domingo, 21 de agosto de 2016

Theresa May e o novo paradigma pós-neoliberal, por Jacques Sapir

9/8/2016, Jacques Sapir, RousseuropeHypothèses 


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Negócio MUUUUUUITO estranho:

(1) Grã-Bretanha foge do neoliberalismo globalizante (leia aí);
(2) 
Rússia foge do neoliberalismo globalizante;
(3) 
até EUA fogem do neoliberalismo globalizante...

Mas #ForaTemer insiste em re-afundar o Brasil nessa porra de neoliberalismo globalizante?!
 Como assim?! Aí tem coisa...

PARA NÃO ESQUECER

"Nós vamos ter um enfrentamento grave. Vocês se preparem."
(Presidente Lula da Silva, do Brasil, maio de 2006).
"Nosso programa para o segundo mandato é (1) mercado interno de massa, apoiado em um amplo programa de distribuição de renda; (2) revolução educacional; (3) política de exportações agressiva; e (4) integração sul-americana que adicione respostas continentais aos impasses econômicos gerados pela volatilidade mundial"
(Ministro José Dirceu, "O que está em jogo em 2006", 22/6/2006, Jornal do Brasil).




A Grã-Bretanha acaba de passar por evento de considerável importância, que pode indicar uma virada importante na política britânica e, também, por suas repercussões, também na França e em outros países europeus.

Mrs. Theresa May, primeira-ministra britânica, que acaba de substituir David Cameron depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (o famoso Brexit), acaba de tomar uma medida lógica, quer dizer, praticamente revolucionária, no contexto de seu país. Ao presidir a primeira reunião da Comissão Interministerial sobre a "estratégia econômica e industrial, na 2ª-feira, 2 de agosto, May declarou-se decidida a pôr em pé uma verdadeira política industrial. Na Grã-Bretanha arrasada por mais de 35 anos de "neoliberalismo", essa declaração equivale a uma minirrevolução. O fato de que a decisão seja tomada por primeira-ministra conservadora, do partido de Margaret Thatcher, destaca o caráter revolucionário da medida tomada por Theresa May.

É movimento que anuncia mudança de paradigma. Os mais recentes estudos divulgados por organizações como o FMI pintam a globalização e o preço que custou e custa aos povos de modo bem mais claramente negativo do que há dez, 15 anos. Hoje se compreende que o conceito de globalização promovido pelo FMI (há dez anos) ou da OCDE, não é absolutamente a solução. Já é visível a volta atrás, sob uma forma de voluntarismo, que já se notava com [ministro da Economia] Arnaud Montebourg em 2012-2013.

Revolução?

É preciso pois voltar a examinar a decisão da nova ministra britânica, que só faz manifestar em atos o que já estava dito no discurso de posse. O porta-voz do governo disse, em comunicado publicado depois da reunião da comissão interministerial: "A primeira-ministra sublinhou que o objetivo da nova estratégia industrial tem de ser pôr em pé uma economia que funciona para todo o mundo".[1] O que significa isso?

Há uma dimensão oportunista nessa política. Theresa May declarou antes da reunião que, se a Grã-Bretanha quer "aproveitar as oportunidades que o Brexit oferece, é preciso explorar toda nossa economia, ela inteira". Se as medidas ainda continuam fluidas, indefinidas, é que estamos na primeira vez que um chefe de governo britânico afirma seu interesse pelos setores secundários, desde que Margaret Thatcher sepultou o conceito de política industrial há mais de 30 anos. A nova política industrial vai portanto conduzir o governo a ajudar as indústrias que fazem a força do Reino Unido, como a automobilística (Jaguar Land Rover) e a aeronáutica como BAE Systems mas também as novas indústrias como a ARM Systems, de produtos eletrônicos, que foi vendida ao Japan Soft Bank em julho por 32 bilhões de libras, 38 bilhões de euros. Até a indústria siderúrgica pode dar bom uso a incentivos: A Tata Steel anunciou no final de março a vende de suas atividades no Reino Unido, pondo em risco milhares de empregos. Adiante, decidiu rever os planos e entrou em negociações com Thyssenkrupp com vistas a criarem uma empresa conjunta. A queda da libra esterlina, de fato, altera favoravelmente a competitividade da produção na Grã-Bretanha. O grupo farmacêutico GlaxoSmithKline anunciou na 4ª-feira cerca de 270 milhões de novos investimentos nas instalações de produção na Grã-Bretanha.[2] O grupo prepara-se para um segundo semestre de fartura graças à queda da libra esterlina: a empresa tem custos em libras e receitas em outras moedas.

