sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Destruir a Síria para criar um Sunistão


Mapa impressionante do império do ISIS/ISIL/Daesh/Estado Islâmico
(dica de Pepe Escobar, no Facebook)
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Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




Qual a conexão entre os EUA bombardearem uma base militar síria em Ayyash, Síria, e a invasão turca no norte do Iraque?


Parecem ser eventos isolados, mas são parte de um plano maior para balcanizar o Oriente Médio, para fortalecer o domínio, para Washington, de recursos preciosos, para empurrar a Rússia para guerra cara e prolongada e para garantir que todo o petróleo do Oriente Médio continue a ser denominado em EUAdólares. Joseph Kishore resumiu tudo isso do seguinte modo, em postado recente no World Socialist Web Site. Disse ele:

"A força básica por trás da guerra na Síria é a mesma que motivou a formatação imperialista de todo o Oriente Médio: os interesses do capital financeiro internacional. As grandes potências imperialistas sabem que, se quiserem pôr a mão no butim, têm também de fazer sua parte da matança" (
The new imperialist carve-up of the Middle East [Oriente Médio: a reformatação imperialista], World Socialist Web Site, traduzido no Blog do Alok).


Bingo. Em resumo, a guerra ao terror não é mais que uma folha de parreira de relações públicas para esconder as vergonhas de Washington, no esforço para continuar a mandar em todo o mundo. É impossível compreender o que se passa hoje no planeta, sem ver com clareza como alguns atos de violência e terror aparentemente disparatados encaixam-se e fazem perfeito sentido como movimentos de uma mesma estratégia geopolítica mais ampla e mais abrangente, para criar uma nova ordem mundial unipolar; para esmagar todos e quaisquer rivais emergentes; e para ampliar a dominação de pleno espectro dos EUA por todo o planeta.



Vejamos os movimentos específicos: domingo, aviões dos EUA bombardearam uma base militar síria a leste de Raqqa, matando três soldados sírios e ferindo outros treze. O incidente aconteceu na vila de Ayyash na província Deir Ezzor. Porta-voz da coalizão dos EUA, coronel Steve Warren, negou qualquer envolvimento dos EUA no ataque mortal, apesar de o Observatório Sírio de Direitos Humanos (da oposição 'de sofá', com base em Londres, contra o presidente Assad), já ter confirmado que "o ataque aéreo atingiu a base militar". Segundo esse 'observatório', "É a primeira vez que ataque da coalizão liderada pelos EUA matam soldados do governo sírio". A negativa de Warren, que é resposta automática do Pentágono para negar qualquer culpa, sugere que o ataque tenha sido provocação deliberada para disparar ataques russos de retaliação os quais, por sua vez, 'justificariam' maior comprometimento de soldados e de armas norte-americanos naquela guerra síria que já dura quatro anos e meio.

Não se sabe ainda se os ataques foram autorizados diretamente pela Casa Branca ou por bandidos agindo independentemente no Pentágono. O que é claro porém, é que o ataque a soldados sírios, distantes mais de 40 quilômetros do alvo designado, não aconteceu por erro. Vale também observar que, segundo a análise militar de "South Front", o raid de bombardeio norte-americano coincidiu com "ofensiva de grande escala comandada pelo ISIS nas vilas de Ayyash e Bgelia." Em outras palavras: os EUA deram suficiente cobertura aérea para que os terroristas do ISIS pudessem levar a cabo suas operações em terra.

Foi tudo parte do mesmo plano, ou não passou de mera coincidência?

Menos de 24 horas depois desse ataque, aviões dos EUA bombardearam a vila de Al-Khan no nordeste da Síria, onde mataram 26 civis, inclusive no mínimo quatro mulheres e sete crianças. A mensagem que os militares dos EUA de Obama estão enviando com esses ataques mortais é que eles querem o controle sobre o espaço aéreo do leste da Síria.

