terça-feira, 21 de novembro de 2017

Ascensão irresistível de MBS… e possível queda (1/2), por Uwe Parpart e Pepe Escobar

21/11/2017, Uwe Parpart e Pepe Escobar, Asia Times



Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





Quando as limusines pretas chegaram na calada da noite do sábado, 4 de novembro e continuaram a chegar até o raiar do domingo 5 de novembro, poucos dos príncipes, ex-ministros, líderes militares, magnatas da mídia e empresários e comerciantes milionários convidados a se apresentarem no Hotel Ritz Carlton, no distrito diplomático de Riad, consideraram prudente ignorar o convite.

Entregues em mãos pela polícia saudita, os convites estavam assinados pelo príncipe herdeiro Mohammad bin Salman (MBS), presidente de um recém inventado Comitê Supremo para investigar corrupção em órgãos públicos, criado por uma série de decretos reais, poucas horas antes de começarem as prisões.


Os poderes do Comitê incluem:
"Investigar, emitir ordens de prisão, proibir viagens, congelar e levantar qualquer impedimento ao acesso a contas bancárias e portfólios de investimentos, rastrear fundos e patrimônio de qualquer tipo e impedir que sejam movimentados ou transferidos por pessoas e empresas, sejam quem/quais forem."
Além disso, "o Comitê (...) pode tomar quaisquer medidas consideradas necessárias para lidar com os envolvidos em casos de corrupção pública e tomar posse de bens que considere seu direito, de pessoas, entidades, fundos, bens móveis e imóveis, no país e no exterior, devolver fundos ao Tesouro do Estado e registrar bens e propriedades como propriedades do Estado."
Mais importante que isso, ao mesmo tempo em que o Comitê cumpre as novas missões, estará "isentado do dever de cumprir leis, regulamentos, instruções, ordens e decisões."

Em outras palavras, o Comitê tudo pode e não é alcançado por nenhuma lei.

É artilharia pesada. O rei Salman equipou o filho e herdeiro presuntivo com um Comitê de Segurança Pública para chamar de seu e fazer e dizer e decidir o que bem entender. Se cabeças rolarão – e nesse caso quais –, ainda falta ver.

A mídia ocidental fez grande alarde em torno do fato de que um dos príncipes presos foi o conhecido empresário bilionário príncipe Alwaleed bin Talal, grande investidor em empresas que vão do Citigroup aos Hotéis Four Seasons, Twitter, News Corp e 21st Century Fox. A ideia de MBS não poderia ser mais clara: ninguém está acima de campanhas anticorrupção.

Mas até aí tudo é só golpe de cena, para desviar a atenção. Os verdadeiros alvos entre os prisioneiros (até aqui 208, segundo o Comitê, mas mais perto de 500 por outras contas) foram os que, já entrados nos três anos de reinado do rei Salman, ainda possam representar alguma ameaça ao controle total, por pai e filho, sobre o poder.

O alvo número 1 foi o príncipe Mutaib bin Abdullah, segundo filho do falecido rei Abdullah, comandante da Guarda Nacional desde 2010 e já citado como um possível futuro rei. De 1962 até 2010, os 100 mil membros da Saudi Arabian National Guard (SANG) [Guarda Nacional da Arábia Saudita, GNAS] foram comandados por Abdullah, que lidera o ramo Shammar da família real. A GNAS foi um centro rival de poder, em relação aos 110 mil soldados das forças armadas regulares (exército, marinha, força aérea), que eram controladas por MBS enquanto foi ministro da Defesa, do ramo Sudairi da família Al Saud.

Com o príncipe Mutaib, treinado na Academia Militar Sandhurst britânica e filho preferido de Abdullah, já dispensado do emprego dia 4/11 por decreto real e convidado a comparecer à festa do Ritz Carlton, acabou o equilíbrio de poder entre os Shammar e os Sudairi.

Outro alvo do expurgo – codinome "campanha anticorrupção" – pode ter sido também o príncipe Mansour bin Muqrin, que morreu na queda de um helicóptero próximo do Iêmen, no domingo, dia 5/11. Riad não comentou a causa da queda do avião, mas o jornal israelense Yedioth Ahronoth noticiou que o helicóptero que transportava o príncipe e vários auxiliares foi derrubado por um jato saudita, em bem-sucedida tentativa de assassinato. Mansour era vice-governador da agitada província de Asir, ao sul, e filho do príncipe Muqrin bin Abdulaziz, Diretor Geral da Al Mukhabarat Al A’amah (a agência de Inteligência saudita) de 2005 a 2012. Muqrin tornou-se príncipe herdeiro em janeiro de 2015 depois da morte do rei Abdullah, mas só até abril daquele ano, quando foi trocado por Mohammad bin Nayef.


