segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O que Putin tem de fazer, mas não faz

24/1/2016, The Saker, The Vineyard of the Saker

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



5ª coluna russa: Chubais, Iudaeva, Dvorkovich, Shuvalov, Nabiullina, Kudrin, Uliukaev, Siluanov, Medvedev

Aconteça o que acontecer no futuro, Putin já assegurou para si um lugar na história entre os maiores governantes que a Rússia jamais teve em todos os tempos. Não apenas conseguiu literalmente ressuscitar a Rússia como país, mas, em pouco mais de uma década, repôs a Rússia como uma das potências mundiais capazes de desafiar com sucesso o Império Anglo-Sionista. O povo russo reconheceu os feitos do seu presidente e, segundo várias pesquisas, garantem a Putin magníficos 90% de aprovação. Mesmo assim, um problema crucial persiste, com o qual Putin não consegue lidar: a verdadeira razão por trás da aparente incapacidade do Kremlin para promover reforma significativa na economia russa.


Como já comentei muitas vezes, quando Putin chegou ao poder em 1999-2000, herdou um sistema desenhado e integralmente controlado pelos EUA. Durante os anos Iéltsin, ministros russos tinham muito menos poder que 'assessores' ocidentais que fizeram da Rússia uma colônia dos EUA. Na verdade, durante os anos 1990s, a Rússia foi, no mínimo, tão controlada pelos EUA quanto Europa e Ucrânia, hoje. E os resultados foram verdadeiramente catastróficos: recursos naturais da Rússia foram saqueados, bilhões de dólares foram roubados e ocultados em contas em paraísos fiscais ocidentais, a indústria russa foi destruída, uma onda sem precedentes de violência, corrupção e pobreza naufragou o país em terrível miséria e por pouco a Federação Russa não foi pulverizada em vários pequenos pseudo estados. Foi pesadelo total, não importa de que lado seja avaliado, horror só comparável a uma grande guerra. A Rússia estava a ponto de explodir, e alguma coisa tinha de ser feita.



Dois centros remanescentes de poder, os oligarcas e a ex-KGB, foram forçados a buscar solução para essa crise e vieram com a ideia de partilhar o poder: os oligarcas seriam representados no governo por Anatolii Medvedev; a ex-KGB, por Vladimir Putin. Os dois lados acreditavam que conseguiriam manter o outro lado sob controle e que essa combinação de big money com muito músculo geraria estabilidade suficiente.



Tenho chama de "Integracionistas Atlanticistas" o grupo que formou sob comando de Medvedev; e de "Soberanistas Eurasianos", o grupo que se organizou ao lado de Putin. Os Integracionistas Atlanticistas queriam que uma Rússia aceita pelo ocidente em pés de igualdade e plenamente integrada no Império Anglo-Sionista; os Soberanistas Eurasianos queriam garantir a soberania russa e criar um sistema internacional multipolar com a ajuda da China e dos demais países BRICS.



O que os Integracionistas Atlanticistas não esperavam foi que Putin, lenta mais firmemente, começasse a empurrá-los para fora do poder: primeiro, atacou os oligarcas mais notórios, como Berezovskii e Khodorkovskii; depois, começou a atacar oligarcas locais, as máfias implantadas em governos regionais, as gangues racistas, funcionários corrompidos por industriais e empresários, etc. Putin restaurou o "eixo vertical de poder" e esmagou os insurgentes wahhabistas na Chechênia. Putin, com muito cuidado, construiu as circunstâncias para livrar o governo de alguns dos piores ministros como Serdiukov e Kudrin. O que Putin até agora ainda não conseguiu fazer foi reformar o sistema político russo. Substituir os 5ª-colunistas dentro e em torno do Kremlin



Reformar a economia russa 



A Constituição Russa hoje vigente e o sistema de governo são puro produto dos 'assessores' norte-americanos os quais, depois de violento ataque contra a oposição em 1993, puseram Boris Iéltsin a governar o país até 1999. É paradoxal que o ocidente tanto fale hoje de 'presidente despótico', contra Putin, uma vez que Putin simplesmente herdou um sistema político concebido, de cima abaixo, pelo ocidente. 



