sábado, 23 de junho de 2018

Escravizar as crianças: Demagogia e receita para um consenso selvagem

20/6/2018, sententiaeantiquae (orig. ing., aqui traduzido)

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu





Durante a Guerra do Peloponeso, a Democracia Ateniense deliberou, votou e aprovou que os prisioneiros homens fossem executados e as mulheres e crianças, escravizadas. Investigar por que, hoje, não é vão exercício de distração histórica.


Tucídides, 5.116.4

"[Os atenienses] mataram contudo muitos dos homens melianos e escravizaram as mulheres e as crianças. Cercaram a terra e depois mandaram para lá 500 colonos."


[grego] ο δ πκτειναν Μηλων σους βντας λαβονπαδας δ κα γυνακας νδραπδισαντ δ χωρον ατο κισαν, ποκους στερον πεντακοσους πμψαντες.

5.32


"Mais ou menos no mesmo período naquele verão, os atenienses cercaram e sitiaram os sionenses e depois de matar todos os homens adultos, escravizaram as mulheres e crianças e deram as terras aos platenses."


[grego] Περ δ τος ατος χρνους το θρους τοτου Σκιωναους μν θηναοι κπολιορκσαντες πκτειναν τος βνταςπαδας δ κα γυνακας νδραπδισαν κα τν γν Πλαταιεσινδοσαν νμεσθαι·

Assim foi feito por decisão e voto da democracia ateniense comandada por Cleon: Tucídides 4.122.6. Solução similar foi proposta durante o Debate Mitileneano. Cleon é descrito por Tucídides como "além de ser o mais violento dos cidadãos, que era também o mais persuasivo, naquele tempo, de longe, para o povo" (ν κα ς τ λλα βιαιτατος τν πολιτν τ τε δμ παρ πολ ν τ ττε πιθαντατος, 3.36.6)


3.36

"Ali se julgavam os homens e, furiosos, parecia-lhes certo não só matar os que estavam presentes, mas massacrar todos os mitileneanos adultos e escravizar as mulheres e as crianças."


[grego] περ δ τν νδρν γνμας ποιοντοκα π ργς δοξεν ατος ο τος παρντας μνον ποκτεναιλλ κα τος παντας Μυτιληναους σοι βσιπαδας δ κα γυνακαςνδραποδσαι.

Nesse discurso, em defesa dessa política, Cleon reflete sobre a natureza de imperialismo e obediência. Embora nem sempre conseguisse aprovação para seu voto, que foi rejeitado, seus argumentos parecem ter funcionado em ocasiões posteriores.

Tucídides, 3.37


"A verdade é que, porque vocês vivem dia-a-dia sem medo, e não há conspiração de um contra o outro, vocês imaginam que seus 'aliados' vivam do mesmo modo. Porque vocês são iludidos por qualquer coisa que lhes seja apresentado em discursos, vocês erram nesses assuntos; ou, porque cedem à piedade, vocês não se dão conta de que estão sendo perigosamente fracos, por si mesmos, ou para favorecer algum de seus aliados.

Vocês não consideram o fato de que o poder de vocês é tirania e os que vocês dominam conspiram sem parar contra vocês e são governados contra a vontade deles, e que essa gente obedece vocês não porque agradam a vocês se eles forem cordatos, mas porque vocês são superiores a eles pela força, não pelos bons modos deles.

O mais terrível de tudo é que, se nada do que nos parece certo é firmemente estabelecido – se não reconhecermos que um estado que tem leis piores, mas não admite que elas sejam descumpridas, é mais forte que um estado com leis nobres mas fragilmente administradas –, aquela ignorância, acompanhada da disciplina, é mais efetiva que a inteligência com liberalidade, e que gente que sabe menos pode habitar muito mais eficientemente os estados dominados, que os que sabem mais.

Os que sabem muito sempre querem ostentar que são mais espertos que as leis e que se destacam nas discussões sobre o bem público, como se não existissem coisas mais importantes para ilustrar e esclarecer as opiniões deles – e por isso os que sabem muito frequentemente levam os próprios estados à ruína. 

Ou outros, por sua vez, que sabem menos, porque desconfiam da própria inteligência, entendem que é aceitável que acertem menos que as leis e sejam menos capazes para criticar um argumento, que os que falam bem. Mas, porque os que sabem menos são juízes mais justos e mais equilibrados, e não são acusadores profissionais, quase sempre decidem melhor a maioria dos casos. 

Então, por essa razão, é correto que também nós – quando não nos deixamos arrastar pela esperteza e pela ostentação no concurso entre inteligências – nada façamos para aconselhar as nossas maiorias contra a nossa opinião governante."

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