A depreciação da libra e depois  

A depreciação da libra é um dos elementos dessa política industrial. Sim, é elemento bem primitivo. Mas ninguém jamais viu política industrial em país cuja moeda esteja supervalorizada. Ora, estudo do FMI mostra que, na média, a taxa de câmbio real da libra estava, em 2015, sobrevalorizada em 12,5%.[3]

Se se consideram as evoluções desde o referendo sobre o Brexit, constata-se que a depreciação atual corrigiu uma parte dos desequilíbrios que se formaram depois do início de 2014. Pode-se dizer que a relação 0,85 libras por 1 euro corresponde à depreciação de que a Grã-Bretanha precisa hoje.

Gráfico 1: libra/euro (Fonte: Bloomberg)

Mas é claro que uma política industrial não pode ficar reduzida a uma forte depreciação da moeda.

O Comitê anunciou também que subsidiará a formação de operários qualificados, cada vez mais necessários na indústria, além de outras medidas que podem ser anunciadas no futuro, todas na direção de favorecer o investimento, e tanto mais que a Grã-Bretanha logo se livrará do cabresto que as regras da União Europeia impõem ao país. Vê-se também surgir uma noção de gestão do território, nessa política industrial. O ministro das Finanças, Philip Hammond, naquela mesma reunião do comitê estimou que a redução à qual visa essa política, na diferença de produtividade entre Londres e o resto do país deverá gerar crescimento de 9% e carrear para o caixa do Estado 150 bilhões de libras (179 bilhões de euros) suplementares.[4]

Os fundamentos de uma virada política 

Essa política surpreendeu os observadores, uma vez que é manifestação de um dinamismo que já não se esperava da Grã-Bretanha. Vai de encontro aos prognósticos catastrofistas para o pós-Brexit que se distribuíram abundantemente, especialmente na França. É o que o Banco Central (Banco da Inglaterra) mostra em estudo datado de 20 de julho [5] e dito bem claramente: "No momento, não há indicação clara de retração líquida e generalizada". O mercado de trabalho permanece bem orientado,[6] e o consumo das famílias cresceu 1,1% em julho, um dos melhores resultados dos meses recentes.[7] Longe de ser a calamidade que tantos predisseram, o Brexit vai sendo feito em calma e em ordem. Claro que subsistem alguns problemas importantes. A incerteza gerada pelo rompimento com a UE pode, sim, comprometer o investimento. 

E é precisamente para evitar isso que Mrs. Theresa May adotou essa política voluntarista. É bem claro também que, com essa política, ela conta com reencontrar uma dinâmica que a Grã-Bretanha perdeu antes do Brexit.[8]

Mas a nova política de May surpreendeu os observadores também porque ela manifesta uma vontade de reconstruir uma economia sobre bases mais justas, economia que, nas palavras da própria Theresa May beneficie todos. 

A nova primeira-ministra britânica pôs seu mandado sob o imperativo da luta contra o que chamou de "injustiça candente":


"Significa lutar contra a injustiça candente que faz com que, se você nasceu pobre, morrerá pobre e nove anos antes dos outros. Se você é negro, será tratado com mais dureza pelo sistema judiciário do que se fosse branco. Se você é jovem e branco, da classe operária, terá menos chances que todos os demais britânicos, de chegar à universidade. Se você estuda em escola pública, terá menos chances de obter os melhores postos de trabalho, do que se estudasse em escolas privadas. Se você é mulher, terá salário inferior ao do homem. Se você sofre de doença mental, não encontrará jamais ajuda médica e assistencial adequadas. Se você é jovem, descobrirá que nunca, em tempo algum, foi tão difícil conseguir sua casa própria".[9]


São palavras que poderiam (e deveriam) ser ditas por Jeremy Corbyn, dirigente do partido trabalhista. O fato de aparecerem no discurso de posse de uma primeira-ministra conservadora é, portanto, o mais surpreendente. 