Para Putin, o problema hoje é que não faz sentido substituir algumas das piores figuras do poder, se o sistema permanece inalterado. Mas o principal obstáculo a uma reforma do sistema político é a resistência dos 5ª-colunistas dentro e em volta do Kremlin. Há também os que ainda tentam impor várias políticas de tipo 'Consenso de Washington' à Rússia, por mais que seja óbvio que as consequências para a Rússia seriam extremamente nefastas, até ruinosas. Não há dúvidas de que Putin compreende tudo isso, mas não conseguiu, pelo menos até agora, quebrar essa dinâmica.



E quem são esses 5ª-colunistas?



Selecionei nove dos nomes mais frequentemente mencionados pelos analistas russos. São eles (a ordem é aleatória):



O ex-primeiro-ministro Anatolii Chubais, primeira vice-presidenta do Banco Central Russo Ksenia Iudaeva, vice-primeiro-ministro Arkadii Dvorkovich, primeiro vice-primeiro-ministro Igor Shuvalov, presidenta do Banco Central Russo Elvira Nabiullina, ex-ministro das Finanças Alexei Kudrin, ministro do Desenvolvimento Econômico AlexeiUliukaev, ministro das Finanças Anton Siluanov e primeiro-ministro Dmitri Medvedev.



Essa, é claro, é só uma parte da lista – a verdadeira lista é mais longa e vai mais fundo na estrutura de poder russo. As pessoas nessa lista vão de perigosos ideólogos como Kudrin ou Chubais, a gente medíocre e sem imaginação, como Siluanov ou Nabiullina. E nenhum deles, sozinho, representaria grave ameaça a Putin. Mas como grupo e noatual sistema político, são inimigo poderoso que tem mantido Putin em xeque. Mas, sim, creio que está em preparação um expurgo.



Um dos sinais possíveis de que um expurgo está por vir é o fato de que a mídia russa, tanto a blogosfera como a grande mídia-empresa, é hoje extremamente crítica das políticas econômicas do primeiro-ministro Medvedev. Muitos economistas russos concordam que a razão real da atual crise econômica em que a Rússia se debate nada tem a ver com o preço do petróleo nem, e ainda menos, com as sanções ocidentais, mas com decisões erradas do Banco Central Russo (como deixar flutuar o rublo ou manter altas as taxas de juros) e a falta de ação governamental que apoie uma verdadeira reforma e o desenvolvimento da economia russa. Especialmente interessante é que opositores muito falantes contra a atual 5ª-coluna estão obtendo espaço cada vez maior na mídia, inclusive na estatal VGTRK. Opositores respeitados das atuais políticas econômicas, como Sergei Glazev, Mikhail Deliagin ou Mikhail Khazinsão longamente entrevistados e têm tempo de sobra para falar muito mal (mesmo) das políticas econômicas do governo Medvedev. Mesmo assim, Putin ainda não tomou nenhuma medida que se veja. De fato, na sua fala de fim de ano, chegou até a elogiar o trabalho do Banco Central Russo. Quero dizer: o que está acontecendo?



Primeiro, e para os expostos à propaganda ocidental, pode ser difícil imaginar, mas Putin está impedido, simplesmente, pela força da lei. Ele não pode mandar forças especiais e prender toda essa gente, sob qualquer reles suspeita de corrupção, infração ou sabotagem. Muitos na Rússia lamentam que assim seja, mas é fato da vida.



Em teoria, Putin pode simplesmente demitir todo o governo (ou parte dele) e indicar outro presidente para o Banco Central. Mas o problema é que o movimento desencadearia reação violentíssima no ocidente. Mikhail Deliagin declarou recentemente que, se Putin fizesse tal coisa, a reação do ocidente seria mais violenta, até, que a reação à reunificação da Crimeia à Rússia. Será mesmo? Pode ser. Mas eu, pessoalmente, creio que Putin não está preocupado só com a reação do ocidente, mas, também, com as elites russas, especialmente as mais ricas, que de modo geral detestam Putin intensamente e que veriam tal expurgo como ataque a interesses delas, pessoais e vitais. A combinação de subversão pelos EUA com o big money local tem, sem dúvida, capacidade para criar crise considerável na Rússia. Essa, me parece, é, de longe, a maior ameaça que Putin enfrenta. Mas também aqui se pode observar uma dinâmica paradoxal.