O plano é remover o ISIS, para ali estabelecer um estado sunita, estado de facto, consistente com o esquema de fracionar os territórios da Síria e do Iraque em pequenos cantões governados por senhores-da-guerra locais, fanáticos religiosos e matadores em geral que sirvam aos EUA como vassalos/fregueses. Já há hectares de análises que trabalham exatamente nessa direção, e não precisamos nos deter nisso.

Coluna publicada recentemente no New York Times assinada pelo neoconservador John Bolton resume bem o conceito básico que parece corresponder à posição de virtualmente todo o establishment politico norte-americano. Aqui, um trecho do artigo:

"A realidade hoje é que Iraque e Síria como os conhecemos já não existem (...). Em vez de tanto se dedicar a recriar o mapa de pós 1ª Guerra Mundial, Washington melhor faria se reconhecesse a nova geopolítica. A melhor alternativa ao Estado Islâmico no nordeste da Síria e oeste do Iraque é criar-se ali um estado sunita, novo e independente (...).

Essa proposta de um estado sunita difere completamente da visão do eixo russo-iraniano e de seus procuradores (o Hezbollah, o Sr. Assad e Bagdá apoiada por Teerã). O objetivo deles, de restaurar os governos iraquianos e sírio devolvendo-os às antigas fronteiras é objetivo absolutamente oposto aos interesses dos EUA, de Israel e de estados árabes amigos (...).

O novo "Sunistão" talvez não seja uma Suíça. Essa não é iniciativa democrática, mas fria política de poder. É ideia consistente com o objetivo estratégico de impedir o avanço do Estado Islâmico, que os EUA partilhamos com nossos aliados; e é objetivo alcançável" ("
John Bolton: To Defeat ISIS, Create a Sunni State" [Para derrotar o ISIS: criem um Estado sunita], New York Times).


Como já ficou dito, o artigo de Bolton é apenas um, dentre vários artigos e documentos políticos que apoiam a divisão de Iraque e Síria e a reformatação do mapa do Oriente Médio.


ISIS, que em vasta medida é invenção de agências ocidentais de inteligência e seus contrapartes no Golfo, é elemento criticamente importante de todo o plano. Ao implantar uma organização terrorista precisamente no epicentro das fontes de petróleo do planeta, cria-se todo o contexto e os argumentos para a intervenção, naquela mesma área, por tantas nações soberanas quantas o hegemon escolha.

Assim se começa a poder entender os bombardeios dessa semana em Ayyash e Al-Khan no nordeste da Síria. Os EUA justificam os ataques, desfraldando a camiseta ensanguentada do ISIS, quando, na verdade, os EUA só fazem perseguir seus próprios estreitos interesses estratégicos. E enquanto os EUA não conseguirem implantar formalmente uma zona aérea de exclusão naquele local, o que se vê é que há hoje maiores riscos associados a quaisquer operações no leste da Síria, do que havia semana passada: é precisamente essa a mensagem que o Pentágono quer enviar.

A mesma regra aplica-se também à invasão, por soldados turcos, no norte do Iraque (aproximadamente 900 soldados e 20 tanques).

Em primeiro lugar, não é absolutamente possível que a Turquia lançasse esse tipo de movimento sem, antes, ter recebido luz verde de Washington. Todos sabemos que o governo Obama reagiu com violência inaudita quando Moscou defendeu a Crimeia, depois do golpe da CIA em Kiev. Compare-se o que foi feito e o que disse o enviado especial de Obama ao Iraque, Brett McGurk (pelo Twitter): "EUA não apoiam deslocamentos militares dentro do Iraque na ausência do consentimento do governo iraquiano." (Today’s Zaman)

Como assim?! Quer dizer que 5 mil soldados norte-americanos morreram em guerra no Iraque, e tudo que McGurk, enviado de Obama, tem a dizer é 'Não, Turquia, o que vocês estão fazendo não é bonito'?

Considere-se que Washington não impôs sanções à Turquia, não atacou a moeda turca ou seus mercados financeiros, nem ameaçou fazer guerra à Turquia, como fez no caso da Rússia. Verdade é que Obama nem reclamou!

