
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
A "incursão" da Turquia em território do Iraque é movimento planejado, frio. E mais uma vez o nome do jogo é – e o que mais seria? – Dividir para Governar.
A Turquia mandou para o Curdistão Iraquiano – que é parte do estado do Iraque – nada menos que um batalhão de 400 soldados, com apoio de 25 tanques M-60A3s. Agora, já se noticiou que o número de pares de coturnos turcos em solo no campo de Bashiqa, nordeste de Mosul, chegou a algo em torno de 600.
Primeiro fato desmascarado: não é um "campo de treinamento" – como Ancara anda espalhando. É uma base militar completa, talvez permanente.
O negócio espertalhão oportunista foi acertado entre o ultracorrupto Governo Regional Curdo (GRC) [ing. Kurdistan Regional Government (KRG) e o então ministro turco de Relações Exteriores Feridun Sinirlioglu em Erbil, mês passado.
Torrentes de propaganda turca juram que se trata, só, de "treinar" Peshmergas para que combatam contra o ISIS/ISIL/Daesh.
Nonsense total. O fato crucialmente importante é que Ancara está petrificada de medo da aliança dos "4+1" que dá combate ao Estado Islâmico, na qual se reúnem Irã, xiitas iraquianos e o Exército Árabe Sírio (EAS, ing. SAA), e o Hezbollah, com a Rússia.
Na Síria, Ancara está virtualmente paralisada, depois da "punhalada nas costas" que foi aderrubada do Su-24; das revelações que os russos fizeram, da cumplicidade entre a família governante da Turquia e o petróleo roubado da Síria (Bilal Erdogan, codinome Mini Me Erdogan,nega tudo); e da Força Aérea Russa, que ataca sem parar a Quinta Coluna (turcomena) da Turquia. Para nem falar do deslocamento para lá dos S-400s e, até, de um submarino de terceira geração, acrescentado de mísseis cruzadores Kalibr.
Assim sendo, Ancara transfere agora suas atenção para o Iraque com uma "contra-aliança" formada da Turquia; do GRC (que vende – ilegalmente – petróleo à Turquia); e de sunitas no norte do Iraque, sob uma suposta liderança da tribo Nuceyfi que se alastra em Mosul.
É tudo que o manual de neo-otomanismo manda fazer. E não se pode esquecer que, para o [partido] AKP que está no poder em Ancara, o norte da Síria e o norte do Iraque não passam de províncias do ex-Império Otomano, mera extensão para o leste da província turca de Hatay. O sonho molhado do ‘Sultão’ (não coroado) Erdogan é anexar o lote todo.
Entrementes, o Daesh ainda controla Mosul. Mas os sunitas iraquianos – além do Exército do Iraque – vão aos poucos avançando por ali.
Assim sendo, o que Ancara deseja, com essa base militar próxima de Mosul é ser parte do jogo, combinando duas agendas "invisíveis": proteger sua Quinta Coluna turcomena, sejam quem forem os turcomenos, e pôr mais coturnos em solo para combater contra – e quem seria? – os curdos do PKK que buscaram abrigo no Curdistão Iraquiano.
A única coisa em que o ‘Sultão’ Erdogan consegue pensar é que Bagdá não mais governa o norte do Iraque (nisso, acerta). Mas o problema, para Ancara, é que as reais potências na região podem vir a ser os xiitas e o PKK (é fantasioso; mas é o que Erdogan está pensando.)
O ‘Sultão’ Erdogan tem negócios muito próximos com o Gangster-em-Chefe do GRC, Massoud Barzani – como, dentre outros, no negócio ilegal de exportação de petróleo que não passa por Bagdá. Barzani, como se pode bem compreender, não tem problemas com os desejos dos militares turcos; afinal, todo o "seu" petróleo é pago pelos turcos.
Quanto ao suspense, fica por conta desse ás da geopolítica chamado Mick Jagger: it’s a gas, gas, gas.
O mais recente movimento de Ancara segue rigorosamente o roteiro da "Guerra Radical do Oleogasodutostão": a disputa entre dois gasodutos concorrentes, Qatar-Arábia Saudita-Jordânia-Síria- Turquia, ou Irã-Iraque-Síria, no coração da tragédia síria.
A paranoia de Erdogan, de que a Rússia pode suspender o fornecimento de gás para a Turquia depois da derrubada do Su-24 – coisa que a Gazprom simplesmente não fará – levou Ancara, em desespero, a forçar Bagdá, com persuasão à moda máfia, a "aceitar" um gasoduto do Qatar, que atravesse território iraquiano, não território sírio.
Desnecessário acrescentar que Bagdá – que integra a aliança "4+1" – nada pode ter a ver com esse esquema fantasioso. Além do mais e sobretudo, não há dúvidas de que o Irã – e a Rússia – farão literalmente de tudo para explorar as divisões sempre ativáveis entre os curdos, para bombardear os elaborados planos de Erdogan.
O grande alvo de Erdogan é deveras impressionante: está resolvido a criar nada menos que umSunistão Iraquiano – a ser administrado pelo ultracorrupto Governo Regional Curdo e sunitas selecionados, mas sob atenção da segurança curda. Como se Washington e Telavive algum dia o deixassem seguir adiante com tal 'plano'.
Fato é que, pelo menos por enquanto, enquanto seu jogo na Síria pode estar sumindo pelo ralo, Erdogan decidiu mudar de assunto e superturbinar sua estratégia para dividir o território do Iraque.
O presente, dádiva, dom
E assim chegamos novamente à questão de como o Daesh conseguiu, ano passado, conquistar Mosul – a segunda maior cidade do Iraque –, e sem luta. E, isso, depois do inesquecível desfile de Toyotas brancas, em comboio, coruscando pelo deserto, da Síria ao Iraque, e sem ser avistado pelo mais sofisticado sistema de satélites de vigilância jamais montado em toda a história do Universo.
Quanto a esse mistério, informes que começam a circular em todo o Oriente Médio e na coalisão"4+1" ameaçam subir aos ares como vulcão.
Segundo esses rumores, a narrativa oficial – do Pentágono –, segundo a qual o Exército do Iraque que teria de ter dado combate ao Estado Islâmico ano passado, mas teve medo, assustou-se e simplesmente fugiu, não passa de mito.
Como se sabe, o Exército do Iraque, treinado pelo Pentágono, deixou para trás quantidade enorme de tanques e armamento pesado, tudo atentamente capturado pelo Estado Islâmico. E ao Estado Islâmico coube só festejar a imensa sorte que pôs no caminho deles tal 'presente', 'dádiva', 'dom'.
Pela nova narrativa que começa a circular, o Pentágono deliberadamente 'instruiu' o Exército do Iraque para que se afastasse, como numa espécie de retirada tática, deixando para trás aquelas máquinas fabulosas.
O que se tem aqui é o Pentágono, integralmente protegido por negabilidade plausível. E o Estado Islâmico devidamente armado para atuar como exército por procuração para a missão de promover mudança de regime na Síria.
Uma perfeita ferramenta geradora de caos, alinhada com o objetivo do 'Império do Caos' na Síria. O qual, por falar nisso, inclui, na impossibilidade de total mudança de regime, a formação de um ‘Sunistão’ também na Síria.
Oh! Mas o Pentágono jamais se envolveria em tais práticas, né-não?! *****
[1] Orig. "Crippled in Syria", muito provavelmente para ouvirmos ao som de Crippled Inside [lit. "aleijado por dentro"], de John Lennon (1971) [NTs].
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