Mohammad bin Nayef, por sua vez, foi forçado a ceder o título de príncipe herdeiro a MBS dia 20/6/2015, e a deixar o posto de ministro do Interior. Desde então, permanecia em prisão domiciliar. Seu pai, príncipe Nayef, controlara o Ministério do Interior (segurança e polícia internas) por mais de quatro décadas.

Dado que MBS já havia sido nomeado ministro da Defesa logo depois que seu pai Salman assumiu o trono em janeiro de 2015, os três ramos do aparelho de segurança da Arábia Saudita estão agora definitivamente sob controle dele.

Atacar onde mais dói 

MBS acrescentou ainda mais poder ao seu já impressionante acúmulo de poder sobre a economia, as finanças do estado e a mídia. Dentre outros dispensados das tarefas que lhe cabiam antes de serem presos estavam o ministro da Economia e Planejamento Adel bin Mohammad Faqih e os presidentes das três principais redes estatais de TV saudita, Walid Al Brahim (MBC), Saleh Kamel (ART) e Alwaleed Bin Talal (Rotana). Também foi preso o ex-ministro das Finanças Ibrahim al-Assaf, membro do conselho diretor, ao lado de MBS, da petroleira estatal saudita, Aramco.

Financial Times noticia que funcionários sauditas estão requerendo que os empresários, ministros e membros da família real apanhados no expurgo paguem 70% da própria fortuna para que tenham devolvida a liberdade.

A Agência Monetária Saudita [ing. Saudi Monetary Agency (SAMA)] ordenou o congelamento de 1.700 contas bancárias (até a última contagem) individuais declaradas 'ligadas' à corrupção, incluindo centenas de contas de pessoas que não foram presas.

A colheita potencial do Comitê Supremo de MBS pode facilmente chegar a US$100 bilhões, o dobro do déficit anual do governo saudita, de US$52 bilhões (2017).

É perfeito para quem quer reformar a economia e diz que não quer depender exclusivamente dos lucros do petróleo. Mas antes de tudo é, isso sim, mais uma jogada de poder: tire o dinheiro dos rivais e você lhes tira os meios para saírem à caça de sua cabeça. Campanhas ditas anticorrupção e muita retórica são sempre presentes na caixa de ferramentas de governos autoritários em todos os cantos do mundo. Mas, escreve Patrick Cockburn no Independent:

"Corrupção é conceito nebuloso, no que tenha a ver com estados com governantes arbitrários, que podem decidir – sem lei ou por qualquer processo democrático que os contenha – o que seja legal e o que seja ilegal.
"Campanhas anticorrupção nunca funcionam porque, se forem realmente sérias, rapidamente se veem forçadas a cortar diretamente nas raízes do poder político, e têm de tocar com força nos 'intocáveis'."

Campanhas anticorrupção, pode-se acrescentar, tendem a não mostrar a indispensável coerência, quando brotam de um príncipe que – num impulso insopitável – compra um iate por 500 milhões de euros, depois de dar com o olho nele, da janela, quando passava férias no sul da França (foi o que aconteceu com MBS, em 2016, quando comprou o iate "Serene", de 440pés, de um magnata da vodka russa, Yuri Shefler).

Uma nova linha dinástica

Com o golpe de MBS camuflado em campanha anticorrupção, facilitada para ele pelo pai, acabou a tradição de partilha do poder e do governo por consenso dentro da Casa de Saud. MBS parece ter neutralizado quaisquer centros remanescentes de poder no reino, que ainda pudessem desafiá-lo. Quando chegar ao trono, será – numa mudança generacional há muito tempo esperada – será o primeiro neto de Abdulaziz ibn Saud, fundador da moderna Arábia Saudita, a chegar lá. Será também o homem mais poderoso no país desde seu avô – e fundador de uma nova linha dinástica Sudairi.

Como será isso? Como se desdobrará?

Apesar dos muitos postos, Mohammed bin Salman não tem nem qualquer mínima experiência militar e internacional. Sua formação não passa de uma graduação básica em Lei Islâmica, na Universidade Rei Saud em Riad.

Dia 2/12/2015, menos de um ano depois de MBS ser apontado príncipe herdeiro e mais jovem ministro da Defesa no planeta, o serviço de inteligência alemão (BND) publicou uma análise (aparentemente não combinada com e de fato rejeitada pelo Ministério de Relações Exteriores da Alemanha), na qual se lia: "A postura diplomática cautelosa, de membros mais velhos da família real [saudita] está sendo substituída por uma política impulsiva de intervenção."

O dossiê da inteligência alemã culpava MBS e concluía que a concentração de poder sobre a economia e as decisões de política exterior nas mãos do príncipe herdeiro "arrasta o risco latente de que, no esforço para se posicionar como herdeiro do pai ainda em vida do rei seu pai, MBS superestime as próprias cartas" [Continua]



Um comentário:

carlos disse...

"Em outras palavras, o Comitê tudo pode e não é alcançado por nenhuma lei."
Hummm... lembrei de Curitiba.