Mas que essa primeira-ministra conservadora queira modelar um país que "funcione para todos" e assuma abertamente posição a favor de uma política voluntarista não deve ser surpresa para quem se recorde da "grande tradição" dos conservadores britânicos, tradição que de fato se opôs à política neoliberal de Margaret Thatcher, e cujas raízes remetem a Benjamin Disraeli, autor de Sybil [10], romance social de meados do século 19.

A soberania e os trabalhistas 

É portanto significativo que o Brexit tenha libertado uma fração dos conservadores, da ideologia chamada "neoliberal".

É preciso voltar a um estudo de um politólogo britânico na Grâ-Bretanha, que mostra que perto de 70% das regiões eleitorais que elegeram deputado trabalhista votaram a favor de a Grã-Bretanha deixar a União Europeia, apesar de o partido trabalhistas fazer campanha oficialmente contra o Brexit.[11] Esse fato ilustra bem a contradição que há entre a opinião dos quadros de um partido e o que sente um militante ou simpatizante, na base. A contradição é tão forte que se chegou a pensar que o assassinato odioso da deputada trabalhista Jo Cox, uma semana antes da votação, provocaria uma avalanche de votos contra o Brexit

Mas, se tal sentimento chegou a existir, foi insuficiente para modificar a tendência de opiniões e votos. Porque os eleitores trabalhistas compreendiam, ainda que confusamente, que nenhum rompimento com o neoliberalismo seria jamais possível, enquanto o Reino Unido estivesse ligado à União Europeia. Se Jeremy Corbyn está hoje em dificuldades, a responsabilidade é toda dele mesmo, dada à sua incoerência. Aí está lição valiosa para toda a esquerda europeia.

Para que a troca de política seja possível, para que seja possível a separação entre os trabalhistas e o "neoliberalismo" thatcherista, a Grã-Bretanha teria, antes, de recuperar a própria soberania. Foi o que o país fez, ao escolher pelo voto oBrexit. Constata-se assim que a noção de soberania não se deixa prender em categorias de "direita" ou de "esquerda". Não que essas categorias não sejam necessárias para o debate. Mas elas recobrem diferentes apreciações do que seja o "bem comum" – avaliação que só é possível dentro de sociedade, nação, estado, soberano.

Mudança de identidade?

Por tudo isso, compreende-se por que a ideia de uma soberania "de esquerda", assim como uma saída "de esquerda", do euro, são tolices perigosas, às quais muitos belos espíritos ainda se dedicam. Uma porta tem de ser ou aberta ou fechada, e, num dado sentido, pouco importa que mão lá estará para abri-la ou fechá-la. Se é preciso abrir uma porta, de nada nos serve muita conversa sobre quem a abrirá. Na via oposta, depois de aberta a porta, põe-se imediatamente a questão de que direção tomar, e aí, sim, as diferenças entre "esquerda" e "direita" voltam a ter sentido. Resolvido um problema que é da ordem do político (o enfrentamento amigo/inimigo), a política pode outra vez assumir o seu próprio lugar. 

Mas aconteceu que o Brexit produziu essa mudança de identidade dentro do partido conservador. A virada operada por Theresa May pode vir a impedir qualquer debate. Ao ocupar no campo econômico e social posições que teriam de ser ocupadas pelo partido trabalhista, e ao fazê-lo com a plena legitimidade que o Brexit lhe assegura, Theresa May está em condições de ocupar todo o espaço político. É possível que tenhamos assistido a um golpe de mestre.*****

Referências










[10] Disraeli B., Sybil, or The Two Nations, Londres, Henry Colburn, 1845.

[11] Chris Hanretty, Most Labour MPs represent a constituency that voted Leave 


Um comentário:

Anônimo disse...

E o ___braziUS___ nas mãos do ""zé çER$R$RA"", RATAZANA=TEMER e & Cia Ltda=DIREITA. Melhor seria que trocássemos todos os valores nacionais, começando e adotando a ""OLD GLORY"" como bandeira do ex-BRASIL. E assim vai ....