Obama limitou-se a olhar para outro lado, fingiu que não via coisa alguma. E ignorou o assunto. Evidentemente, a atitude de Obama enfureceu o aliado dos EUA em Bagdá, primeiro-ministro iraquiano Haider al-Abadi, que ameaçou retaliar, se as tropas turcas não se retirarem nas próximas 24 horas.

Mais uma vez, o movimento turco encaixa-se perfeitamente na estratégia imperial de "desconstruir" Síria e Iraque e quebrar os respectivos territórios em vários paraestados [talvez: "pseudo-estados"; ing. statelets], simulacros de estados que já nascerão malsucedidos ['failed states'], inócuos, que permanecerão num "permanente estado de dependência colonial" por todo o futuro hoje possível.

Quanto aos zelotes islamistas turcos em Ancara, com certeza sentir-se-ão plenamente justificados por 'exigir' territórios que entendem que lhes teria sido roubado logo depois da 1ª Guerra Mundial.

Colunista turco do jornal A Haber, Cemil Barlas, assim resumiu tudo isso, para Harry Fear, de RT:

"No passado, essas terras nos pertenciam. Temos o direito de participar do destino delas. Além do mais, nossos parentes vivem naquelas regiões. Nos preocupamos com o que está acontecendo a eles (...). Segundo Barlas, a Turquia teria direitos sobre os recursos naturais sírios e iraquianos, e ele supõe que as pessoas que vivem lá não se beneficiam da venda do petróleo, porque "todos os lucros vão para os cofres do 'ditador'" (
Sputnik News).


A invasão dos turcos ao Iraque assinala o início de ocupação de longo prazo que provavelmente será expandida até Mosul. Assim se estabelecerá uma cabeça de praia criticamente importante para controlar recursos e corredores de oleodutos e gasodutos que manterão a energia fluindo através da Turquia e para o porto de Ceyhan ao sul. Mais detalhes do que realmente está acontecendo, na versão do colunista turco Yavuz Baydar:

"Retomar Mosul para a Turquia é item primordial na agenda. Para isso, há aparente convergência de interesses entre Turquia, o Governo Regional Curdo e os aliados ocidentais (...). A figura central nesse grande quadro é Khaled Hodja, líder da Coalizão Nacional Curda, em íntima cooperação com o líder do Governo Regional Curdo Masoud Barzani. Foi ele quem declarou que uma força conjunta de combate seria construída no cantão de Rojava.

Um coronel, falando sem ser identificado a um noticioso online em Istanbul, confirmou os planos e acrescentou que essa formação foi iniciada pelos EUA e Turquia, e reunirá cerca de 5 mil homens.

"(...) Essas forças são apoiadas por EUA e Turquia, ambos contra o regime de [presidente da Síria, Bashar al-] Assad e para expulsar os curdos no norte da Síria."

Idris Nassan, vice-ministro de relações exteriores de Kobani, diz que a nova força será constituída principalmente de elementos dos grupos Ahrar al-Sham e Frente al-Nusra, e de turcomenos.

Nassan conecta os mais recentes movimentos a uma reunião iminente em Riad, onde os sauditas estão organizando novas alianças dentro das forças da oposição síria. "Por trás da designação 'forças moderadas' estão Arábia Saudita e Turquia" – disse Nassan ao noticioso online  Diken website." (
What lies beneath Turquia’s ’Mosul move’? [O que há por trás do movimento da Turquia em Mosul?], Today’s Zaman)



Por tudo isso, não parece haver dúvidas de que foi firmado um acordo entre Turquia, o Governo Curdo Regional e os EUA para dividir o norte do Iraque e o sul da Síria e criar um estado sunita de facto, a ser controlado conjuntamente por Ancara e Washington.


Também não parece haver dúvidas de que Obama concordou com o arranjo pelo qual terroristas (também conhecidos como mercenários oportunistas a serviço de fanáticos jihadistas) trabalharão ombro a ombro com as Forças Especiais dos EUA em futuras operações militares. Significa que, embora o esforço para derrubar o governo do presidente Assad tenha sido posto temporariamente em fogo baixo, o esforço para [tentar] destruir a Síria continua tão forte quanto antes.*****

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