Por um lado, a Rússia e o ocidente têm estado em confronto aberto desde que os russos impediram os EUA de bombardear a Síria. A crise ucraniana só piorou tudo. Acrescente a isso os preços desabados do petróleo e as sanções ocidentais, e pode-se dizer que Putin precisa agora, mais que nunca, evitar qualquer coisa que piore ainda mais a crise.



Mas, por outro lado, esse argumento pode ser descartado, se se considera o quanto tensões já estão em ponto muito difícil, e que o ocidente já fez tudo que pode para ferir a Rússia. Não seria agora o momento perfeito para afinal limpar a casa e livrar-se da 5ª-coluna? De fato – o quanto as coisas ainda podem piorar?



Só Putin conhece a resposta, simplesmente porque só ele conhece os fatos. Nós só podemos constatar que o descontentamento popular com o "bloco econômico" do governo e com o Banco Central está sem dúvida crescendo, e crescendo depressa; e que o Kremlin nada está fazendo para inibir ou suprimir tais sentimentos. Nós também podemos ver que, apesar de muitos russos estarem zangados, desgostosos e frustrados com as políticas econômicas do governo Medvedev, a popularidade de Putin continua em alta, apesar de a economia ter tomado um golpe, mesmo que tenha tido efeito muito menor do que o Império Anglo-sionista tanto esperava que tivesse.



Minha explicação, estritamente pessoal para o que está acontecendo é a seguinte: Putin está deliberadamente deixando que as coisas piorem, porque sabe que a ira popular não está dirigida contra ele, mas só contra seus inimigos. Pense: não foi exatamente o que os serviços russos de segurança fizeram nos anos 1990s? Não deixaram que a crise na Rússia alcançasse o paroxismo, antes de empurrar Putin para o poder e, na sequência, atacar duramente os oligarcas? Putin não esperou até que os wahhabistas na Chechênia realmente atacassem o Daguestão, antes de mandar os militares? Os russos não deixaram que Saakashvili atacasse Ossetia do Sul, antes de basicamente destruírem todo o seu exército? Putin não esperou até que viesse um ataque em grande escala dos ucronazistas no Donbass, antes de abrir as torneiras do "voentorg" (suprimentos militares) e do "vento do norte" (envio de voluntários)? Críticos contra Putin dirão que não, de modo nenhum, que Putin foi surpreendido, que estava dormindo no ponto, que foi empurrado a reagir, mas a reação foi pouca demais, atrasada demais, e que quando teve de agir foi só para dar algum jeito numa situação que já se convertera em desastre. Minha resposta a essas críticas é simples: e o que aconteceu, no final? Putin não conseguiu exatamente o que queria, todas essas vezes?



Acredito que Putin está muito claramente consciente de que sua real base de poder não está, em primeiro lugar, nos militares russos ou nos serviços de segurança, mas no povo russo. Isso, por sua vez, significa que, para iniciar qualquer ação, especialmente ação cheia de perigos, ele precisa assegurar nível de apoio popular quase incondicional. E isso, por sua vez, significa que só pode iniciar aquela ação perigosa se e quando a crise for bem evidente para todos e o povo russo já deseje que o presidente assuma um risco e que, sendo necessário, pague as consequências. 



Foi esse o quadro no qual Putin agiu rápida e dramaticamente no caso da reunificação da Crimeia ou da atual intervenção militar na Síria: o povo russo está envolvido, sofrendo as consequências da decisão que Putin tomou, mas aceitam a situação porque acreditam que não há outra opção.



Aí está. Ou Putin está dormindo no ponto, é apanhado de surpresa por cada crise e reage tarde demais, ou Putin deixa deliberadamente que a situação se agrave até haver crise declarada, em grande escala, quando então ele age, sabendo que o povo russo o apoia integralmente e não o culpa, nem pela crise, nem pelo preço de atacar decididamente um problema.



Que cada um escolha a versão que lhe pareça mais plausível.



O que é certo é que, até aqui, Putin ainda não conseguiu dar conta da 5ª-Coluna próxima e dentro do Kremlin e que a situação piora rapidamente.



O recente movimento de Kudrin, de tentar voltar para o governo foi uso flagrante da mídia russa pró-5ª Coluna (e também da mídia no exterior) e, como se poderia prever, falhou. Mas é movimento que mostra crescente autoconfiança, até arrogância, dos Integracionistas Atlanticistas. Alguma coisa está para acontecer e provavelmente em futuro próximo.*****

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