09/12/2015, Michael Hudson especial para o Saker Blog
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Dia 8/12, o porta-voz do FMI Gerry Rice distribuiu nota para informar que:
"O Conselho Executivo do FMI reuniu-se hoje e decidiu mudar a atual política de não tolerar atrasos de credores oficiais. Nos próximos dias, distribuiremos detalhes do objetivo e motivos dessa mudança de política."
Desde 1947, quando realmente começou a operar, o Banco Mundial sempre agiu como braço do Departamento de Defesa dos EUA, do primeiro presidente John J. McCloy passando por Robert McNamara até Robert Zoellick[1] e o neoconservador Paul Wolfowitz. Desde o início, o FMI promove as exportações dos EUA, especialmente produtos agrícolas – chantageando os países do Terceiro Mundo para que produzam colheitas para exportação, em vez de cuidar de alimentar as próprias populações (e assim forçar os países a importar grãos dos EUA). Mas até agora o FMI sempre se sentiu obrigado a fantasiar o serviço de promover as exportações dos EUA, travestindo-o sob retórica ostensivamente internacionalista, segundo a qual o que fosse bom para os EUA sempre seria ótimo para o mundo.
Agora, o FMI foi empurrado pelos EUA para a órbita da guerra fria norte-americana. Na 3ª-feira, a organização tomou a decisão radical de desmantelar a exigência que manteve coeso, de certo modo, todo o sistema financeiro global durante os últimos 50 anos. No passado, o FMI sempre foi capaz de construir pacotes de 'resgate' para governos em dificuldades financeiras, conseguindo que outros países credores – encabeçados por EUA, Alemanha e Japão – participassem do 'resgate'. A alavancagem para forçar credores a pagar o que devessem e que o FMI sempre usou partia do princípio de que, se uma nação estivesse em dívida com qualquer outro estado, não poderia receber empréstimos do FMI – nem pacotes de ajuda que envolvessem outros governos-membros.
Esse foi o sistema pelo qua o sistema financeiro global dolarizado funcionou durante meio século. Os beneficiários das 'ajudas' do FMI tornavam-se devedores em EUAdólares.
Mas na 3ª-feira, o FMI saltou para dentro da Nova Guerra Fria. A organização continuou a emprestar dinheiro à Ucrânia, apesar de as normas do próprio FMI impedirem qualquer empréstimo a países sem qualquer possibilidade visível de pagar o empréstimo (a regra conhecida como "Não a novas Argentinas", de 2001). Quando a presidenta Christine Lagarde fez o mais recente empréstimo do FMI à Ucrânia, na primavera, ela manifestou a esperança de que viesse a paz. Mas o presidente Porochenko imediatamente anunciou que usaria o empréstimo para escalar a guerra que a Ucrânia faz contra a população falante de russo no leste do país (Donbass).
É a região que produz quase todos os itens de exportação do país, principalmente para a Rússia. O mercado russo agora está fechado para a Ucrânia e assim deve continuar. Pode ser situação de longa duração, porque a Ucrânia é governada pela junta que os EUA instalaram no poder depois do golpe de direita no inverno de 2014. E a Ucrânia recusou-se a pagar, não só as dívidas que tem com o setor privado, mas também o que deve ao estado russo.
Nessas condições, a Ucrânia deveria perder o grau de qualificação para receber mais ajuda do FMI. O FMI (se tivesse algum interesse legítimo em alguma paz) poderia recusar-se a continuar a financiar os militares ucranianos na guerra racista que fazem contra a Rússia. Se se recusasse a fazer novos empréstimos à Ucrânia fascista, o FMI também estaria forçando algum tipo de ação para limpar a corrupção endêmica na Ucrânia.
Mas, não. Em vez disso, o FMI agora patrocina oficialmente a política ucraniana, a cleptocracia governante desde o golpe de Estado e seu Setor Direita, nazista, que lidera atentados como os que, recentemente, deixaram a Crimeia sem eletricidade.
A moeda ucraniana, a hryvnia, perdeu um terço do valor em anos recentes; aposentadorias foram reduzidas (em larga medida devoradas pela inflação), e a corrupção avança, intocada.
Apesar de tudo isso, o FMI anunciou sua intenção de prover novos empréstimos para financiar a dependência da Ucrânia aos EUA e os pagamentos devidos a oligargas que controlam o Parlamento e o Judiciário ucranianos e que lá continuam com o objetivo de bloquear qualquer ação efetiva contra a corrupção. A única condição que o FMI continua a impor é o mais feroz arrocho [chamado pela mídia-empresa, lá como no resto do mundo, de "austeridade" (NTs)].
Já ao longo de seis meses está em andamento uma discussão semipública com conselheiros do Tesouro dos EUA e promotores da Guerra Fria dentro do governo Obama sobre como mais eficazmente assaltar a Rússia e impedir que a Ucrânia fosse obrigada a pagar os $3 bilhões que deve ao Fundo Soberano da Rússia. Houve quem pregasse a ideia de declará-los "dívida odiosa" – mas decidiram que esse ardil poderia sair pela culatra e atingir várias outras ditaduras apoiadas pelos EUA.
No final, como agora se vê, o FMI simplesmente atropelou as próprias regras e deu à Ucrânia o empréstimo necessário para 'resgatar' o governo fascista que lá está.
Ao fazê-lo, o FMI de Cristine Lagarde anunciou claramente sua nova política: "Só se devem honrar dívidas devidas em EUAdólares a aliados dos EUA".
Significa que o que cozinhava em fogo baixo como Guerra Fria contra a Rússia já se converteu em incendiária divisão do mundo em dois blocos: o Bloco do Dólar [orig. Dollar Bloc], com o euro e outras moedas pró-EUA como satélites, e os BRICS ou outros países que se mantenham fora da órbita financeira e militar dos EUA.
O que fará a Rússia? E, claro, o que farão a China e outros países BRICS? O FMI e os neoconservadores nos EUA enviaram ao mundo mensagem bem clara: ninguém tem qualquer obrigação de pagar qualquer dívida a qualquer país fora da área do dólar e seus satélites.
Nesse caso, por que esses países não dolarizados permanecerão como membros do FMI[2] – ou, por falar nisso, do Banco Mundial?
O movimento do FMI efetivamente divide o sistema global ao meio – entre os BRICS e o sistema financeiro neoliberalizado de EUA-UE.
Deve a Rússia sair do FMI? Outros países devem sair?
A resposta em forma de imagem especular pode ser o novo Banco Asiático de Desenvolvimento anunciar que países que se associem à área rublo-yuan ficam liberados da obrigação de pagar quaisquer dívidas denominadas em EUAdólares ou em euros. O movimento do FMI está implicitamente levando a isso.*****
[1] Robert Zoellick é o "sub do sub do sub" ao qual o presidente Lula referiu-se, em 1989, quando Zoellick era subsecretário de Estado dos EUA para assuntos econômicos. Foi acertadíssima avaliação-resposta que Lula lhe deu, quando o "sub do sub do sub" 'declarou' que, se o Brasil não negociasse a entrada do país na ALCA de Bill Clinton, "teria de comerciar com a Antártida". Há matéria sobre o caso, viciosa e pervertida como sempre na Folha de S.Paulo, em que jornal e jornalistas curvam-se até o chão para lamber botas do sub do sub, dia 10/12/2002. Amanhã completam-se 13 anos do certeiro diagnóstico do presidente Lula: Robert Zoelick sempre foi sub do sub do sub; e a ALCA de Bill Clinton nem saiu do papel [NTs].
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